Na FOLHA: Dor de cabeça do Brasil ainda nem começou, diz Ricupero

Publicado em 23/05/2015 06:30
Leia trechso da entrevista do ex-embaixador Rubens Ricupero -- NA EDIÇÃO DESTE SÁBADO DA FOLHA DE S. PAULO (saiba mais em folha.uol.com.br

O governo está agora concentrado no curto prazo, na conjuntura, mas resta saber se o ajuste fiscal vai evitar a perda do grau de investimento. Se as agências entenderem que a manobra reduz a credibilidade do ministro da Fazenda Joaquim Levy, o resultado poderá ser um desastre.

No curto prazo, neste e no próximo ano, tenho esperança que o ajuste do ministro Levy vá adiante, mas não acredito que se vá conseguir tudo.

O TAMANHO DO AJUSTE

Creio que a questão não é a mágica de um número, mas a vontade do governo de seriamente fazer o ajuste. Entrando na questão dos números, há dois objetivos no ajuste fiscal. O primeiro é evitar que a dívida pública aumente em relação ao tamanho do PIB.

Para isso, a rigor, levando em conta que o déficit do orçamento de 2014 foi de 6,7% do PIB --cifra que Levy ignorava ao anunciar sua meta de superávit primário de 1,2%--, o corte teria de ser maior, entre R$ 90 bilhões e R$ 100 bilhões, a fim de evitar que a necessidade do Tesouro tomar empréstimo para financiar o deficit faça crescer a dívida pública. Na prática, todo mundo aceitaria um corte de R$ 70 bilhões por reconhecer que seria difícil chegar ao número ideal, devido à economia em recessão e à rigidez do orçamento.

O segundo objetivo do ajuste é restaurar a credibilidade. Isso é, a prova de que o governo não vai continuar a política de gastos irresponsáveis do ano passado e anteriores.

Desse ponto de vista, o desalentador agora não é o número do ajuste, mas o fato de ele ser feito somente pelo Executivo. O Legislativo e o Judiciário, que fazem parte do governo, querem gastar. Basta ver as medidas aprovadas nos últimos dias, inclusive o absurdo aumento aos funcionários do Judiciário, entre os mais bem pagos da República.

Nessa situação, volta-se ao remédio de sempre: aumentar impostos, de um setor como os bancos que possui poucos simpatizantes. Ainda que as agências de avaliação de créditos possam se contentar com um ajuste feito solitariamente por Levy-Dilma, será que isso basta para recriar a confiança perdida dos empresários e investidores internos?

FELIZ 2016?

Obtido um ajuste razoável, seria preciso um plano plurianual para que não sejamos prisioneiros do calendário.

A ideia básica do ajuste é evitar que a dívida siga crescendo em relação ao PIB, precisamos estabilizar a dívida e, depois, será preciso baixá-la.

O Brasil tem que financiar isso com taxas de juros de quase 14%. Precisamos de uma política crível de ajuste fiscal para financiar a dívida a um custo razoável.

Em 2014, a arrecadação do governo aumentou em 2% e os gastos aumentaram em 12%, quase 13%.

E como é você mantém isso com a economia crescendo 0%? Isso é insustentável.

O Brasil precisa voltar a crescer 3,5%, 4%. E temos que aperfeiçoar as instituições públicas, até porque esse sistema partidário é uma vergonha.

O Brasil parte de um patamar de miséria grave, temos que crescer como os asiáticos, durante 30 ou 40 anos.

AJUSTE FISCAL E INFLAÇÃO

Espero mesmo que se consiga retomar uma visão de país no médio e no longo prazo. Isso depende do quê? Que o ministro Levy tenha um êxito razoável --se ele tiver uns 70% de êxito, já é uma grande coisa. Em algum momento, ele precisa complementar o ajuste com uma agenda positiva de desenvolvimento, pois só o ajuste, embora ele negue, vai aprofundar a crise.

E de onde virá o dinheiro, com o corte de investimento do governo, dos chineses? Com o aperto de crédito, o setor automobilístico está devastado, não há dinheiro na agricultura, nas bolsas do Fies. O que está ameaçador é o problema do crédito, antes até da inflação e do desemprego.

MAROLA NO FIM DO TÚNEL

Eles nunca vão confessar isso, mas quebraram o país duas vezes, em 2010 e em 2014, para ganhar a eleição.

Embora tenhamos que admitir que em 2008 e 2009 a política para driblar a crise mundial tenha sido no Brasil rápida e correta, uma resposta que amorteceu o impacto, embora tivéssemos uma queda do PIB. Mas no último trimestre de 2009, com a economia já aquecida, eles mantiveram isso em 2010 porque era um ano eleitoral. Quebraram o país e elegeram a Dilma. Foi crime premeditado. Aí ela herdou uma situação difícil, tentou reagir, mas a indústria estava combalida, corroída pelo câmbio...

 

RENATO ANDRADE

Onde está Levy?

BRASÍLIA - Joaquim Levy chegou ao governo Dilma com a responsabilidade de resgatar a credibilidade da política econômica, debilitada por anos de avanço forte dos gastos e manobras promovidas por seu antecessor para esconder a complicada situação das contas públicas.

Nos últimos meses, o ministro defendeu com vigor sua proposta de ajuste das despesas e receitas federais, criticou políticas adotadas no primeiro mandato da presidente e negociou diretamente com deputados e senadores o pacote de medidas que, segundo sua avaliação, permitirá reequilibrar as finanças e recolocar a economia do país nos eixos.

Apesar de todo esses esforço, coube apenas ao ministro Nelson Barbosa (Planejamento) explicar, na tarde desta sexta-feira, os cortes que o governo fará no Orçamento deste ano.

A falta do principal artífice da política econômica do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff não passou despercebida por ninguém.

Barbosa procurou, de imediato, demonstrar que a ausência não era sinal de atrito ou divergência entre os integrantes da equipe econômica. Disse que Levy não estava presente por um "problema de agenda" e fechou a explicação de maneira primorosa: o colega estava resfriado.

Difícil acreditar que o ministro da Fazenda tivesse qualquer outro compromisso mais importante no dia de ontem que o impedisse de participar da apresentação de parte tão vital de seu plano de recuperação das contas federais. E mesmo que estivesse gripado, quem conhece Levy sabe que o resfriado não o deixaria de fora.

A ausência do ministro representa um recado claro de insatisfação. Por mais robusta que pareça a tesourada anunciada, Levy queria mais. E queria porque sabe que o Congresso desfigurou as medidas desenhadas pela Fazenda para reduzir parte das despesas deste ano. Agora, para entregar o que prometeu, Levy terá que aumentar o volume de dinheiro em caixa, tarefa nada simples diante do clima político no planalto central.

 

DEMÉTRIO MAGNOLI

O governo da mentira

A manutenção do fantasma de Dilma no Planalto exige que a vida política do país se transforme numa farsa

A Mentira Original contamina o governo de Dilma Rousseff, gangrenando suas bases políticas e ameaçando destruir o ajuste fiscal. Quarta-feira, seis senadores de partidos governistas, inclusive dois petistas, endossaram um manifesto assinado pela CUT, pelo MST e por diversas lideranças do PT contra as medidas provisórias 664 e 665. Tudo indica que, mais uma vez, o destino do ajuste depende do "patriotismo" de parlamentares da oposição. Previsivelmente, a crise do lulopetismo assume a forma de uma crise geral da gramática política brasileira.

Dilma reelegeu-se aplicando um golpe na democracia que foi apropriadamente batizado como estelionato eleitoral. Ela fraudou o pleito, prometendo aos eleitores que não seguiria o curso da austeridade fiscal. Mais: num paroxismo de desonestidade política, acusou Marina Silva e Aécio Neves de urdirem as "medidas amargas" que adotaria no dia seguinte à posse. O cisma na sua base é fruto direto da Mentira Original. Por que os defensores da desastrosa política econômica de Dilma 1 deveriam acompanhar o cavalo-de-pau de Dilma 2?

Os eleitores decifraram a fraude. As imensas manifestações populares de março, que refletiam a retração catastrófica dos índices de popularidade da presidente, indicaram um caminho. Dilma só governaria se acertasse as contas com a Mentira Original, renunciando à sua própria herança para começar de novo. A legitimidade de Dilma 2 dependia de uma ruptura com o lulopetismo, por meio da formação de um governo transitório de perfil técnico. No lugar disso, a presidente decidiu persistir na mentira. O custo inicial da opção expressou-se pela transferência das chaves do poder para Joaquim Levy, na economia, e para o triunvirato Temer/Renan/Cunha, na política. Mas o custo integral é maior: a manutenção do fantasma de Dilma no Planalto exige que toda a vida política do país se transforme numa farsa.

Farsa, parte um. O PT comporta-se como partido de oposição sem abdicar de seu lugar no núcleo do governo. As impressões digitais de Lula estão no manifesto dos governistas oposicionistas, assinado por inúmeras figuras que só operam com seu tácito consentimento. "Não estamos contra a presidente Dilma, mas contra a política econômica do governo", esclareceu o senador Paulo Paim, um dos signatários da peça farsesca. Dilma não tem os meios para enquadrar o PT: a mentira converteu-se na jangada que a mantém à tona.

Farsa, parte dois. As dissidências na oposição transformam-se na aposta principal do governo para a aprovação de um arremedo do ajuste fiscal. Na Câmara, parte da bancada do DEM já ofereceu seus votos para a MP 665. Os supostos oposicionistas, em vias de fusão com o PTB, invocaram os "interesses da pátria" para camuflar sua trajetória de adesão a um governo que sobrevive às custas da repartição dos despojos da máquina pública.

A neblina da dupla farsa embaça os olhares. O colunista Hélio Schwartsman acusou o PSDB de "oportunismo" por não respaldar a "agenda de Joaquim Levy", como se o esparadrapo que Dilma 2 tenta aplicar sobre a ferida hemorrágica de Dilma 1 equivalesse a um programa consistente de reformas econômicas. Na gramática da crise do lulopetismo, o mundo foi virado pelo avesso. Segundo a lógica pervertida da Mentira Original, o governo aprovaria suas medidas impopulares com os votos da oposição --e sob cerrado bombardeio do PT. Há meio melhor de chamar os eleitores de palhaços?

O pouco que resta do ajuste fiscal não salvará as contas públicas. Mas já dissolveu a linguagem política no caldo da ininteligibilidade. Ponto para Lula.

MEA CULPA

Escrevi, aqui (16/5), que nenhum senador interpelou Fachin sobre a fonte das leis. Aloysio Nunes, entretanto, fez a pergunta fatal. Fachin respondeu-lhe renegando suas convicções. Farsa: seu "triunfo" é a forma mais desonrosa da derrota.

 

Lula relata a Dilma insegurança de empresários com efeitos do ajuste (coluna PAINEL)

Tateando no escuro Lula relatou nesta sexta-feira a Dilma Rousseff e ministros do núcleo político que tem recebido em seu instituto empresários inseguros quanto aos efeitos do ajuste fiscal e à estratégia para retomar o crescimento. Representantes do PIB disseram ao ex-presidente que, além disso, a instabilidade política gera dúvida sobre a aprovação no Congresso de medidas com impacto na economia e que há incerteza até sobre a disposição da presidente de sancionar ou vetar pontos desses projetos.

Lado bom Passado o anúncio do bloqueio no Orçamento, Lula e Dilma definiram que é preciso afinar o discurso do ajuste e divulgar a versão de que, mesmo com os cortes, o governo tem investimentos mais robustos que os dos governos pré-PT.

Água mole Na reunião, Lula voltou a alertar que o governo corre grande risco de dinamitar sua relação com as centrais sindicais ao se posicionar contra a emenda que flexibiliza as aposentadorias, aprovada na Câmara.

Be-a-bá Lula, Dilma e os ministros identificaram falhas na articulação do pacote de ajuste fiscal com o Congresso. Admitiram que o governo não conseguiu explicar aos parlamentares a importância das medidas, o que dificultou sua aprovação.

Calmante Depois de anunciar o corte nos gastos, Nelson Barbosa (Planejamento) telefonou para os ministros das pastas mais afetadas. Disse aos colegas que a decisão é difícil, porém necessária, e se colocou à disposição para ajudar no ajuste.

Aula Para contornar o problema, ministros vão cobrar mais “fluidez” de informação com os partidos da base e as bancadas na Câmara e no Senado, a fim de evitar surpresas nas próximas votações.

‌Ponto de vista Sindicalistas vão pedir ao Ministério do Trabalho detalhes sobre as condições negociadas para a vinda de mão de obra chinesa ao Brasil. “Esse negócio da China não pode virar um cavalo de Troia”, diz Miguel Torres, da Força Sindical.

Claridade 1 O presidente da OAB, Marcus Vinicius Furtado Coêlho, defende publicamente que o Senado derrube o veto de Dilma à obrigatoriedade de tornar públicos empréstimos do BNDES.

Claridade 2 Em carta enviada a todos os senadores nesta sexta-feira, o advogado cobrou transparência do governo sobre os dados.

Pra frente Caia ou não o veto, o Congresso pretende incluir na nova Lei de Responsabilidade das Estatais um dispositivo que permita acesso aos dados de financiamento do banco.

 

ANDRÉ SINGER

O mundo não acabou

Maio entra na reta final sob o signo de alguma rearticulação no campo progressista da política brasileira. Depois do atordoamento provocado pelo que parecia a tempestade perfeita dos primeiros meses do ano, surgem sinais de vida no lado esquerdo do espectro ideológico. O gesto emblemático foi feito pelo senador Lindbergh Farias (PT-RJ), ao se erguer contra a MP 665, a qual, entre outros cortes, restringe o acesso ao seguro-desemprego no momento em que ele se torna mais necessário, e pedir a saída do ministro da Fazenda. A resistência dos senadores obrigou a Casa a postergar a votação.

É possível que a enorme pressão que desabou sobre o parlamentar carioca o faça hesitar na batalha que se anuncia para a próxima semana, mas a sua atitude corresponde a um sentimento espraiado em setores significativos do Partido dos Trabalhadores. Sem abrir mão da responsabilidade de sustentar Dilma Rousseff, vista com calorosa simpatia na sigla, cresce a rejeição ao pacote liderado por Joaquim Levy.

Não por acaso, o ex-governador Tarso Genro, junto com um dos dirigentes da esquerda petista, Valter Pomar, decidiu assinar manifesto "pela mudança da política econômica e contra o ajuste", o qual embasou a resistência à MP no Senado. Poucos dias antes, Tarso havia insinuado que poderia apoiar o candidato Marcelo Freixo, do PSOL, a prefeito do Rio de Janeiro no ano que vem, num passo voltado para a formação de frente ampla com vistas a recompor o campo mais afetado pela ofensiva conservadora de 2015. À insinuação do ex-ministro da Justiça de Lula seguiram-se especulações de que ele sairia do PT. Tarso negou a saída, reafirmando pertencer a um bloco minoritário da agremiação que já presidiu.

Embora posições como as de Genro, de fato, não correspondam às resoluções oficiais do PT, à medida que a base sindical começa a sentir o perigo de demissões em massa opera-se um deslocamento na ecologia interna petista. Note-se que o ex-presidente Lula afirmou, na mesma quarta-feira em que o manifesto firmado por Tarso e Pomar repercutia no Parlamento, que as MPs tinham "defeitos", os quais poderiam ser "corrigidos" por negociações com os trabalhadores. Convém lembrar, igualmente, que foi Lula quem abriu a porta para a candidatura de Lindbergh a governador do Estado do Rio, pouco tempo atrás.

Nada disso implica que haverá, de imediato, uma reviravolta, seja na orientação geral da economia, seja na correlação de forças estabelecida no Congresso, a qual desfavorece a esquerda. Mas aos poucos parece reconstruir-se um polo alternativo à orientação neoliberal. Caso tenha êxito, ajudará a preservar tanto a classe trabalhadora quanto a própria vitalidade da democracia no Brasil. Veremos.

Fonte: Folha de S. Paulo

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