Na FOLHA: Feito o plano de ajuste, governo terá de criar projeto contra o desânimo
VINICIUS TORRES FREIRE
O resto do ano de mais recessão
Feito o plano de ajuste, governo terá de se reajustar a perdas de receita e criar projeto contra o desânimo
FAZ QUASE MEIO ANO, a conversa sobre a política econômica resume-se quase apenas ao dito e maldito ajuste, na verdade quase apenas aos planos de cortes de despesas e aumentos de receita. O que será do resto de 2015?
Em parte, os economistas de Dilma 2 vão remendar o plano de ajuste fiscal, que já nasceu um tanto puído e vai rasgar aqui e ali. De outra parte, terão de inventar uma conversa nova e crível sobre mudanças mais profundas, de balançar as estruturas, pois viver da mão para a boca até 2017, 2018, não vai dar.
O plano para as contas do governo federal nasce um pouco puído porque estima receitas de modo que parece exagerado, um aumento real de uns 5% (receita líquida), e prevê redução de gasto da ordem de 1% (em relação a 2014).
A redução do gasto até abril está quase perto do previsto, grosso modo. A receita cai quase 3%. O pacote de aumento de impostos e recuperação de dinheiros perdidos em desonerações deve pelo menos zerar essas perdas. O resto do aumento de receita é mistério.
Não dá para dizer que o ajuste vai para o buraco, com base nessas contas, imprecisas desde o início porque os números são inevitavelmente vagos, porque não sabemos do crescimento da economia e dos efeitos da inflação na receita de impostos, entre outras muitas mumunhas.
Mas é fácil apostar em uma revisão dos gastos federais, o governo já colocou na prancheta o estudo de aumento de mais impostos e, claro, ao fim e ao cabo pode ajustar o ajuste à base de mais machadadas brutas no investimento.
RECESSÃO DE 2%
Na praça do mercado, começa outra rodada de revisão para baixo do crescimento da economia. Logo, se por mais não fosse, já vai ser preciso refazer as contas da arrecadação.
Na mediana das estimativas recolhidas pelo Banco Central, a recessão anda pela casa de 1,2%. Entre gente que dá bons chutes informados, que tem dados melhores sobre a economia real e é ponderada, a recessão estimada já descera ao patamar de 1,5%. Agora, as previsões começam a se mover na direção de queda de 2% do PIB, um horror.
Até agora, os economistas de Dilma 2 pouco mais puderam fazer do que negociar o pacote de arrocho, em especial no Congresso, e elaborar um plano de concessões de infraestrutura que deve ser importante, mas passa a ser implementado apenas no ano que vem. Devem ter tempo para algo mais, no restante do ano, entre um talho adicional no investimento e uma notícia de outro aumento de imposto.
Joaquim Levy, ministro da Fazenda, assumiu com a promessa ou planos de reforma: racionalizar impostos, tal como o demencial ICMS, dar cabo de mais subsídios, expor a economia a mais concorrência externa, dar alguma mexida no mercado de capitais.
Desde que apresentou esses planos, o ministro não fez muito mais do que contas e passar o chapéu no Congresso. Não explicitou seu plano de reformas. De fora, por enquanto, não se sabe se conversou com a presidente, a sério e em detalhes, a respeito de mudanças mais profundas, sempre um problema em se tratando de Dilma Rousseff.
Mas os economistas de Dilma 2 terão de tirar coelhos dessa cartola, pois o único rumo da economia por ora é o da recessão e o do desânimo, que ainda cresce.
ANÁLISE AJUSTE FISCAL
Esforço de Levy é premiado, mas futuro é nebuloso
Pacote evita colapso imediato da credibilidade do governo, porém ofensiva não traz soluções para o longo prazo
GUSTAVO PATUDE BRASÍLIA
O ceticismo quanto ao cumprimento das metas de ajuste fiscal fixadas pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy é generalizado, mas isso não significa, de imedi- ato, um abalo no mercado financeiro.
Para investidores e credores da dívida pública, basta, por enquanto, que o governo Dilma Rousseff demonstre empenho em reverter as políticas de escalada de gastos e bondades tributárias do primeiro mandato.
Trata-se de uma espécie de prêmio pelo esforço, ainda que os resultados não sejam brilhantes.
O Tesouro Nacional dificilmente conseguirá poupar o montante prometido para o pagamento de juros, mas ao menos não repetirá o deficit do ano passado.
A relativa calmaria nas cotações do dólar e nos índices da Bolsa é ajudada pelos juros do Banco Central, elevados a 13,25% anuais, ou 6,7% acima da inflação esperada --uma rentabilidade inusitada em uma era de taxas baixas no mundo.
O pacote de medidas enviadas ao Congresso --elevando tributos, dificultando acesso a direitos trabalhistas e previdenciários-- funcionou, mesmo desfigurado pelos partidos ditos aliados, como uma evidência da nova orientação de Dilma e do protagonismo de Levy nas decisões econômicas.
TRAJETÓRIA
Mas, se evitou um colapso da credibilidade do governo e do país no curto prazo, a ofensiva fiscal do ministro ainda está longe de apontar para uma melhora consistente a longo prazo.
Obter saldos nas contas do Tesouro não é um fim em si mesmo. O papel dos superavit é deter o aumento da dívida pública, controlar a inflação e, com a volta da confiança na política econômica, permitir a queda dos juros e a retomada dos investimentos privados.
Essa trajetória permanece nebulosa. A maior parte dos analistas não acredita no cumprimento das metas fiscais neste ano e no próximo --e, pior, calculam que, mesmo atingidas, elas não serão suficientes para conter a alta do endividamento, dado o atual patamar dos juros.
FRAGILIDADE POLÍTICA
A tramitação legislativa das medidas de ajuste expôs a fragilidade política de Dilma, resultante da contradição incontornável entre a necessidade de remediar os danos herdados do primeiro mandato e a retórica da campanha reeleitoral, que renegava qualquer hipótese de mudança de rumos.
Por oportunismo ou convicção, os principais partidos de situação e oposição mostraram que não vão permitir mais do que remendos emergenciais nas contas do governo. A Levy resta a guerrilha fiscal de cortar investimentos e elevar os tributos de baixa receita que podem ser alterados por decreto.
Ficará para o próximo governo, na melhor das hipóteses, um debate racional sobre a sustentabilidade das políticas sociais e a recuperação do crescimento econômico.
MONICA BAUMGARTEN DE BOLLE
Há um pessimismo exagerado no país?
O Brasil está fazendo um ajuste doloroso porque acumulou desequilíbrios severos
Eu não li o livro de Mariana Mazzucato, autora de "Estado Empreendedor "" Desmascarando o Mito do Setor Público vs. Privado". Contudo, li sua entrevista concedida ao "Valor Econômico", em que afirma haver pessimismo exagerado no Brasil.
A entrevista veio acompanhada da notícia de que a professora da Universidade de Sussex se reuniu nos últimos dias com a presidente Dilma e sete de seus ministros. Parece que ela tem "bom trânsito no Ministério da Ciência e Tecnologia e no BNDES", além de estar sendo "cotada para ser consultora do governo na área de inovação".
De acordo com a entrevista ao "Valor", Mariana Mazzucato está afinada com os signatários do novo manifesto de economistas heterodoxos --mais um-- contra as políticas econômicas do governo.
A pesquisadora afirma que políticas contracionistas não funcionam e pediu ao entrevistador que lhe dissesse um país onde elas haviam funcionado. Não é papel do repórter lembrar à entrevistada que, naquele exato momento, ela pisava em solo onde as políticas de ajuste haviam não apenas funcionado mas pavimentado o sucesso dos "anos Lula" por ela elogiados, o período de extraordinária bonança externa em que o respaldo à solidez macroeconômica foi mantido.
O Plano Real, a Lei de Responsabilidade Fiscal, o regime de metas de inflação, o câmbio flutuante, tudo aquilo que sabemos ter trazido enormes benefícios para o país nos últimos anos. Tudo que foi desarranjado no primeiro mandato de Dilma Rousseff e que a presidente agora tenta reconstruir com seu ministro exilado. Exílio, pois Levy é o general em labirinto unicamente brasileiro.
A entrevista está repleta de elogios ao BNDES, ao papel do banco de fomento na condução da inovação e da produtividade. Os leitores que acompanham essa coluna sabem que já falei de ambos: do BNDES e da falta de produtividade. Aliás, sabem também que já relacionei o BNDES à falta de produtividade no Brasil.
O canal é simples e bastante relevante, como revela pesquisa empírica recente que hei de publicar em breve: a presença maciça do BNDES no mercado de crédito brasileiro com suas linhas subsidiadas pressiona as taxas de juros reais, o custo do capital.
O custo mais elevado do capital desincentiva a formação bruta de capital fixo, o investimento. Sem investimento, como a própria autora do "Estado Empreendedor" reconhece, não há ganho de produtividade. Portanto, o "Estado Empreendedor", se é que a ideia faz algum sentido, tem limites muito claros, assim como tem a atuação dos mercados na ausência de mecanismos adequados de regulação.
O Brasil está fazendo um ajuste doloroso porque acumulou desequilíbrios severos. O Brasil está comendo o pão que (complete com o nome que desejar) amassou porque passou muito tempo acreditando que todos os antigos problemas estruturais haviam sido resolvidos com o maná das commodities.
Agora, precisa arrumar as contas públicas, reduzir o papel do Estado, que pesa como chumbo sobre o investimento das empresas --será que a autora conhece o tamanho de nossa carga tributária?--, e encontrar alguma fórmula para resgatar a produtividade. Tal fórmula certamente não passa pelo empreendedorismo que semeou BNDES e protecionismo e colheu juros, inflação e desemprego.