Na FOLHA: Mercado teme volta de política econômica do primeiro governo Dilma

Publicado em 27/05/2015 05:39
por VALDO CRUZ e NATUZA NERY, da Folha em BRASÍLIA. (Leia mais na edição desta 4.a-feira)

Ao manifestar sua insatisfação sobre os cortes no Orçamento, o ministro Joaquim Levy (Fazenda) explicitou uma divisão no governo que levanta dúvidas no mercado sobre a disposição da presidente Dilma Rousseff em manter o roteiro no rearranjo da condução da economia.

Quando justificou a interlocutores o convite a um economista ortodoxo para comandar a economia, Dilma disse à época que seu objetivo era organizar seu segundo mandato em duas fases.

  Pedro Ladeira/Folhapress  
A presidente Dilma Rousseff e os ministros Joaquim Levy (Fazenda) e Nelson Barbosa (Planejamento)

Dois primeiros anos de ajuste, ao estilo Levy, e os dois últimos de desenvolvimento, na linha defendida pelo economista Nelson Barbosa (Planejamento).

Agora, o receio de analistas e o desejo de petistas, que desencadearam uma temporada de pressões contra a política econômica, é que Dilma encurte o período de ajustes recessivos na economia e opte por iniciar uma flexibilização já no segundo semestre.

Levy, que desde sexta (22), data do anúncio do corte de R$ 69,9 bilhões, só falou por telefone com Barbosa, disse a interlocutores que segue com aval de Dilma.

Já o ministro do Planejamento, que defendia um corte abaixo dos R$ 70 bilhões, tem dito que não vai estimular disputas. Conhecidos de ambos contemporizam, dizendo que eles até brincaram sobre o tom dado pelo noticiário sobre a relação.

Os dois, contudo, encarnam estilos distintos na visão de colegas e aliados. Levy ganhou um carimbo que o incomoda, de tocar uma política de uma nota só, a do ajuste.

A interlocutores diz ter propostas para a segunda fase da economia, mais orientada para o investimento, mas diz que o país não chegará a ela se não fizer o dever de casa. Ele é criticado por não mostrar a "porta de saída" para a crise.

DESENVOLVIMENTISTA

Barbosa, egresso do primeiro mandato de Dilma, é visto como um aliado das políticas desenvolvimentistas mais ao feitio petista.

Não por outro motivo, Levy confidenciou a interlocutores não gostar do discurso de que o país começará a se recuperar no início do segundo semestre, mensagem dada por Barbosa na sexta.

No campo petista, está também o chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante –que, apesar de declarar apoio a Levy, não compartilha de suas convicções.

Apesar das nuances no debate sobre o ajuste, Dilma não dá sinais de que pretende abreviar a gestão Levy na Fazenda, embora Barbosa conte com o entusiasmo do ex-presidente Lula para assumir o comando da economia.

Mas mesmo uma saída de Levy não é garantia de que isso ocorra, segundo assessores presidenciais.

Levy está isolado. Além de Dilma, só conta com o apoio do presidente do BC, Alexandre Tombini. Nesta terça (26), o colega fez críticas duras à política econômica dos dois últimos anos (leia ao lado).

Se aprovado o ajuste, Levy crê que terá mais tranquilidade para tocar sua estratégia de consolidar a recuperação da credibilidade do governo.

O desafio é grande. A economia tende a desacelerar ainda mais no segundo trimestre, reduzindo a arrecadação e dificultando o cumprimento da meta de superavit de 1,1% do PIB em 2015.

Essa dificuldade, reconhecida por assessores de Levy, deve gerar o próximo embate encarnado nos titulares da Fazenda e do Planejamento.

No Congresso, PT e PMDB ensaiam aprovar uma emenda à LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2016 propondo reduzir a meta de superavit deste ano de 1,1% para 0,8%, ideia que tem a simpatia de setores do governo.

Levy não quer nem ouvir falar disso. Considera ser uma arma de quem deseja reduzir os cortes no Orçamento.

 

Um aperitivo da recaída na crise feia, por Vinicius Torres Freire

Em abril, o ar ficara menos empesteado no país. Alguns bodes da crise tinham saído da sala. Neste maio, eles voltaram. O Congresso abriu as portas para os bichos; possuído pelo fantasma de Dilma 1, o PT lhes dá capim.

Alguns cabritos foram importados, à revelia: a especulação com a alta de juros nos EUA e problemas na Europa, entre outros insondáveis, ajudaram a piorar o clima na finança por aqui. Uma evidência mais "pop" da piora é o alta do preço do dólar, mas a coisa não para por aí.

O conjunto da obra parece um aperitivo do que seria uma recaída feia na crise. Isto é, governo e Congresso relaxariam na tentativa de colocar ordem mínima nas contas do governo, o fantasma de Dilma 1 reencarnaria em outras políticas econômicas e haveria uma alta tumultuada dos juros americanos.

Nada podemos fazer quanto à alta das taxas de juros americanas, que pode ocorrer até o fim do ano. Nada a não ser tomarmos a vacina disponível, que é colocar alguma ordem na ruína deixada por Dilma 1. No entanto, os donos circunstanciais do poder fazem a farra do bode.

Parte do Palácio do Planalto e parte do PT tentam fritar de leve Joaquim Levy, ministro da Fazenda e exorcista precário dos fantasmas e aparições de Dilma 1.

Por convicção, desespero político-eleitoral ou mera irresponsabilidade, parte do governo e do petismo se aproveitou do clima de abril, do ilusório "o pior já passou", para jogar água e cal nos planos de arrocho e ajuste de Levy.

A presidente de certo modo tolera o movimento, até porque no fundo o ajuste seria mera pausa, de resto parcial, no seu programa de desenvolvimento econômico, este que vai jogar o país na pior recessão em quase um quarto de século, com sequelas duradouras.

Apesar do desmanche de quase todos os seus programas para a economia, Dilma Rousseff jamais fez mea-culpa, penitência nem promessa de correção. Acredita, segundo próximos, que depois de um ou dois anos, poderia voltar à política pau na máquina do primeiro governo.

A falta de convicção e de programa articulado de reforma da economia dá ainda mais margem à baderna no que resta da coalizão do governo e no próprio PT no Congresso, para nem falar fora dele. Como se já não bastassem políticos, no PMDB e alhures, comprometidos a levar o governo do país no cabresto, para onde querem, mas sem responsabilidade pelos seus atos.

Os ministros da economia de Dilma 2 hoje diziam agrados contemporizadores uns sobre os outros, ao menos para inglês ver, nas internas do governo. Mas a intriga que começou, de público, na sexta-feira, continuava a fazer péssima impressão.

Ontem, em depoimento ao Congresso, Alexandre Tombini deu uma mãozinha a Levy, ao criticar as políticas de Dilma 1 que detonaram os cofres do governo, os "fundamentos econômicos" e não deram em crescimento. O presidente do Banco Central, por ora, parece de público o único grande aliado do ministro da Fazenda. Mesmo parte do empresariado, industrial em particular, frita Levy.

A recessão ainda vai piorar. Impostos ainda vão subir ou pesar no bolso. O emprego míngua rápido. Motivos de tensão não vão faltar. Se o governo deixar a peteca cair, recaímos na crise do início do ano.

'O que Levy quer agora, nosso pescoço?'

Questionado no México sobre a situação do ministro Joaquim Levy no governo, o presidente da CNI (Confederação Nacional da Indústria), Robson Andrade, respondeu, em referência ao bloqueio no Orçamento: "Ele já teve R$ 70 bi de corte, o que ele quer mais? Quer nosso pescoço agora?".

Para Tombini, Dilma 1 destruiu 'colchão fiscal'

DE BRASÍLIA

O presidente do BC, Alexandre Tombini, afirmou nesta terça (26) que a política econômica do governo Dilma não produziu crescimento econômico nos últimos dois anos e acabou por gerar perdas de receitas que precisam agora ser recuperadas.

"As mesmas políticas que funcionaram em 2008, os mesmos estímulos, não produziram crescimento nos últimos dois anos. Mas acabaram por, digamos assim, afetar os fundamentos econômicos, em particular, os colchões de proteção que tínhamos na área fiscal", disse Tombini durante audiência pública na Câmara.

"O que se está se fazendo agora é restabelecer esses fluxos fiscais. Ajustar perdas de receita em decorrência de ajustes de política fiscal do passado."

As declarações foram consideradas pouco usuais. Embora a diretoria do BC já tenha expressado incômodo com a política fiscal frouxa do primeiro mandato da presidente Dilma, Tombini não havia feito até então crítica explícita sobre o tema.

 

ALEXANDRE SCHWARTSMAN

O pato do ajuste fiscal

Ao observarmos por entre os jogos de luz e sombra do ajuste fiscal, descobrimos que os otários somos nós

Na sexta passada, o governo federal anunciou corte de R$ 70 bilhões em suas despesas, sugerindo à primeira vista que, ao contrário do habitual, desta vez seria o setor público quem mais sofreria com a proposta do ajuste fiscal.

No entanto, como quero mostrar, o "ajuste", de novo, se fará à custa do contribuinte, sem redução de gastos. Trata-se, na verdade, de um truque recorrente, e não posso esconder a frustração que me causa a aceitação pouco crítica dessa mágica orçamentária.

Antes de revelar o truque, porém, precisamos saber de onde vem esse número de R$ 70 bilhões e, para isso, peço um tanto de paciência (e mais quatro parágrafos) dos 18 fiéis.

De acordo com a proposta orçamentária aprovada pelo Congresso Nacional, o governo federal esperava obter receitas totais de R$ 1,447 trilhão, do qual R$ 224 bilhões seriam repassados a Estados e mu- nicípios. As receitas líquidas de transferências atingiram, portanto, R$ 1,223 trilhão.

A despesa orçada para 2015, por sua vez, ficaria em R$ 1,168 trilhão, do qual R$ 856 bilhões de gastos obrigatórios (pessoal, aposentadorias, vinculações etc.) e R$ 312 bilhões de gastos discricionários. Com isso, o resultado do governo federal atingiria R$ 55 bilhões (0,9% do PIB).

O mau desempenho da arrecadação, contudo, fez o governo rever sua projeção de receitas para R$ 1,371 trilhão, R$ 76 bilhões a menos do que previa. A arrecadação mais baixa que a esperada também significa menos transferências a Estados e municípios, de modo que a perda de receita líquida foi um pouco menor: R$ 65 bilhões.

Assim, para manter o resultado em R$ 55 bilhões, o governo fede- ral precisaria também reduzir seus gastos em R$ 65 bilhões. Como, porém, as despesas obrigatórias foram revistas para cima (R$ 860 bilhões, R$ 5 bilhões a mais), a redução das despesas discricionárias, sobre as quais tem controle, ficou em R$ 70 bilhões, o número do primeiro parágrafo. Assim, o dispêndio federal cairia a R$ 1,103 trilhão, ou 18,9% do PIB.

Parece um esforço extraordinário, até que alguém se pergunte quanto foi gasto no ano passado. O número, disponível no sítio do Tesouro Nacional, revela que o governo federal gastou R$ 1,028 trilhão em 2014 (18,6% do PIB).

Em outras palavras, mesmo que sejam cumpridas todas as promessas de "corte" de gastos anunciadas na sexta-feira, as despesas federais aumentariam em R$ 75 bilhões entre 2014 e 2015, ou, se preferirem, de 18,6% para 18,9% do PIB. Curioso corte que implica, de fato, elevação do gasto.

Já a receita federal subiria de R$ 1,221 trilhão (22,1% do PIB) no ano passado para R$ 1,372 trilhão (23,5% do PIB) neste ano. Em português, um alívio depois de tantos números, o ajuste fiscal se faz mais uma vez nas costas do contribuinte, chamado a cacifar R$ 151 bilhões (1,4% do PIB) a mais do que pagou no ano passado.

É mais um aumento de carga tributária, tornando o sistema ainda mais pesado e complexo, com consequências negativas óbvias para nossa capacidade de crescimento de longo prazo. E há ainda quem não entenda o motivo de nosso desempenho medíocre.

Quando o jogador de pôquer não consegue identificar o otário à mesa, o pato é ele. Ao observarmos por entre os jogos de luz e sombra do ajuste fiscal, descobrimos que os patos somos nós.

@alexschwartsman

aschwartsman@gmail.com

 

Dilema existencial (editorial)

Deputados e senadores do PT oscilam entre a satisfação que devem a seus eleitores e o compromisso com a retomada econômica do país

Aos poucos, cada vez mais integrantes do PT, da base aliada do governo Dilma Rousseff (PT) e do próprio Planalto parecem perceber a real dimensão dos problemas econômicos atuais.

Dão-se conta de que não bastarão alguns poucos meses de austeridade para que o país reconquiste a confiança de empresários, investidores e consumidores e retome o rumo do crescimento.

A recessão de fato se aprofunda, e medidas como as que alteram benefícios trabalhistas e previdenciários, embora necessárias para o reequilíbrio das contas públicas, são impopulares no curto prazo.

Constadas as grandes dificuldades pela frente, surgem as fissuras. Enquanto uns começam a criticar o ajuste, outros enxergam sua importância para que o país possa voltar a se desenvolver num período de tempo o mais breve possível.

A gravidade dos problemas deriva de dois erros principais. O primeiro diz respeito à gestão econômica equivocada durante o primeiro mandato de Dilma, que fragilizou o Orçamento, fez colapsar a confiança e paralisou a economia.

No ano passado, a irresponsabilidade superou até os largos limites do petismo. Na luta pela reeleição, destruíram-se as contas públicas e mascararam-se os rombos; em campanha, Dilma prometeu não fazer o que seria imperativo.

Daí vem o segundo erro. A petista se reelegeu acreditando que poderia repetir o truque de 2003, quando Lula adotou política econômica ortodoxa e povoou os ministérios com figuras de proa.

O momento era outro. Lula comprometera-se a não romper contratos e tinha legitimidade inconteste. Além disso, o país começava a se beneficiar da maior alta dos preços de matérias-primas em décadas.

Hoje, tudo é diferente. Depois do mensalão, do escândalo na Petrobras e do inegável estelionato eleitoral, o desgaste interno é grande, e a bonança externa, pequena.

Daí o ruído em torno do ajuste --por erro de diagnóstico ou por qualquer outro motivo, petistas talvez não tenham visto que seria impossível promover uma arrumação econômica fácil e indolor para sua base de apoio.

Lula dá vazão a rumores de que gostaria de substituir o ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Membros do partido, como o senador Lindbergh Farias (RJ), atacam o ministro e defendem reforçar a aposta no expansionismo de gastos.

Esquecem que algumas das medidas polêmicas foram gestadas por Guido Mantega. Ademais, atribuir a recessão atual ao ajuste é falso --se gastos sempre maiores levassem ao crescimento, o PIB não teria estagnado nos últimos anos.

De dilema em dilema, talvez próceres do PT percebam que retomar a irresponsabilidade orçamentária adiará a retomada econômica, o que aniquilaria as chances do partido em 2018 --ao menos nesse caso o pragmatismo eleitoral produziria efeitos benéficos para o país.

 

COLUNA PAINEL (por VERA MAGALHÃES painel@uol.com.br):

Adeus 1 Apesar do compromisso de aprovarem o ajuste fiscal, senadores do PT já preparam desembarque em massa do projeto de Joaquim Levy (Fazenda) assim que os projetos passarem.

Adeus 2 Em reunião nesta terça-feira, petistas destacaram que o ministro "exerce um papel muito específico, mas não deve ser uma peça definitiva dessa gestão".

Canteiros... Reunião da CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção) nesta terça-feira em Brasília reuniu 114 empresários responsáveis pelas obras do Minha Casa Minha Vida para discutir os cortes do Orçamento.

... parados O setor decidiu apresentar uma pauta para o governo equacionar pendências em pagamentos e garantir a continuidade das obras. Sem isso, ameaça promover demissões em equipes e a paralisação de projetos.

Chapa quente Michel Temer se irritou com a demora da Casa Civil em liberar as nomeações para facilitar as votações no Congresso. Presidente interino, ele chamou a área jurídica do Planalto para saber o que paralisou a partilha dos cargos.

Funil Temer telefonou para ministros em cujas pastas há cargos represados e a maioria disse já ter assinado as nomeações e responsabilizou a Casa Civil pela demora.

Fonte: Folha de S. Paulo

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