De todos os lados (editorial da FOLHA): Palocci, Gleisi, Paulo Bernardo...

Publicado em 27/08/2015 02:35
"Tomara que seja o fundo do poço", escreve VINICIUS TORRES FREIRE, na FOLHA (edição desta 5a.-feira)

De todos os lados (editorial da FOLHA)

Turbulências e iniciativas contraditórias conferem imprevisibilidade ao clima político; instituições, pelo menos, têm atuação sólida

Um antigo filme educativo americano procurava explicar o que ocorre durante uma reação nuclear. Numa sala fechada, dispunham-se centenas de ratoeiras, cada qual com duas bolas de pingue-pongue ajustadas a seu mecanismo.

O cientista arremessava uma bolinha na direção de algum ponto do sistema. As molas da primeira ratoeira se soltavam, disparando seus projéteis. Em poucos instantes, os entrechoques se generalizavam para todos os lados. Desencadeava-se o inferno, essa a ideia, da explosão de um núcleo atômico.

O noticiário político dos últimos dias segue o ritmo dessa simulação. O mero lapso de 24 horas não parece suficiente para abrigar todos os acontecimentos que, favoráveis ou adversos à sorte da presidente Dilma Rousseff (PT), se sucedem em saraivada vertiginosa.

Tinha-se, por exemplo, a decisão de parlamentares oposicionistas de refrear sua estratégia em prol do afastamento da petista.

A denúncia formulada pela Procuradoria-Geral da República contra Eduardo Cunha (PMDB-RJ) diminuiu seu poder para colocar em pauta o traumático processo. Seria difícil, concluíam os oposicionistas, abrir o pedido de impeachment sem que o presidente da Câmara dos Deputados o protagonizasse.

Estavam assim os entendimentos entre tucanos e democratas quando, no mesmo dia, veio do Tribunal Superior Eleitoral uma decisão que pode mudar o clima.

Formou-se maioria naquela corte a suspeitar que recursos desviados da Petrobras tenham financiado a campanha de Dilma. Dadas tais desconfianças, é de questionar se persiste a cautela oposicionista.

Novas iniciativas e turbulências, contudo, se sucedem. Renunciando ao papel de coordenador político do governo, o vice-presidente Michel Temer (PMDB) expôs as contradições entre a tenacidade do Ministério da Fazenda e os imperativos da negociação parlamentar.

O governo busca retomar a iniciativa: promete liberar R$ 500 milhões para emendas parlamentares; apresenta proposta de redução ministerial que havia rejeitado outras vezes. A tese do impeachment é criticada por figuras de proa no meio financeiro e empresarial.

O alento mal se percebe; eis que a Lava Jato agora incide sobre novos personagens importantes, não só do petismo, como Antonio Palocci, mas também do círculo dilmista: os ex-ministros Gleisi Hoffmann e Paulo Bernardo.

As ratoeiras –que não se leve a mal a comparação– encontram-se espalhadas por todos os lados. Se da violência da crise política o resultado é imprevisível, resta pelo menos a certeza de que o país conta com instituições sólidas e com experiência para superá-la.

 

VINICIUS TORRES FREIRE

Tomara que seja o fundo do poço

Crédito chega à estagnação quando renda, investimento e confiança estão no vermelho escuro

TODO o MUNDO deve estar estafado e farto de saber, se não sente na própria carne, que a economia vive o maior colapso em mais de 20 anos. Cada baciada de números horríveis, no entanto, suscita um sentimento ambivalente. Dados os indicadores e o ambiente sociopolítico tóxico, como a recessão não é ainda maior? Ou a recessão ainda vai se revelar maior? Amanhã, sai o resultado do PIB. Por ora, resta esperar com fé que isso que estamos vendo seja o fundo do poço.

O crescimento do total de dinheiro emprestado pelos bancos chegou praticamente a zero, soube-se nesta quinta (aumento de 0,3%, descontada a inflação, em relação a julho do ano passado). Nos bancos privados, o estoque de crédito cai desde março de 2014, encolhendo agora 4,4%. Na breve recessão de 2009, o crédito das instituições privadas chegou perto de estagnar, mas não ao vermelho. Essa baixa foi muito mais do que compensada pelo aumento do crédito dos bancos públicos (BNDES, Caixa, BB). Assim, o total de empréstimos continuou a crescer 10%, no pior momento daquele ano. Agora, acabou o dinheiro público.

Note-se de passagem que o governo gostou tanto do remédio que se viciou, estatizando parte adicional do crédito, na prática comprando fatias de mercado por meio do aumento da dívida pública, criando vários problemas grandes com uma cajadada só. Fez muito mais dívida pública e, a partir de 2010, inflacionou o país em um mundo à beira da deflação, o que entre outras coisas ajudou a piorar ainda mais a situação da indústria, já asfixiada pelo real forte ("dólar barato"). No final de 2010, os bancos públicos detinham 42% do total (estoque) de crédito; em julho de 2015, 55%.

A alta do crédito em 2009, enfim, compensou o colapso da renda do trabalho, que naquele ano foi menor que o da recessão de agora, de resto.

Decerto em geral é o investimento (ampliação de negócios e de construção) que acaba por comandar mergulhos e saltos do PIB. Mas os investimentos estão em colapso também, por motivos que vão bem além do desânimo econômico.

O sistema político travou, desmorona e não há por ora perspectiva de fim da agonia. Parte importante do investimento evaporou devido aos efeitos colaterais do inquérito do petrolão, além dos efeitos secundários da asfixia financeira da Petrobras. O ajuste fiscal feito inevitavelmente a machadadas, dado o desastre das contas de Dilma 1, deve talhar de 30% a 40% do investimento federal "em obras".

A crise externa renovada, rodada China, ajuda a manter no chão a confiança econômica, em baixa desde 2013.

No final de 2008, a taxa real de juros básica no mercado estava em pouco mais de 9% ao ano, um tanto mais alta do que agora (perto de 8%). Como a economia estava em certa ordem, pelo menos quanto ao arroz com feijão macroeconômico, os juros caíram para o patamar de 5% em seis meses. Desta vez é diferente. A taxa real de juros tende a subir até o início do ano que vem.

Não há crédito, renda, confiança, investimento privado e dinheiro para gastar no governo –ao contrário, não há, no momento, meios de conter o aumento do deficit. Há um alívio, ainda mínimo, na melhora das contas externas.

Talvez isso se chame o fundo do poço. Tomara.

CLÓVIS ROSSI

China, o dragão ferido, e o Brasil

A opacidade de ditaduras como a chinesa faz com que proliferem versões que vão do zen ao pesadelo

A melhor avaliação da turbulência global gerada pela China é do gestor de fundos Jim Chanos, conforme a Folha reproduziu:

"Ninguém tem a menor ideia do que está acontecendo".

É natural: toda ditadura se move em um ambiente de opacidade que dificulta uma avaliação correta da realidade.

Dessa impossibilidade, surgem avaliações que vão de um extremo, apocalíptico, ao oposto, uma reação zen. Exemplo desta última está no blogue "Desmistificando a finança", inserido no "Monde":

"O mundo não está na iminência de um colapso financeiro", tranquiliza Georges Ugeux, executivo-chefe de um banco internacional de negócios de Nova York.

O cenário apocalíptico aparece no boletim "Espresso", enviado por e-mail pela revista "The Economist".

A nota põe no jogo a mãe de todas as crises, a de 1929, e escreve:

"A melhor comparação [com a situação atual] talvez seja com o 'crash' de Wall Street em 1929. Naquela época, acreditava-se que o 'crash' desencadeara a Grande Depressão, mas pesquisas modernas sugerem que a queda dos preços das ações era um sintoma de profundos problemas na economia real, não a causa. É um espelho da pergunta que se faz hoje: quão ruim é o estado da economia real chinesa?"

Parece tão ruim que ameaça até o cargo do primeiro-ministro Li Keqiang, aquele que faz apenas três meses desfilava por Brasília prometendo um pote de ouro.

"A posição de Li certamente tornou-se mais precária como resultado da presente crise", diz ao "Financial Times" Willy Lam, especialista em China da Universidade Chinesa de Hong Kong.

Há quem ache tão ruim que se permite chutar um número de crescimento assombrosamente baixo (para os padrões chineses): Patrick Artus, da consultora Natixis, afirma que o crescimento chinês está perto de 2%, muito longe, portanto, dos 7% oficialmente previstos.

Artus cita dois elementos para justificar seu pessimismo: a forte desaceleração das exportações, que caíram 8,3% em julho, em termos anualizados, e uma demanda interna que demora para pegar no breu.

Como "ninguém tem a menor ideia do que está acontecendo", prefiro me basear em alguém de dentro, no caso Zheng Xinli, um dos arquitetos do programa de reformas da China.

Em recente debate promovido pelo centro de estudos norte-americano Council on Foreign Affairs, Xinli admitiu que, nos últimos quatro anos, "vimos uma desaceleração do crescimento econômico na China. Na primeira metade deste ano, o crescimento anual foi de 7%, mas esses quatro anos consecutivos de pressão para baixo levaram a um sentimento generalizado de desaceleração".

Xinli acrescenta um segundo fator negativo, a deflação: "Nosso índice de preços ao consumidor tem decrescido nos últimos 14 meses. Isso joga água fria no entusiasmo do investidor e leva a massacrantes previsões econômicas".

É uma óbvia má notícia para o mundo, já que a China representa hoje 15% da economia mundial. Para o Brasil, que já cambaleia, é pior ainda, uma vez que quase 20% de suas exportações vão para uma economia em desaceleração e, por isso, menos compradora.

 

Fora, Levy!

Por João Luiz Mauad, publicado no Instituto Liberal

Fonte: Folha de S. Paulo + VEJA

NOTÍCIAS RELACIONADAS

Milei, da Argentina, atua como substituto de Trump na cúpula do G20 no Rio
Dólar sobe ante real após escalada do conflito entre Rússia e Ucrânia
Taxas de juros a partir de 2026 caem enquanto mercado espera por pacote fiscal
Estamos prontos para apoiar a Argentina, diz chefe do FMI após reunião com Milei
Ações caem com investidores em busca de segurança em meio a preocupações geopolíticas
Distribuidores de aços planos vendem 3% mais em outubro, diz Inda
undefined