Dólar cai 0,67% ante o real após decisão da Moody's. Dilma se fortalece
Por Bruno Federowski
SÃO PAULO (Reuters) - O dólar caiu frente ao real nesta quarta-feira, após a Moody's atribuir perspectiva "estável" à nota de crédito do Brasil, sinalizando que o país não deve perder sua classificação de bom pagador no curto prazo, mesmo após a agência de risco rebaixar o rating brasileiro para o último degrau antes do grau especulativo.
A moeda norte-americana fechou em queda de 0,67 por cento, a 3,4744 reais na venda, após recuar mais de 1 por cento, a 3,4460 reais, na mínima da sessão.
Após o fechamento dos mercados na sessão passada, a Moody's cortou o rating do Brasil para "Baa3", contra "Baa2", igualando-se à classificação dada pela Standard & Poor's. A S&P, no entanto, atribui perspectiva "negativa" à nota, o que havia corroborado as apostas de que a Moody's faria o mesmo ou poderia até mesmo rebaixar o país diretamente para o grau especulativo.
"Boa parte do mercado já esperava que a Moody's rebaixasse o Brasil, mas a maioria imaginava que a perspectiva seria 'negativa'", explicou o superintendente de câmbio da corretora TOV, Reginaldo Siaca.
Nos mercados internacionais, a moeda norte-americana revertia parte do avanço da véspera, que veio após a China surpreender os mercados ao desvalorizar sua moeda. O banco central chinês permitiu que o iuan enfraquecesse ainda mais nesta sessão, após a desvalorização promovida na terça-feira, em uma manobra que alimentou temores de uma guerra cambial mundial e acusações de que Pequim está concedendo vantagem desleal a seus exportadores, que vêm enfrentando dificuldades.
Nesta sessão, predominava a interpretação de que a alta do dólar pode servir de entrave à recuperação dos Estados Unidos, levando o Fed a pensar duas vezes antes de elevar os juros no mês que vem.
O Scotiabank ressaltou em nota a clientes "preocupações fundamentais sobre o momento e o tamanho da normalização da política monetária do Fed à luz dos riscos ao crescimento e à inflação globais".
As estratégias mais defensivas do mercado, diante do quadro de crise política e econômica no Brasil, contribuíram para que o dólar se afastasse das mínimas da sessão.
"Ainda tem muita notícia negativa acontecendo, então o mercado ainda fica apreensivo", disse o operador de câmbio da B&T Corretora de Câmbio Marcos Trabbold.
Os atritos entre o Legislativo e o Executivo têm injetado volatilidade nos mercados nas últimas semanas. Na véspera, a presidente Dilma Rousseff recebeu bem as propostas do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), para enfrentar a crise econômica, mas o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, reagiu e criticou a estratégia do governo de concentrar no Senado os esforços de reconstrução de sua base de apoio.
Nesta manhã, o BC vendeu a oferta total de até 11 mil contratos de swap cambial tradicional, que equivalem a venda futura de dólares, para a rolagem do lote que vence no início do próximo mês. Ao todo, o BC já rolou 3,304 bilhões de dólares, ou cerca de 33 por cento, do total de 10,027 bilhões de dólares e, se continuar neste ritmo, vai recolocar o todo o lote.
(Reportagem adicional de Flavia Bohone)
ANÁLISE da folha de s. paulo desta quarta-feira:
Colapso do poder presidencial produz a crise e torna desfecho imprevisível
Um presidencialismo forte, como o brasileiro, foi concebido para o presidente liderar. O truísmo parece detestável, mas pode ser útil para entender o que está acontecendo no Brasil.
Apenas o presidente da República detém a chave institucional para coordenar a agenda política do país. Trata-se de um pequeno czar, eleito a cada quatro anos, em relação a quem todos os outros atores se medem e em torno de quem todo o jogo se organiza.
Quando a liderança do presidente entra em colapso, como ocorre com Dilma Rousseff neste segundo mandato, o sistema inteiro se desestabiliza. Os arranjos para preencher o vácuo deixado são necessariamente improvisados e fugazes.
A incoesão lança no tabuleiro uma série de variáveis autônomas, cujo entrechoque produz compostos instáveis e, sobretudo, imprevisíveis.
Na semana passada, o vice-presidente Michel Temer, provavelmente num ato involuntário, cometeu o que nesse caso terá sido a imprudência de reclamar alguém para reunificar a nação. Constitucionalista e tarimbado na alta política, Temer sabe por essas duas vias que a liderança do presidente da República no Brasil é insubstituível.
Os seres ariscos em que se transformam os políticos quando o jogo está desorganizado entenderam a fala de Temer como uma iniciativa pessoal de poder. Emissários de Aécio Neves no PSDB correram a bloquear o avanço do vice: queremos antecipar a eleição; não aceitamos composição com Temer.
Um passo em falso, o de Temer, levou a uma disparada, a do time de Aécio, rumo ao precipício. E deixar Eduardo Cunha –feito um Godzilla ferido pela Lava Jato, metido em sabotagens alucinadas das finanças públicas– governando o país por 90 dias? Assim pensou muita gente ainda ajuizada no final da semana passada. Pela Constituição, é o presidente da Câmara quem assume o Palácio do Planalto interinamente, até haver novas eleições, no caso de o presidente e o vice-presidente da República serem cassados.
Um grupo de empresários influentes já ativara suas conexões políticas no intuito de acelerar a solução para as empreiteiras encalacradas na Lava Jato. Passava o recado de que é preciso salvar a parte operacional dessas gigantes, sob o risco de produzir-se um estrago ainda maior e mais duradouro na economia nacional.
A fome desmedida dos aecistas, ao avivar o temor das implicações prováveis de uma cassação da chapa Dilma-Temer, soou para esse movimento político-empresarial como um alerta vermelho. Enquanto isso, o cavalo de Renan Calheiros passava encilhado e já oportunamente montado pela presidente.
Tudo convergiu para um acordo que oferece novas perspectivas para a sustentação da presidente da República. O TCU adiou a votação das contas de 2014, afastando-a da data dos protestos contra Dilma. Até lá ministros das contas ligados a Renan e Temer poderão ser convencidos a não endossar a tese da rejeição. A reoneração da folha trabalhista, parte importante do ajuste fiscal do ano que vem, voltou a ter chances de ser aprovada logo e definitivamente no Senado.
Nessa cadeia amalucada de acontecimentos, um discurso esquisito de Temer, supostamente visando ao cenário pós-Dilma, acabou beneficiando, no final das contas, a própria Dilma.
Não é o final do jogo, entretanto, pois o fator que torna os arranjos labirínticos, efêmeros e instáveis –a derrocada do poder presidencial– continua a prevalecer. Têm maior probabilidade de lucrar aqueles que, como diz a gente do mercado, estiverem "comprados em volatilidade".
ANÁLISE da crise presidencial:
Dilma e Lula e o oportunismo com os sem-terra
Tem sido assim nos últimos dez anos. Sempre que o governo federal petista passa por alguma enrascada política ou eleitoral, o jeito é apelar aos amigos sem-terra. Foi assim no auge da crise do mensalão (2005), no segundo turno da reeleição de Lula (2006), na eleição de Dilma (2010), na reeleição da presidente (2014) e, agora, no petrolão.
Essa prática, porém, esconde uma enorme e cada vez mais clara distância entre eles, além de um jogo de oportunismo de ambos os lados.
PT e MST sempre foram aliados. Lula, por exemplo, discursou no primeiro congresso nacional dos sem-terra, em 1985. Depois, como candidato a presidente em 1989, 1994 e 1998, usava o tema da reforma agrária radical e na base da "canetada" como uma de suas bandeiras de campanha.
Mas a relação entre eles começou a esfriar em 2002, com a chegada do "Lulinha, paz e amor" à campanha eleitoral. Aquele Lula que babava pra falar de desapropriação de terra não existia mais. Surgia um Lula pragmático, montado pelos marqueteiros para vencer as eleições. Nesse cenário, não cabia mais um Stedile ao lado dele na TV.
A eleição de Lula, de qualquer forma, provocou uma euforia nos acampamentos. Milhares de sem-terra armaram seus barracos à espera de uma terra prometida que nunca veio. Apesar do avanço ao crédito para pequenos agricultores e dos repasses financeiros (hoje cada vez menores) às cooperativas e associações ligadas aos movimentos, o ritmo da reforma agrária na era Lula foi aquém do que o MST esperava e despencou sob Dilma.
Em meio a crises políticas, nem Lula nem Dilma quiseram comprar briga com a forte bancada ruralista no Congresso. Fazer reforma agrária, na prática, exige comprar briga com o PMDB, o que nunca valeu a pena para os petistas.
Nesse meio tempo, os movimentos sem-terra enfraqueceram. Foram engolidos por programa sociais e o avanço da economia, e os acampamentos e a pressão desapareceram do mapa. Quem ficaria anos debaixo de um barraco de lona preta, à beira de uma estrada ou na porta de uma fazenda invadida, se em casa já tinha o Bolsa Família e o pai e a mãe recebiam um salário mínimo com a aposentadoria rural?
O fato é que Lula passou seu mandato enrolando os sem-terra, e eles se conformando com cafezinhos no Palácio do Planalto. O MST não tinha a reforma agrária que queria, mas se contentava com a não-repressão do governo federal. Um símbolo dessa relação esquisita ocorreu em 2009, quando os sem-terra invadiram o Ministério da Fazenda e, para que saíssem de lá, exigiram o agendamento de uma reunião com ministros do governo Lula. Mas não são aliados?
O oportunismo vale de novo nesta semana. Dilma e Lula precisam de uma plateia aliada para subir sem vaias no palanque, e os sem-terra e os pequenos agricultores se apegam a qualquer coisa para buscar migalhas de políticas públicas no campo.