Na FOLHA: Juros altos é como tratar dengue com aspirina
BERNARDO MELLO FRANCO
De volta ao ringue
BRASÍLIA - A aprovação da primeira MP do ajuste fiscal afastou as condições de se iniciar um processo de impeachment contra Dilma Rousseff. A avaliação é de um dos principais líderes da oposição: o presidente do PPS, Roberto Freire.
Para o deputado, a votação da última quarta mostrou que o governo ainda consegue formar maioria na Câmara, mesmo à custa de cargos e promessas. Ele afirma que a crise econômica não chegou ao clímax e que a oposição precisa ser "realista" ao medir as forças no Congresso.
"O impeachment não é produto do desejo individual de ninguém. Ele ocorre quando o governo não tem mais condições políticas de continuar", diz Freire, que exerce o sétimo mandato na Câmara e votou contra os cortes no abono salarial e no seguro-desemprego.
"Um presidente só cai quando o país se torna ingovernável. Quem derrubou o Collor não foram os caras-pintadas nem a oposição. Foi a classe dominante, que percebeu que a permanência dele no poder estava atrapalhando o país", afirma.
A situação atual é diferente, diz o oposicionista, porque o mercado financeiro e o empresariado se uniram a favor do ajuste. "Quem tem seus interesses atendidos pelo governo não vai trabalhar para derrubá-lo."
Há apenas duas semanas, os deputados do PSDB se diziam prontos para protocolar um pedido de impeachment. Freire recorre a uma metáfora do boxe para explicar como o vento mudou em Brasília. "O governo estava nas cordas, mas essa votação o colocou de volta no ringue."
As primeiras entrevistas do projeto "História Oral do Supremo", da Fundação Getulio Vargas, são valiosas pelo que revelam sobre o passado e o presente da corte. Um trecho do depoimento do ex-ministro Sydney Sanches: "Esse ministro que foi advogado do Lula, foi advogado do PT... Como é que é o nome dele?".
O nome é Toffoli. Dias Toffoli.
OPINIÃO
Aumentar a taxa de juros básicos é como remediar caso de dengue com aspirina
LAURA CARVALHOESPECIAL PARA A FOLHA
Depois de a inflação acumulada em 12 meses atingir 8,13% em março, o Banco Central optou, na mais recente reunião do Copom, por elevar os juros básicos pela quinta vez consecutiva, a quarta de meio ponto percentual.
O aumento de juros é o remédio genérico prescrito para o combate à inflação causada por excesso de demanda, ou seja, para casos em que a elevação de preços reflete procura por bens e serviços acima da capacidade de oferta dos produtores. Mas e se estivermos diante de mais um caso de dengue, quando uma aspirina torna-se veneno?
Samuel Pessôa, em sua coluna nesta Folha em 26/04/15, parece convicto de seu diagnóstico: considera que a inflação mais alta (e o deficit em conta-corrente) é sintoma do "mal" da demanda agregada excessiva que atingiria a economia brasileira.
Nesses casos, o princípio ativo dos juros altos agiria de modo a inibir o consumo e o investimento, reduzindo os tais excessos de demanda. No entanto, ao decidir prescrever esse remédio amargo, é preciso um bom conhecimento dos seus efeitos colaterais e suas contraindicações.
A elevação de juros é contraindicada, por exemplo, nos casos de economias em que há aumento da capacidade ociosa e da taxa de desemprego; de inflação puxada pela alta dos preços administrados, como tarifas de energia e combustíveis, por aumentos de custo com produtos importados e por problemas ligados à oferta de certos produtos alimentícios. Surpreendentemente ou não, a mais recente ata do Copom aponta para quase todos esses elementos no quadro brasileiro atual.
Os efeitos colaterais são diversos: aumento do desemprego e queda nos salários; maior pagamento de juros pelo governo e elevação da dívida pública, e até a chamada doença holandesa, em que a atração de capital externo pelos juros altos leva à apreciação do câmbio e à perda de competitividade, com deterioração da balança comercial. Casos (não tão raros) de recessão foram observados em muitos países, inclusive o nosso.
Interações com outros medicamentos: a probabilidade de recessão é aumentada caso o remédio seja aplicado conjuntamente com outras medidas de contração da demanda, por exemplo, um ajuste fiscal.
Finalmente, sobre a posologia e a duração do tratamento, como o nosso problemático regime de metas de inflação é definido para o ano-calendário, o Copom decide elevar a Selic em 0,25 ou 0,5 ponto percentual, a depender das expectativas inflacionárias para os próximos meses do ano, ainda que a inflação esteja convergindo para o centro da meta em um prazo um pouco mais longo.
A persistirem os sintomas, outras teorias deverão ser consultadas, como as em que o caráter inercial e persistente da inflação após os choques de custos são fruto do alto grau de indexação de contratos e das espirais de reajustes de preços e salários geradas por conflitos entre trabalhadores e empresários sobre a distribuição da renda. Em países de alta desigualdade, onde nem todos vivem de rendas financeiras, o tratamento deveria ser interrompido aos primeiros sinais de estagflação.