"A brincadeira acabou", "A cereja podre no bolo", e "o pós-Dilma" (na FOLHA)
análise de RENATO ANDRADE, na página de opinião da folha de s. paulo:
A brincadeira acabou
BRASÍLIA - Se faltava alguma coisa para coroar a sequência de erros do governo Dilma, que jogaram a economia brasileira numa espiral recessiva, agora não falta mais.
A partir desta quinta-feira, o Brasil volta a ser considerado um país pouco seguro para investidores colocarem seu dinheiro. O selo de bom pagador, concedido pela agência Standard & Poor's em abril de 2008, durante o governo do ex-presidente Lula, virou pó, apenas oito meses depois da reeleição de sua sucessora.
O governo só tem a si mesmo para culpar. Os argumentos apresentados pela agência de risco para explicar por que o país não tem mais condições de manter o título são claros.
A mirabolante ideia de apresentar uma proposta de Orçamento com um rombo de R$ 30,5 bilhões para o próximo ano –mais um ineditismo do governo petista– foi o lance derradeiro que garantiu a passagem de volta do Brasil ao clube dos países que pagam caro para conseguir dinheiro nos mercados internacionais.
A indefinição, os recuos, os sinais trocados, toda a falta de coordenação de um governo sem rumo indicavam que esse resultado chegaria em algum momento. Ao que parece, o Planalto esperava uma certa benevolência por parte da turma do dinheiro. Perdeu a aposta. Perdeu o Brasil.
Dilma e seus ministros mais próximos não podem reclamar de que não foram avisados. De Joaquim Levy ao vice Michel Temer, passando por uma infinidade de empresários, banqueiros e políticos de partidos distintos, todos ponderaram que o caminho adotado estava errado. Mesmo assim, por teimosia ou incompetência –ou ambos–, a presidente não teve pulso para mudar o rumo das coisas a tempo de evitar o desastre.
É difícil imaginar a magnitude dos estragos que a economia brasileira sofrerá a partir de agora. A única certeza é que esses estragos virão.
Dilma defendeu na segunda-feira a adoção de "remédios amargos" para resolver os problemas. Talvez seja tarde demais para salvar o paciente.
De ponta a ponta (coluna Painel):
Congressistas do PT e do PMDB fizeram a mesma avaliação diante da retirada do grau de investimento do Brasil pela Standard & Poor's. A decisão da agência fará Dilma Rousseff perder o apoio das duas pontas mais refratárias ao impeachment: o empresariado e as classes C e D. O sistema financeiro é, hoje, o principal lastro de Joaquim Levy. No outro extremo, o agravamento do desemprego e da recessão pode levar o eleitorado petista a engrossar as manifestações pelo "fora Dilma".
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Septicemia Um senador petista, desolado, descrevia o quadro do governo Dilma Rousseff como o de um "paciente terminal": "Uma hora para de funcionar um rim, dali a pouco é o coração que dá sinal de que vai pifar".
opinião de VINICIUS TORRES FREIRE:
A cereja podre no bolo de Dilma
Descrédito extra do país vai prolongar a recessão e levar política à beira do abismo
O DESCRÉDITO já nos custava caro fazia tempo, cortesia de Dilma Rousseff. Na prática, já havíamos sido rebaixados quando os donos do dinheiro grosso sentiram o cheiro de queimado da besteirada econômica e passaram a cobrar mais para emprestar ao país.
Vai custar algo mais. A gota d'água suja foi o "Orçamento transparente" de 2016, na verdade roto e furado de deficit, causa imediata do rebaixamento da nota de crédito do Brasil mesmo segundo a "ala ortodoxa" dos economistas do governo.
Vai haver mais estragos. De óbvio e imediato: real ainda mais desvalorizado, juros algo mais altos, recessão mais longa ou profunda. Dúvida maior é o que será da política.
Vai começar o período da Regência? Dilma Rousseff vai entregar a rapadura, se não de direito, pelo menos de fato? A quem? A Joaquim Levy, segundo a versão do burburinho palaciano da noite de ontem? Será uma regência trina provisória (Levy, Temer, Congresso)? O PMDB vai antecipar a fritura final da presidente?
Como um governo ainda mais desmoralizado será capaz de coordenar um acordo entre lideranças políticas e sociais para dar um jeito mínimo nas contas públicas? Até agora, não era capaz de coordenar nem mesmo sua desordem intestina, a barafunda palaciana que cria mixórdia política e desbarata qualquer programa econômico coerente e durável.
O descrédito começou bem antes que nos dessem nota vermelha, a medalhinha de potencial caloteiro, como o fez a S&P ontem (aliás, o que será da endividada Petrobras?). Mesmo assim, foi inesperado levar agora o rótulo de "investimento especulativo", grau "caloteiro mirim", "especulativo, mas nem tanto". Imaginava-se, governo e "mercado", que seria possível enrolar até janeiro, por aí.
Por que a S&P rebaixou o país? Porque o crescente tumulto político reduziu "a capacidade e a vontade do governo de elaborar um Orçamento coerente" com as promessas do início de Dilma 2. Porque o governo baixou de novo a meta de superavit "seis semanas depois de ter cortado a meta anterior", seguindo o método confuso de desempenho reverso, o método Dilma Rousseff (não tem meta e, quando piora, dobra a meta degradada). Porque se previa um triênio de deficit primário.
A dívida crescerá, na avaliação da S&P, pois o deficit nominal será de 8% tanto em 2015 quanto em 2016, com a economia encolhendo 2,5% e 0,5%, respectivamente. Na média do quadriênio 2014-2017, o deficit seria de 7% em média. Um desastre.
Pode piorar já no ano que vem. A nota de crédito pode cair mais devido à possibilidade relevante ("33%") de que o deficit cresça mais, dada a inércia causada pelo tumulto político, ou ao risco de desordem econômica ainda maior do que a esperada agora, diz a S&P.
Sim, essas agências já foram negligentes, ineptas e mesmo cúmplices de desastres, como na crise de 2008. Sim, seguem o bonde de euforias dos mercados financeiros, dão alertas tardios, quando não apenas comparecem para matar os feridos depois da batalha. Mas, apesar de vexames e erros, tais empresas contam porque suas notas orientam, mesmo legalmente, muita decisão de investimento.
Desta vez, porém, para nosso vexame e miséria, até as agências de classificação de risco estão certas.