EDITORIAL DA FOLHA: "Setor quase imóvel" - Construção tem o pior ano em uma década

Publicado em 20/05/2015 06:48
na Folha de S. Paulo desta 4a.-feira (e + artigos)

EDITORIAL DA FOLHA:

Setor quase imóvel

Crise atinge em cheio construção civil, que terá pior ano em mais de uma década; queda de confiança e alta de juros prejudicam a área

Entre os muitos setores afetados pela crise econômica, poucos são atingidos tão em cheio pela tempestade perfeita quanto a construção civil, prejudicada pelo colapso da confiança (em especial quanto à manutenção do emprego) e pela falta de financiamento de longo prazo para aquisição de imóveis.

Será o pior ano em mais de uma década; analistas esperam queda de até 5,5% no PIB da área. Entre as 13 maiores incorporadoras, 6 travaram novos negócios; no primeiro trimestre, o lançamento de novos empreendimentos caiu 57% em relação ao mesmo período de 2014.

A luta se concentra em reduzir os altos estoques, algo difícil no contexto de falta de crédito e célere aumento dos distratos --quando a transação é cancelada, por exemplo, porque o consumidor não conseguiu se enquadrar nos critérios dos bancos para obter financiamento, ora mais rigorosos.

A redução de atividade no setor alterou a dinâmica de preços. Após vários anos de alta acelerada, em várias capitais eles já nem acompanham a inflação.

No segmento residencial, o maior problema está na falta de recursos na principal fonte para o financiamento, os depósitos da poupança --65% dos saldos são direcionados por lei para o Sistema Financeiro da Habitação, que banca imóveis de até R$ 750 mil.

Isso ocorre porque o aumento da taxa básica de juros (de 7,25%, em abril de 2013, para 13,25% atualmente) torna as aplicações na poupança pouco atraentes.

Não por acaso, houve resgates de R$ 30 bilhões nos primeiros quatro meses do ano. Trata-se de inversão notável em relação ao padrão vigente de 2011 ao fim de 2014, quando o volume das aplicações subiu R$ 240 bilhões.

Na prática, a escassez obrigou a Caixa Econômica Federal, que detém 70% do mercado, a dificultar o acesso a novos empréstimos. Nos últimos meses, o banco subiu os juros e cortou drasticamente a parcela máxima financiada em imóveis usados, embora tenha mantido as condições para os programas de moradia de baixa renda.

O governo estuda paliativos para defender o segmento de menor poder aquisitivo, mas será difícil amortecer o impacto, pois simplesmente não há dinheiro suficiente.

No fundo, o problema de sempre permanece: a crônica tendência aos juros altos, que inviabiliza a formação de um mercado de crédito de longo prazo e mantém a dependência de recursos subsidiados, sempre mais restritos e sujeitos a súbitas interrupções.

A tarefa essencial do governo, portanto, é arrumar suas contas e derrotar a inflação. Enquanto os juros não caírem bem abaixo de 10% e lá permanecerem, não se desenvolverá um padrão sustentável de financiamento imobiliário.

 

BERNARDO MELLO FRANCO

Justiça cega

BRASÍLIA - Na Roma antiga, a Justiça era retratada como uma deusa de olhos cobertos, que não enxergava para ser imparcial ao decidir. No Brasil de hoje, a Justiça também se diz cega, mas parece usar a venda para não ver a crise no país.

Enquanto os trabalhadores comuns sofrem com demissões e cortes de direitos, o Judiciário quer aumentar o salário de seus servidores em 31,4% neste ano. O plano prevê reajustes até 2017. Em quatro anos, custará R$ 25,7 bilhões ao Tesouro, calcula o Ministério do Planejamento.

A bomba ameaça implodir o ajuste fiscal, mas ganhou o apoio militante do presidente do STF, Ricardo Lewandowski. "Nós precisamos sempre [de reajuste]. Quem é que não precisa pagar o supermercado, já que houve um aumento do preço dos produtos?", disse, nesta segunda.

Para azar do contribuinte, o ministro não está sozinho na cruzada corporativista. Em setembro passado, seu colega Luiz Fux determinou o pagamento de auxílio-moradia de R$ 4.300 a todos os juízes do país.

A benesse foi aplaudida pelo presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, José Roberto Nalini. "Não dá para ir toda hora a Miami comprar terno", afirmou. "O auxílio foi um disfarce para aumentar um pouquinho. E até para fazer com que o juiz fique um pouquinho mais animado, não tenha tanta depressão, tanta síndrome de pânico, tanto AVC."

 

VINICIUS TORRES FREIRE

Novas emoções na Petrobras

Preço das ações da empresa não levavam tombo tão feio em dois dias desde o início de fevereiro

OS TOMBOS DA AÇÃO da Petrobras desta semana são os mais feios desde o início de fevereiro. O preço da ação preferencial da petroleira baixou 8,17% desde segunda-feira, primeiro dia útil depois da publicação do balanço do primeiro trimestre.

O que houve? Além do Imponderável de Almeida, de especulações inescrutáveis e rumores secretos, os palpites eram os seguintes:

1) O governo vai cobrar R$ 20 bilhões devidos pela Petrobras em um negócio de 2010; 2) Novas estimativas de queda do preço do petróleo; 3) "Esquisitices" no balanço do primeiro trimestre; 4) Depois de ganhar dinheiro com a alta das ações, estrangeiros as estão vendendo, em especial porque o tempo deu uma mudada no mercado internacional.

Primeiro: buraco de R$ 20 bilhões. Em 2010, o governo comprou ações da Petrobras com barris de petróleo (cedeu o direito de exploração de 5 bilhões de barris em troca de ações novas da Petrobras).

Segundo a agência de notícias Bloomberg, o governo teria direito a um pagamento adicional na revisão prevista do preço desse acordo. O extra seria de R$ 20 bilhões.

É fato que vai haver renegociação entre governo e Petrobras. O resultado disso será conhecido só em 2016, segundo a direção da empresa.

No Brasil, o ano que vem é o futuro distante do pretérito. Mas, caso o governo morda a Petrobras em R$ 20 bilhões, de uma só vez, vai arrumar problemas para si mesmo. Voltaria a baderna ruinosa, que chegou a suscitar a hipótese de que o governo teria de colocar dinheiro na empresa.

Segundo: queda do preço do petróleo. "Especulativo, protesto", como se diz em filme americano de tribunal. Pode até ser, embora chutes sobre o preço do barril sejam muito furados para fundamentar um talho tão grande no preço da ação.

Terceiro: "esquisitices" no balanço. As queixas sobre o balanço não eram hoje diferentes daquelas de ontem ou segunda. De resto, mesmo descontadas as esquisitices conhecidas, o balanço veio melhor do que o esperado pelo "mercado", o Ebitda em particular.

Dizia-se ontem, outra vez, que o lucro foi vitaminado porque a Petrobras deixou de dar como perdida parte de uma dívida do setor elétrico (reverteu a provisão para perdas de R$ 1,295 bilhão), pois teve mais garantias de que vai receber o dinheiro devido. Mais, que tal valor teria sido lançado de modo impróprio no resultado do primeiro trimestre, pois a garantia foi obtida no segundo trimestre. Parece mais um muxoxo do que uma razão.

Há dúvidas sobre a política do governo para a empresa (preços, investimentos, venda de ativos, "conteúdo nacional")? Sim.

Ninguém sabe se o resultado razoável do primeiro trimestre vai se sustentar. Nem se o governo vai tabelar outra vez o preço dos combustíveis, apesar das promessas da direção da petroleira de que tal coisa não vai se repetir.

Não se sabe se a Petrobras vai torrar mais de seu caixa para investir. Se conseguirá diminuir dívida e custos nos próximos trimestres. Etc. Dúvidas velhas de meses, que de resto dificilmente poderiam ser dirimidas por um balanço trimestral. O que talvez ocorra na divulgação do plano de negócios para os próximos cinco anos, a ser divulgado em junho.

Enfim, pode ser que os estrangeiros estejam em retirada. Ou o que mais?

vinit@uol.com.br

 

ANTONIO DELFIM NETTO

Amarga derrota

O Brasil sofreu grave derrota na noite de festiva irresponsabilidade em que a Câmara dos Deputados aprovou --sem se quer indagar o seu custo-- a restrição à aplicação do "fator previdenciário".

Trata-se de um mecanismo razoável para estabelecer um mínimo de equidade entre o valor da aposentadoria do trabalhador e o valor que ele acumulou durante a sua vida de trabalho ativo. A fórmula é complexa e engenhosa, mas seu resultado é simples: quem contribui por mais tempo e se aposenta mais tarde recebe mais do que quem contribui por menos tempo e se aposenta mais cedo.

Numa sociedade civilizada a solução "justa" do problema da aposentadoria e do suporte da garantia de segurança aos idosos está muito longe de ser trivial. Não foi encontrada até agora, a despeito das experiências nos mais variados países. Aliás, há séria dúvida sobre se ela existe. Sobre o que não há dúvida, é que quando mal resolvido, pode levar à falência a sociedade. O Brasil é um bom candidato...

É preciso insistir e insistir. O Estado não cria recursos para pagar a aposentadoria de R$ 100 do Paulo. Simplesmente transfere-lhe parte dos R$ 110 cobrados como contribuição do Pedro e "consome" os R$ 10 pelos serviços prestados. Por isso, para fechar a conta, para dar R$ 100 ao Paulo é preciso tirar R$ 110 do Pedro.

Podemos, sim, escolher os mecanismos e a dimensão das transferências, mas como em tudo na vida, as escolhas têm consequências que, infelizmente, costumam chegar tarde demais. Não importa quais sejam nossos desejos ou quanto seja a solidariedade que nos sensibiliza. A sociedade (todos os que ainda não trabalham, os que trabalham e os que já trabalharam) é constrangida por fatos físicos incontornáveis. Para sobreviver e crescer, ela tem que estabelecer uma relação harmoniosa entre o que deseja consumir e o que deve investir se quiser continuar a fazê-lo.

A amarga derrota pode deixar alguns benefícios: 1º) vai obrigar o Brasil a repensar seu problema previdenciário que está muito mal resolvido: uma verdadeira bomba de nêutrons que poderá levar ao empobrecimento geral (de quem trabalha e de quem já está aposentado) num futuro não muito distante; 2º) talvez dê um alívio para o governo no curto prazo, pois poderá induzir um pequeno retardo nos pedidos de aposentadoria, o que será bem-vindo para o "ajuste" fiscal e 3º) lembrar ao Congresso que é inconstitucional criar novas despesas e se eximir de propor o aumento de tributos para pagá-las.

Com alguma arte e inteligência, talvez possamos fazer do limão uma limonada. Mas o governo precisa acelerar o passo porque armadilhas para anular os efeitos do passado recente nos espreitam.

ideias.consult@uol.com.br

Nesta terça, a Assembleia Legislativa do Rio começou a discutir mais um benefício para os magistrados fluminenses: um "auxílio-educação" de até R$ 2.860 ao mês. Com o sinal verde de Lewandowski, está aberta uma nova corrida por privilégios.

Fonte: Folha de S. Paulo

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