Na FOLHA: Para dilmistas, Lula quer se descolar da presidente

Publicado em 23/06/2015 09:02
na edição desta terça-feira na Folha de S. Paulo

Uma ala do governo Dilma Rousseff e também peemedebistas avaliam que o ex-presidente Lula, com suas últimas críticas direcionadas à petista, ensaia um descolamento de sua criatura para tentar sobreviver politicamente até 2018, data da próxima eleição presidencial.

Segundo assessores mais próximos à presidente, Lula já vinha insistindo na tecla de que Dilma não ouve seus conselhos e intensificou este discurso em reunião com religiosos na semana passada, quando elevou o tom das críticas à petista.

Ou seja, na avaliação de interlocutores dilmistas, Lula estaria passando a mensagem de que a responsabilidade pela atual crise política e econômica, que derrubou a popularidade da petista, é somente da presidente Dilma.

Esta ala do governo diz, porém, que se esta é realmente a estratégia de Lula, corre risco de naufragar. Um assessor lembra que o PT está numa situação pior do que o governo, que estariam unidos num processo de "corrosão".

Depois de dar razão aos tucanos nas críticas de que Dilma mentiu na campanha ao afirmar que não mexeria em direitos trabalhistas e não faria ajuste fiscal, Lula voltou à carga nesta segunda (22), criticando aliados petistas.

Segundo o ex-presidente, seus correligionários "só pensam em cargo, em emprego, em ser eleito".

Dilma ficou muito contrariada com as "observações ácidas" de Lula, que só alimentam, na avaliação de governistas, o cenário atual de crise política no país. Dentro do Palácio do Planalto, porém, a ordem é não rebater publicamente o ex-presidente e, de preferência, inclusive nos bastidores.

Dentro do governo, assessores reclamam ainda que a presidente tem buscado criar uma agenda positiva. Nesta segunda, por sinal, o ministro Joaquim Levy (Fazenda) almoçou com o senador Romero Jucá (PMDB-RR) para discutir medidas de "animação" da economia.

Sem pai nem mãe (na coluna Painel)

Aliados de Lula atribuem as críticas e reclamações do ex-presidente dirigidas a Dilma Rousseff como sinal de "indignação" com a tentativa do governo de se descolar das acusações de corrupção que resvalam no ex-presidente na Operação Lava Jato. Para os lulistas, o Planalto tenta restringir a responsabilidade pelos desvios ao governo anterior para evitar a contaminação. Interlocutores dizem que o ex-presidente está "órfão" e que sua sucessora não protege quem a colocou lá.

 

No volume morto

Enquanto Datafolha mostra recorde negativo de Dilma e perda de capital eleitoral de Lula, ex-presidente escancara críticas ao governo federal

A pesquisa Datafolha publicada no domingo (21) mostrou que o governo da presidente Dilma Rousseff é considerado ruim ou péssimo por 65% dos eleitores, um novo recorde negativo da petista que a deixa com uma taxa de reprovação melhor apenas que a de Fernando Collor de Mello às vésperas do impeachment, em 1992. E essa nem foi a pior notícia para o PT.

Mais que a impopularidade de Dilma, com sutis diferenças já captada nos levantamentos anteriores, o que chamou a atenção desta vez foi o desempenho do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em uma hipotética disputa pelo Planalto.

Se o pleito fosse hoje, o senador Aécio Neves (PSDB-MG) lideraria a corrida presidencial com 35% das preferências; Lula aparece em seguida, com 25%, à frente de Marina Silva (PSB), com 18%.

É a primeira vez que o petista figura em segundo lugar em uma pesquisa de intenção de voto desde a campanha da reeleição, em 2006.

Não há dúvida quanto à corrosão do capital eleitoral de Lula: no final de 2013, ele ostentava 56% das preferências; em meados de 2014, 44%. Vista dessa perspectiva, a dilapidação de seu patrimônio em 2005, ano do mensalão, já não parece tão acentuada, com uma queda (depois revertida) de 44% para 29% em 12 meses.

Tais números decerto ajudam a entender as, digamos, liberdades que o ex-presidente passou a se permitir nos últimos dias. Na semana passada, em encontro com um grupo de padres e dirigentes de entidades religiosas em seu instituto, criticou o governo Dilma como se a ele fizesse oposição.

Segundo o jornal "O Globo", Lula disse, por exemplo, que ninguém se recorda da última boa-nova que a gestão petista deu ao Brasil. As más notícias listadas pelo ex-presidente, porém, eram várias: da inflação ao aumento de tarifas controladas, passando por denúncias de corrupção e pelo descumprimento de promessas de campanha.

Como se a mensagem não tivesse sido clara o bastante, Lula voltou à carga nesta segunda (22). No seminário "Novos desafios da democracia", promovido por seu instituto, sustentou que o PT deveria passar por uma revolução, incorporando quadros jovens e ideias frescas.

"Eu, que sou uma figura proeminente do PT, tenho 69 [anos], estou cansado. Estou falando as mesmas coisas que falava em 1980", asseverou, não sem condenar um pragmatismo excessivo na sigla. "A gente só pensa em cargo, só pensa em emprego, só pensa em ser eleito, ninguém trabalha mais de graça."

A começar do próprio Lula, talvez seja o caso de acrescentar. Como o ex-presidente afirmou na última semana, ele sabe que está no "volume morto", ao lado de Dilma Rousseff e do PT. Sabe também, mas isso não disse, que a previsão do tempo não é favorável ao governo --e por isso mesmo terá escassas chances em 2018 se não começar a se distanciar de sua pupila.

BERNARDO MELLO FRANCO

Lula e os pés de barro

BRASÍLIA - Quando Marina Silva virou favorita na tumultuada campanha de 2014, Lula confidenciou a aliados que uma derrota do PT não seria tão ruim assim. "Ruim mesmo é a Dilma ganhar e não mudar", disse, segundo o relato de um petista.

Dilma ganhou, e as coisas mudaram para pior. Ela perdeu o controle da economia, viu sua base se esfarelar no Congresso e se tornou a presidente mais rejeitada desde Collor.

Na semana passada, Lula reclamou da sucessora e disse a religiosos que os dois chegaram ao "volume morto". Ele reconheceu que Dilma mentiu para se reeleger e agora está fazendo o oposto do que prometeu.

Nesta segunda, o ex-presidente estendeu as queixas ao PT. Afirmou que o partido "está velho", "só pensa em cargo" e sucumbiu ao "cansaço". Só faltou dizer que seria melhor ter perdido a eleição do ano passado.

Lula deixou o poder como o governante mais popular da história recente. Recebeu homenagens, manteve o discurso triunfalista e foi descrito como um "Pelé no banco de reservas". Seu retorno ao Planalto parecia ser questão de vontade. Bastaria estalar o dedo para voltar nos braços do povo, como Getúlio em 1950.

A guinada no discurso sugere que o ídolo se descobriu com pés de barro. O Datafolha confirmou que ele ainda é forte, mas deixou de ser imbatível. Se a eleição de 2018 fosse hoje, teria apenas 25% dos votos.

O ex-presidente fez o desabafo aos religiosos na quinta-feira, antes de a Lava Jato atingir os chefes da Odebrecht e da Andrade Gutierrez. Seria interessante vê-lo de volta ao confessionário no dia seguinte, depois da prisão dos amigos empreiteiros.

Em março, o ex-ministro Cid Gomes caiu por apontar "300 ou 400 achacadores" na Câmara. Nesta segunda, os repórteres Natuza Nery e Ranier Bragon mostraram como um grupo de 243 deputados ameaçou o governo para arrancar a liberação de emendas. Se Cid errou, foi na conta.

PT envelheceu, só quer cargos e precisa de revolução, diz Lula

Ex-presidente demonstrou cansaço durante evento e criticou governo da presidente Dilma

'Temos que definir se queremos salvar nossa pele, nossos cargos ou nosso projeto', diz petista em São Paulo

(CATIA SEABRA, BELA MEGALE, VALDO CRUZ E MARINA DIDE SÃO PAULO DE BRASÍLIA

Queixando-se de cansaço, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse nesta segunda (22), em São Paulo, que o PT "está velho", acusou petistas de só pensarem em cargos e defendeu uma "revolução" interna para recuperar a imagem do partido.

"Temos que definir se queremos salvar nossa pele, nossos cargos ou nosso projeto", discursou o ex-presidente, em evento ao lado do ex-primeiro-ministro espanhol Felipe González, do PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol).

Lula falou duas vezes em cansaço, referindo-se a ele e ao governo. "Eu, que sou uma figura proeminente do PT, tenho 69, estou cansado. Estou falando as mesmas coisas que falava em 1980", lamentou.

Para ele, o PT entrou "na roda gigante da política". "A gente só pensa em cargo, só pensa em emprego, só pensa em ser eleito, ninguém trabalha mais de graça."

Numa crítica sutil à presidente Dilma Rousseff, ele lembrou que promoveu em seu governo 74 conferências com movimentos sociais para discutir políticas públicas.

O ex-presidente também defendeu a necessidade de repensar a esquerda, o socialismo "e até o que fazer quando chegamos ao governo".

González foi palestrante da conferência "Novos desafios da democracia", promovida pelo Instituto Lula com as Fundações Friedrich Ebert e Perseu Abramo. A programação original não previa um discurso do ex-presidente.

Uma ala do governo Dilma e também peemedebistas avaliam que Lula, com suas últimas críticas à petista, ensaia um descolamento de sua criatura para tentar sobreviver politicamente até a eleição presidencial de 2018.

Para interlocutores dilmistas, Lula estaria passando a mensagem de que a responsabilidade pela crise política e econômica é só de Dilma --estratégia arriscada, já que, segundo esta ala do governo, o PT está numa situação pior.

REDES SOCIAIS

Na abertura da palestra de González, o presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto, disse que a democracia "está ainda mais complicada" com as redes sociais.

Okamotto foi convocado para explicar à CPI da Petrobras as doações de R$ 3 milhões feitas ao Instituto Lula pela empreiteira Camargo Corrêa, empresa suspeita de participação no esquema de corrupção na Petrobras.

Okamotto voltou a falar sobre as críticas que o instituto recebeu por recolher contribuições de outras empreiteiras sob investigação, como a Odebrecht e a Andrade Gutierrez, que patrocinaram viagens de Lula a países onde ele ajudou a defender os interesses das empresas.

"Não tivemos que fazer nada de especial para conseguir recursos", disse Okamotto.

AÉCIO

Nesta segunda (22), o presidente do PSDB, senador Aécio Neves (MG), disse que Lula e Dilma são "autores de uma obra conjunta". Ao comentar as recentes críticas do petista ao governo e ao PT, o tucano disse que o ex-presidente tem que "assumir" sua parcela de responsabilidade sobre a crise que atinge o país.

VINICIUS TORRES FREIRE

Governo péssimo, propaganda ruim

Inflação e pindaíba do governo indicam piora do arrocho, mas Planalto se ocupa de dourar a pílula

A REAÇÃO dos líderes políticos de Dilma Rousseff à notícia do Datafolha de que o governo é detestado por dois terços dos eleitores mostra o quanto essas pessoas estão desnorteadas. Estão sendo tomadas "medidas para reverter a situação", dizem: financiamento da agricultura (Plano Safra), concessões de infraestrutura, Minha Casa Minha Vida 3 e, agora, um "grande plano" de reforma agrária.

Parece alguém a dizer "sim, a casa está pegando fogo, mas vamos instalar uma torneira e colocar uns móveis novos no incêndio". Não cola nem como propaganda.

Compare-se essa conversa com a discussão econômica mais básica do momento: 1) A inflação e o arrocho de juros; 2) O fracasso parcial do reequilíbrio das contas do governo e a situação fiscal sombria dos próximos dois anos.

A "agenda positiva" do governo, para empregar essa expressão sebosa, não faz coceira nesses problemas. Está claro que o governo precisa ter planos além de arrochos, sem o que, aliás, nem os arrochos vão prestar. Mas reforma agrária, seja lá o que ainda for isso, e casa popular não têm nada a ver com tal programa econômico maior. De resto, nem vai haver dinheiro para tanto. Enfim, se o governo conseguir dar sentido prático à parte razoável do plano de concessões, seu efeito começará lá pela metade de 2016.

Pelas estimativas atuais, a regressão econômica que começou em 2014 vai além de 2016 (haverá redução do PIB, da renda ou produção média por cabeça). Se tudo der certo, zeram-se as perdas ao final de 2017. Ou seja, em 2018, teremos voltado a 2013, correndo o risco de estagnação crônica. Esse é o tamanho do problema, não a agenda de relações públicas da presidente.

Voltando à vaca fria no brejo de agora, considere-se a inflação.

A estimativa de inflação para este 2015 aumenta desde o início do ano: foi de 6,6% para 9%. A inflação prevista para 2016 continua no entanto mais ou menos na mesma desde janeiro. Era então de 5,7% e está em 5,5% desde o início de maio.

Portanto, a máquina de cuspir números dos economistas e suas calibragens arbitrárias diz pelo menos que a barriga de inflação deste ano será queimada na esteira do aumento de juros e pela recessão musculosa. Ou seja, o aumento de 2,4 pontos na expectativa de inflação para 2015 não será repassado para a inflação de 2016 graças a arrochos e crenças menos degradadas sobre o futuro.

Mas tudo isso quer dizer também que haverá ainda arrocho e recessão maiores ou duradouros para levar a inflação à meta. Muito mais arrocho para chegar à meta em 2016 (plano do BC); arrocho ainda para fazê-lo em 2017.

Quanto ao plano modesto de reequilibrar as contas do governo, ele faz água, pois a receita não sobe e Dilma 1 deixou despesas horríveis. Isso quer dizer que o arrocho de gastos e a derrama de impostos ainda vão longe.

Esses consertos rudimentares seriam facilitados se houvesse medidas extremas e imediatas (alta forte de impostos, privatizações, desvalorização extra do real) e um plano maior e de prazo mais longo (revisão duradoura de gastos, metas menores de inflação, mudanças institucionais em vários mercados). Em suma, o que os governos do PT, Dilma 1 em particular, não fizeram ou prejudicaram nos últimos sete anos, por aí.

 

Fonte: Folha de S. Paulo

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