"Tomara que seja o fundo do poço", escreve VINICIUS TORRES FREIRE, na FOLHA (edição desta 5a.-feira)
De todos os lados (editorial da FOLHA)
Turbulências e iniciativas contraditórias conferem imprevisibilidade ao clima político; instituições, pelo menos, têm atuação sólida
Um antigo filme educativo americano procurava explicar o que ocorre durante uma reação nuclear. Numa sala fechada, dispunham-se centenas de ratoeiras, cada qual com duas bolas de pingue-pongue ajustadas a seu mecanismo.
O cientista arremessava uma bolinha na direção de algum ponto do sistema. As molas da primeira ratoeira se soltavam, disparando seus projéteis. Em poucos instantes, os entrechoques se generalizavam para todos os lados. Desencadeava-se o inferno, essa a ideia, da explosão de um núcleo atômico.
O noticiário político dos últimos dias segue o ritmo dessa simulação. O mero lapso de 24 horas não parece suficiente para abrigar todos os acontecimentos que, favoráveis ou adversos à sorte da presidente Dilma Rousseff (PT), se sucedem em saraivada vertiginosa.
Tinha-se, por exemplo, a decisão de parlamentares oposicionistas de refrear sua estratégia em prol do afastamento da petista.
A denúncia formulada pela Procuradoria-Geral da República contra Eduardo Cunha (PMDB-RJ) diminuiu seu poder para colocar em pauta o traumático processo. Seria difícil, concluíam os oposicionistas, abrir o pedido de impeachment sem que o presidente da Câmara dos Deputados o protagonizasse.
Estavam assim os entendimentos entre tucanos e democratas quando, no mesmo dia, veio do Tribunal Superior Eleitoral uma decisão que pode mudar o clima.
Formou-se maioria naquela corte a suspeitar que recursos desviados da Petrobras tenham financiado a campanha de Dilma. Dadas tais desconfianças, é de questionar se persiste a cautela oposicionista.
Novas iniciativas e turbulências, contudo, se sucedem. Renunciando ao papel de coordenador político do governo, o vice-presidente Michel Temer (PMDB) expôs as contradições entre a tenacidade do Ministério da Fazenda e os imperativos da negociação parlamentar.
O governo busca retomar a iniciativa: promete liberar R$ 500 milhões para emendas parlamentares; apresenta proposta de redução ministerial que havia rejeitado outras vezes. A tese do impeachment é criticada por figuras de proa no meio financeiro e empresarial.
O alento mal se percebe; eis que a Lava Jato agora incide sobre novos personagens importantes, não só do petismo, como Antonio Palocci, mas também do círculo dilmista: os ex-ministros Gleisi Hoffmann e Paulo Bernardo.
As ratoeiras –que não se leve a mal a comparação– encontram-se espalhadas por todos os lados. Se da violência da crise política o resultado é imprevisível, resta pelo menos a certeza de que o país conta com instituições sólidas e com experiência para superá-la.
VINICIUS TORRES FREIRE
Tomara que seja o fundo do poço
Crédito chega à estagnação quando renda, investimento e confiança estão no vermelho escuro
TODO o MUNDO deve estar estafado e farto de saber, se não sente na própria carne, que a economia vive o maior colapso em mais de 20 anos. Cada baciada de números horríveis, no entanto, suscita um sentimento ambivalente. Dados os indicadores e o ambiente sociopolítico tóxico, como a recessão não é ainda maior? Ou a recessão ainda vai se revelar maior? Amanhã, sai o resultado do PIB. Por ora, resta esperar com fé que isso que estamos vendo seja o fundo do poço.
O crescimento do total de dinheiro emprestado pelos bancos chegou praticamente a zero, soube-se nesta quinta (aumento de 0,3%, descontada a inflação, em relação a julho do ano passado). Nos bancos privados, o estoque de crédito cai desde março de 2014, encolhendo agora 4,4%. Na breve recessão de 2009, o crédito das instituições privadas chegou perto de estagnar, mas não ao vermelho. Essa baixa foi muito mais do que compensada pelo aumento do crédito dos bancos públicos (BNDES, Caixa, BB). Assim, o total de empréstimos continuou a crescer 10%, no pior momento daquele ano. Agora, acabou o dinheiro público.
Note-se de passagem que o governo gostou tanto do remédio que se viciou, estatizando parte adicional do crédito, na prática comprando fatias de mercado por meio do aumento da dívida pública, criando vários problemas grandes com uma cajadada só. Fez muito mais dívida pública e, a partir de 2010, inflacionou o país em um mundo à beira da deflação, o que entre outras coisas ajudou a piorar ainda mais a situação da indústria, já asfixiada pelo real forte ("dólar barato"). No final de 2010, os bancos públicos detinham 42% do total (estoque) de crédito; em julho de 2015, 55%.
A alta do crédito em 2009, enfim, compensou o colapso da renda do trabalho, que naquele ano foi menor que o da recessão de agora, de resto.
Decerto em geral é o investimento (ampliação de negócios e de construção) que acaba por comandar mergulhos e saltos do PIB. Mas os investimentos estão em colapso também, por motivos que vão bem além do desânimo econômico.
O sistema político travou, desmorona e não há por ora perspectiva de fim da agonia. Parte importante do investimento evaporou devido aos efeitos colaterais do inquérito do petrolão, além dos efeitos secundários da asfixia financeira da Petrobras. O ajuste fiscal feito inevitavelmente a machadadas, dado o desastre das contas de Dilma 1, deve talhar de 30% a 40% do investimento federal "em obras".
A crise externa renovada, rodada China, ajuda a manter no chão a confiança econômica, em baixa desde 2013.
No final de 2008, a taxa real de juros básica no mercado estava em pouco mais de 9% ao ano, um tanto mais alta do que agora (perto de 8%). Como a economia estava em certa ordem, pelo menos quanto ao arroz com feijão macroeconômico, os juros caíram para o patamar de 5% em seis meses. Desta vez é diferente. A taxa real de juros tende a subir até o início do ano que vem.
Não há crédito, renda, confiança, investimento privado e dinheiro para gastar no governo –ao contrário, não há, no momento, meios de conter o aumento do deficit. Há um alívio, ainda mínimo, na melhora das contas externas.
Talvez isso se chame o fundo do poço. Tomara.
CLÓVIS ROSSI
China, o dragão ferido, e o Brasil
A opacidade de ditaduras como a chinesa faz com que proliferem versões que vão do zen ao pesadelo
A melhor avaliação da turbulência global gerada pela China é do gestor de fundos Jim Chanos, conforme a Folha reproduziu:
"Ninguém tem a menor ideia do que está acontecendo".
É natural: toda ditadura se move em um ambiente de opacidade que dificulta uma avaliação correta da realidade.
Dessa impossibilidade, surgem avaliações que vão de um extremo, apocalíptico, ao oposto, uma reação zen. Exemplo desta última está no blogue "Desmistificando a finança", inserido no "Monde":
"O mundo não está na iminência de um colapso financeiro", tranquiliza Georges Ugeux, executivo-chefe de um banco internacional de negócios de Nova York.
O cenário apocalíptico aparece no boletim "Espresso", enviado por e-mail pela revista "The Economist".
A nota põe no jogo a mãe de todas as crises, a de 1929, e escreve:
"A melhor comparação [com a situação atual] talvez seja com o 'crash' de Wall Street em 1929. Naquela época, acreditava-se que o 'crash' desencadeara a Grande Depressão, mas pesquisas modernas sugerem que a queda dos preços das ações era um sintoma de profundos problemas na economia real, não a causa. É um espelho da pergunta que se faz hoje: quão ruim é o estado da economia real chinesa?"
Parece tão ruim que ameaça até o cargo do primeiro-ministro Li Keqiang, aquele que faz apenas três meses desfilava por Brasília prometendo um pote de ouro.
"A posição de Li certamente tornou-se mais precária como resultado da presente crise", diz ao "Financial Times" Willy Lam, especialista em China da Universidade Chinesa de Hong Kong.
Há quem ache tão ruim que se permite chutar um número de crescimento assombrosamente baixo (para os padrões chineses): Patrick Artus, da consultora Natixis, afirma que o crescimento chinês está perto de 2%, muito longe, portanto, dos 7% oficialmente previstos.
Artus cita dois elementos para justificar seu pessimismo: a forte desaceleração das exportações, que caíram 8,3% em julho, em termos anualizados, e uma demanda interna que demora para pegar no breu.
Como "ninguém tem a menor ideia do que está acontecendo", prefiro me basear em alguém de dentro, no caso Zheng Xinli, um dos arquitetos do programa de reformas da China.
Em recente debate promovido pelo centro de estudos norte-americano Council on Foreign Affairs, Xinli admitiu que, nos últimos quatro anos, "vimos uma desaceleração do crescimento econômico na China. Na primeira metade deste ano, o crescimento anual foi de 7%, mas esses quatro anos consecutivos de pressão para baixo levaram a um sentimento generalizado de desaceleração".
Xinli acrescenta um segundo fator negativo, a deflação: "Nosso índice de preços ao consumidor tem decrescido nos últimos 14 meses. Isso joga água fria no entusiasmo do investidor e leva a massacrantes previsões econômicas".
É uma óbvia má notícia para o mundo, já que a China representa hoje 15% da economia mundial. Para o Brasil, que já cambaleia, é pior ainda, uma vez que quase 20% de suas exportações vão para uma economia em desaceleração e, por isso, menos compradora.
Fora, Levy!
Por João Luiz Mauad, publicado no Instituto Liberal
Dia desses, um amigo perguntou se Joaquim Levy é liberal. Evidentemente que não, como já demonstrei algumas vezes. Embora tenha estudado numa universidade (Chicago) de viés liberal, o valente está muito longe de ter assimilado os princípios e teorias liberais.
Porém, além de não ser liberal, Levy tem demonstrado ser também um mau economista. Por que digo isso? Deixemos que o grande Bastiat responda:
Na esfera econômica, um ato, um hábito, uma instituição, uma lei não geram somente um efeito, mas uma série de efeitos. Dentre esses, só o primeiro é imediato. Manifesta-se simultaneamente com a sua causa. É visível. Os outros só aparecem depois e não são visíveis. Podemo-nos dar por felizes se conseguirmos prevê-los.
Entre um bom e um mau economista existe uma diferença: um se detém no efeito que se vê; o outro leva em conta tanto o efeito que se vê quanto aqueles que se devem prever.
E essa diferença é enorme, pois o que acontece quase sempre é que, quando a consequência imediata é favorável, as consequências posteriores são funestas e vice-versa. Daí se conclui que o mau economista, ao perseguir um pequeno benefício no presente, está gerando um grande mal no futuro. Já o verdadeiro bom economista, ao perseguir um grande benefício no futuro, corre o risco de provocar um pequeno mal no presente.
De resto, o mesmo acontece no campo da saúde e da moral. Frequentemente, quanto mais doce for o primeiro fruto de um hábito, tanto mais amargos serão os outros. Testemunham isso, por exemplo, o vício, a preguiça, a prodigalidade. Assim, quando um homem é atingido pelo efeito do que se vê e ainda não aprendeu a discernir os efeitos que não se veem, ele se entrega a hábitos maus, não somente por inclinação, mas por uma atitude deliberada.
Assim como o atual governo Dilma Rousseff só tem um projeto, que é tentar evitar o impeachment e esticar o mandato até o fim, Joaquim Levy é um homem obcecado por uma única meta (de curto prazo): manter a todo custo o famigerado grau de investimento do país, homologado pelas três mais importantes agências de risco: Moodys, Standard & Poors e Fitch. Para tanto, elas exigem que o governo equilibre suas contas e, de preferência, obtenha um pequeno superávit primário. Pelo visto, isso é tudo que o indigitado economista enxerga e se propõe a fazer, não importam as conseqüências futuras.
Ora, como reduzir os gastos do governo não é tarefa fácil – nem aqui nem em qualquer outro lugar do planeta -, já que a tendência inerente e natural de todo Estado é sempre agigantar-se, Levy escolheu o caminho mais fácil/cômodo e tem focado praticamente todas as suas energias na tentativa tresloucada de aumentar as receitas, ainda que num ano particularmente ruim, com uma recessão prevista na casa dos 2%.
Depois de ter obtido, no Congresso, a aprovação do projeto de reoneração da folha de pagamento, medida que afeta principalmente as empresas intensivas de mão de obra, justamente num período de aumento contínuo das taxas de desemprego, Levy pretende agora alterar as alíquotas e a forma de cobrança do PIS/COFINS.
Para enganar os incautos, o ministro alega que o projeto faz parte da política de simplificação tributária. Balela! A troca do sistema cumulativo, com alíquota de 3,65% sobre a receita bruta, para o não cumulativo, no qual se descontam certos insumos da base de cálculo (materiais e serviços de terceiros), porém com uma alíquota de 9,25%, além de onerar sobremaneira as empresas, também complica muito o cálculo e a burocracia necessários para o cumprimento daquela obrigação. Quem diz isso não sou apenas eu, mas gente que entende do riscado:
Segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), “ao mudar a alíquota do PIS/Cofins para 9,25%, a tributação no setor de serviços se tornará insuportável, podendo causar o fechamento de milhares de empresas e de postos de trabalho. “Adicionalmente, ao invés da propalada simplificação, o fim do regime de cumulatividade ampliará ainda mais a complexidade e os custos da asfixiante burocracia brasileira”.
Em resumo, para tentar alcançar um objetivo de curto prazo (a manutenção do Investment Grade), o mau economista Joaquim Levy está comprometendo de forma irreversível a saúde econômica de longo prazo do país, pois (como qualquer bom economista liberal saberia) aumentos da carga tributária dificilmente serão revertidos no futuro, o quê contribuirá para reduzir ainda mais a nossa taxa de poupança e, consequentemente, de investimento. Some-se a isso os nossos já baixíssimos níveis de competitividade e produtividade e um futuro sombrio se agiganta no horizonte.
Nota do blog: como devem ter percebido, a atividade foi quase nula hoje. É que estava de mudança (de casa). Quando chega a empresa de logística, qual não foi minha surpresa quando um dos funcionários, brasileiro, identifica-se como um leitor que já leu até meu livro?! Pois é, mais um que prefere ser “explorado” em Miami a ser “salvo” pelo governo petista. Tiramos até foto depois do dia cansativo de trabalho. Casa nova agora, mas os objetivos continuam os mesmos: lutar por um Brasil mais livre, o que começa por apear o PT do poder!
(por RODRIGO CONSTANTINO, de VEJA.COM)
Fonte:
Folha de S. Paulo + VEJA