Na FOLHA: Na enfermaria de Dilma e O trem do Peru e o filho de Levy
VINICIUS TORRES FREIRE
Na enfermaria de Dilma
Ministros doentes, políticos insanos e até prefeitos do PT com raiva azucrinam a economia de Dilma 2
OS ECONOMISTAS de Dilma 2 estão doentes, coitados. Gripe e dor nas costas, ou talvez alergias e dores de cotovelo, têm impedido que os ministros da economia apareçam juntos em reuniões públicas.
Na sexta-feira, uma gripe impediu o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, de apresentar uma versão menos irrealista do Orçamento do que a fantasia exorbitante que o Congresso aprova todos os anos. O anúncio ficou a cargo do ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, que ontem não entrou em campo com Levy devido às costas prejudicadas.
Sim, trata-se de ironia sobre as intrigas que vazam de Brasília sobre desavenças ministeriais a respeito do tamanho necessário da contenção de despesas do governo ou da previsão estouvada e alegremente otimista da arrecadação federal de impostos neste ano da pindaíba de 2015. Mas nada disso tem lá muita graça.
As derrotas parlamentares do governo neste maio, as intrigas bobas de políticos do Palácio do Planalto contra Levy e, agora, os achaques ministeriais no final de semana e outros desarranjos intestinos do governo deram a impressão de que o governo Dilma 2 teria uma recaída nos piores vícios de Dilma 1. Até a febre do dólar subiu um tico por causa dessa agitação sem sentido.
Os ministros negaram as intrigas, deram umas declarações meio futebolísticas de "jogar pelo time" e o tempo desanuviou um tanto.
A influenza de Levy parece ter influenciado um pouquinho o ambiente do Planalto, que começava a ser tomado pelos miasmas gastadores de 2014 e pelo delírio do "pior já passou" (no que diz respeito às contas do governo, não passará tão cedo).
Mais saudável, pelo menos da cabeça, o vice-presidente da República e premiê político, Michel Temer, disse ontem a Dilma Rousseff que, se a presidente não desse jeito na dengue dengosa do PT, o PMDB e outros "aliados" enterrariam o pacote fiscal enviado ao Congresso, levando para a tumba o resto do fiapo de confiança nos planos econômicos do governo.
A péssima impressão causada pelo bafafá do final de semana e a conversa de Temer aparentemente deram uma rearrumada nas tropas esfarrapadas do governo, ou pelo menos Dilma prometeu dar uma ajuda quanto a isso. Esse exército em farrapos terá de aprovar no Senado o que sobrou do pacote fiscal, que será avacalhado pela oposição com auxílio extra dos "amigos do povo", senadores em tese aliados e dois petistas que querem botar fogo no resto do circo e derrubar o plano de ajuste fiscal.
Os problemas não param por aí. Empresas e o Congresso querem derrubar a volta da cobrança de parte das contribuições patronais para o INSS, como se sabe. A previsão de aumento de receita federal líquida para este ano, uns 5%, já é otimista. Com furos no pacote fiscal, fica mais furada.
Haverá a luta no dia a dia contra os cortes. Ministros vão chorar. Os parlamentares, sem dinheiro das emendas, vão azucrinar ainda mais o governo. O PT de São Paulo grita desesperadamente por dinheiro, pois prefeitos e outros políticos locais ameaçam debandar, sair do partido, e precisam de agrados. Sem dinheiro federal para obras, Fernando Haddad, prefeito de São Paulo, pode ser varrido na eleição de 2016.
Muito sofre quem padece.
O trem do Peru e o filho de Levy, (por Vinicius Torres Freire)
Joaquim Levy não foi assistir ao parto do seu filhote querido, o plano de controle de gastos do governo, o ajuste fiscal. Disseram que o ministro da Fazenda estava gripado. Pode ser. Pode ser também que Levy tenha achado que o filho não fosse bem dele. Gente do Planalto fazia esse tipo de fofoca escarninha, no final da sexta-feira.
Essa foi a primeira e a menos importante das esquisitices da divulgação do Orçamento federal de verdade, o plano de gastos e arrecadação que deve valer até o final do ano.
Segunda esquisitice: os gastos de 2015 não serão equivalentes aos de 2013 nem nas promessas de papel orçamentário, como Levy dizia desde fevereiro.
Terceira: o governo espera que a arrecadação de impostos cresça uns 5% neste ano, em termos reais. Mas a receita real até abril caiu quase 3%. Puxado.
Quarta: o governo fez essa estimativa otimista mesmo enquanto o Congresso ainda talha e diminui o pacote fiscal.
Quinta, tendo se arriscado a essas pequenas temeridades, não enfatizou que talvez seja necessário aumentar ainda os impostos.
De mais previsível, o governo indicou que vai cortar mesmo uns 30% da despesa de investimento (em relação a 2014, pelo menos no que diz respeito ao PAC. Imagine-se no resto). Tende a ser mais.
Enfim, em relação a 2014, a promessa é baixar a despesa em 1%, se der tudo certo (em termos reais). Parece pouco, muito menos do que a promessa inicial de cortar 6%. No entanto, mesmo essa redução de 1% é rara. Nos três anos em que foi responsável pelo Orçamento, o governo Dilma 1 elevou o gasto em mais de 6% ao ano, em média.
TREM DO PERU
A presidente Dilma Rousseff tem uma queda esquisita por trens. Não por um "trem bão", como dizem alguns de seus conterrâneos. Mas pelo "trem da alegria" de quem gosta de torrar dinheiro em "viagens".
Antes, viajara na ideia doidivanas do trem-bala, aquele que estaria pronto para ligar São Paulo e Rio já na Copa de 2014. O negócio era um disparate tão grande que, nem com dinheiro quase dado, essas empreiteiras Lava Jato quiseram embarcar.
Agora, a presidente veio com a história do trem do Peru, que ligaria o centro do Brasil ao Pacífico passando em parte pela Amazônia e pelos Andes, "corredor da exportação agropecuário" por onde nem os agropecuaristas querem correr.
O Brasil não consegue terminar a obra de quase 30 anos da Ferrovia Norte-Sul. Não consegue nem começar direito as obras essenciais de ferrovias que ligariam a Norte-Sul a Goiás e ao litoral da Bahia.
O governo não consegue ligar à rede elétrica usinas de eletricidade prontas a fios. Não consegue colocar trilhos nem no sertão desértico da Bahia, por incompetência básica, rolos ambientais e outras burocracias. Mas quer fazer o trem da floresta do Peru. Um negócio da China.
De onde teria vindo essa mania de trens? De uma infância feliz passeando em marias-fumaça mineiras? Da vontade de imitar mais um desastre econômico da ditadura, como a Ferrovia do Aço? Da ideia desenvolvimentista vulgar de que os EUA cresceram porque fizeram ferrovias "coast to coast" no século 19, do Atlântico ao Pacífico?
Trem das Onze? Trem Azul?
Sai o trem-bala, entra o trem chinês (por ELIO GASPARI)
A máquina de propaganda do governo e a doutora Dilma têm um especial carinho por trens. Em 2004 Nosso Guia perfilhou um projeto de ligação ferroviária entre o Rio e São Paulo. Era o trem-bala. Faria percurso de 500 quilômetros em 90 minutos, cobraria o equivalente a R$ 120 e nada custaria à Viúva. Ficaria pronto para a Copa de 2014. Atrasando, era certo que rodasse em 2016 para a Olimpíada. Deu em nada. Ou melhor, deu em parolagem e pariu uma empresa estatal, a EPL.
Quando o projeto naufragou, surgiu a palavra mágica ouvida por Machado de Assis em 1883: "lingu". Ele não esclareceu o que isso queria dizer, mas talvez significasse "investimento": os chineses bancariam o projeto do trem-bala. Pouco depois um mandarim explicou: "Pedir que uma empresa chinesa assuma um risco tipicamente governamental é uma grande piada".
Antes do desembarque do primeiro-ministro chinês Li Keqiang saiu da caixa de mágicas do Planalto o projeto de uma ferrovia transoceânica ligando o Atlântico brasileiro ao Pacífico peruano. Teria 4.400 quilômetros. Nas palavras da doutora Dilma, "ela atravessará os Andes". Custaria entre US$ 5 bilhões e US$ 10 bilhões.
As dúvidas foram desfeitas quando o companheiro Li assinou 53 acordos com a doutora. Na mesa havia apenas o interesse mútuo de começar os estudos básicos da viabilidade do projeto. A ferrovia que iria do litoral brasileiro ao peruano era um exagero. O memorando assinado cuidava apenas da conexão da linha Norte-Sul, que iria de Campionorte, em Goiás, à costa peruana. A linha para o litoral atlântico é uma tarefa brasileira. Se tudo der certo, esse estudo deve ficar pronto em maio de 2016. O que era um estudo básico para analisar a viabilidade do projeto virou uma ferrovia que "atravessará os Andes".
Cuidando dos seus interesses, os chineses assinaram diversos compromissos, compraram aviões, alugaram navios e arremataram um banco. Todos esses negócios são bons para eles e para o Brasil. Não havia porque botar o "lingu" de Machado de Assis numa ferrovia transoceânica.
A agenda chinesa é sempre precisa. Em geral eles querem recursos naturais e proteínas. Além disso, vendem serviços, bens e máquinas. Jogo jogado. A isso junta-se um interesse do Império do Meio de fornecer sua mão de obra para os projetos onde põe dinheiro. São mais qualificados, conhecem a empresa e às vezes custam menos. Há cinco anos eram 740 mil, de Angola ao Uzbequistão. Obras chinesas no Brasil já tentaram importar operários, mas foram barradas. Esse pode vir a ser um bom debate, pois o que é preferível, um pasto goiano com 50 vaqueiros ou a obra de uma ferrovia com 500 chineses e 500 brasileiros?
Esse item da agenda chinesa chamou a atenção de Machado de Assis. Em 1883, quando o andar de cima queria imigrantes para substituir a mão de obra escrava, chegou ao Rio o mandarim Tong King-sing. Veio acompanhado de um secretário negro, fez o maior sucesso com suas roupas e foi recebido por D. Pedro 2º. O imperador disse-lhe que não tinha simpatia por seu projeto e, no melhor estilo chinês, ele foi-se embora.
À época, comentando a visita do mandarim, Machado de Assis escreveu uma crônica, transcrevendo uma carta que teria recebido dele. Esclareceu que preferiu manter a grafia do autor.
A certa altura, como se fosse hoje, Machado/Tong escreveu:
"Xulica Brasil pará; aba lingu retórica, palração, tempo perdido, pari mamma."-
UMA AULA SOBRE O FALECIDO TREM-BALA
Ainda não se conhecem as fantasias que acompanham a Ferrovia Transoceânica, mas está na rede uma detalhada narrativa do que foi a maluquice do trem-bala de Lula e Dilma. É a reportagem "Um Trem para Bangladânia", de Leandro Demori. (A mistura de Bangladesh com Albânia é um neologismo criado pelo professor Mario Henrique Simonsen.)
Ele foi das raízes do sonho do trem de alta velocidade até a morte do projeto da empresa italiana que vendeu a novidade ao governo. Nela havia planilhas mágicas e um roteiro inexplicável, pois o trem não parava ao longo do percurso. O primeiro administrador do projeto, José Francisco das Neves, o "doutor Juquinha" dormiu umas noites na cadeia por malfeitos cometidos na Ferrovia Norte-Sul, aquela que cruzará com a Transoceânica.
O repórter Leandro Demori trabalhou onze meses no assunto, conversou com trinta pessoas e colheu documentos brasileiros e italianos. Conseguiu o apoio do Contributoria, uma plataforma independente ligada ao jornal inglês "The Guardian" e seus leitores. Quem quiser pode inscrever seus temas. Os leitores do "Guardian" votam e quem não for assinante do jornal deve pagar US$ 3 por mês para participar das escolhas.
A ajuda é dada relacionando-se o número de votos que o tema recebeu e a quantia que o jornalista pede. Aprovado o financiamento, o beneficiado vai à luta e fica livre para colocar o texto onde quiser. Demori preferiu hospedar seu texto na plataforma Medium, de Ev Williams, o criador do Twitter.
Os repórteres, como o Fantasma das Selvas, são imortais.
O PT se esvazia (editorial)
Fruto de seus próprios desvios, partido enfrenta ameaça de defecções entre políticos paulistas e abandono da militância
Hortolândia saiu da eleição estadual de 2014 como último bastião do PT em São Paulo e pode chegar ao pleito municipal de 2016 como símbolo da deterioração do partido.
Distante cerca de 110 km da capital, o município de 212 mil habitantes notabilizou-se no ano passado por dar ao petista Alexandre Padilha sua única vitória sobre o governador Geraldo Alckmin (PSDB), 38,6% a 34,9%. As demais 644 cidades paulistas consagraram o tucano, que se reelegeu no primeiro turno com 57,3% dos votos.
Administrada pelo PT desde 2005, Hortolândia agora aparece numa lista de municípios nos quais políticos da legenda negociam migrar para o PSB, comandado em São Paulo pelo vice-governador Márcio França. Prefeitos e vereadores petistas consideram que assim terão mais chances na disputa do ano que vem, dada a crescente rejeição à sigla.
A fim de dissuadir potenciais desertores, dirigentes do PT têm feito viagens a cidades do interior do Estado. Calculam que, confirmadas as defecções, a agremiação terá até 30% menos prefeituras sob seu controle após a disputa municipal de 2016 --são, atualmente, 68 municípios paulistas.
O desânimo, porém, não acomete apenas quadros do partido; também afeta seus militantes. Basta dizer que, na sexta-feira (22), o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva cancelou seu discurso na abertura do Congresso Estadual do PT em São Paulo para não ser visto diante de plateia reduzida.
No segundo dia do evento, Marco Aurélio Garcia, assessor especial da Presidência, desabafou: "Nunca vi uma reunião do PT tão esvaziada quanto ontem, quando se anunciava que o Lula viria, e tão esvaziada quanto hoje, quando no passado as pessoas disputavam o crachá para estar aqui".
No passado, seria preciso acrescentar, o partido não disputara uma eleição presidencial defendendo suas tradicionais bandeiras somente para arriá-las logo após a vitória. Tampouco estivera no centro dos principais escândalos de corrupção da política nacional.
Não admira, portanto, que cada vez menos gente esteja disposta a manter no peito um crachá do PT, ao mesmo tempo em que cresce o número de pessoas que se comprazem com o próprio antipetismo --embora, neste caso, se registrem exageros, como nos episódios em que o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega foi hostilizado.
Se houve práticas corruptas, estas devem ser julgadas e condenadas pelos órgãos competentes; quanto às mentiras, elas já começam a cobrar seu preço em termos de prestígio e popularidade --uma fatura que o PT dificilmente deixará de pagar diante das urnas.