Na FOLHA: A vitória amarga do PT (sobre a aprovação do arrocho na Câmara)

Publicado em 07/05/2015 03:52
por BERNARDO MELLO FRANCO

BRASÍLIA - A aprovação da primeira medida provisória do ajuste fiscal é uma vitória amarga para o PT e para o governo Dilma Rousseff.

O texto empurra a conta da crise para os trabalhadores, ao restringir o acesso a benefícios como o abono salarial e o seguro-desemprego. Os afetados serão os mais pobres, que já sofrem com a inflação e as demissões em diversos setores da economia.

O pacote atinge a base social do petismo e expõe o rompimento das promessas de campanha da presidente, reeleita no ano passado.

Até a noite de terça, deputados do PT ainda criticavam o texto, enquanto o governo pressionava parlamentares de outros partidos aliados a votar a favor dos cortes. Foi preciso o PMDB ameaçar abandonar o barco para que os petistas aceitassem, a contragosto, assumir a defesa dos cortes. Uma defesa envergonhada, como se viu na votação desta quarta.

A bancada abaixou a cabeça enquanto a claque da Força Sindical xingava Dilma, gritava "Fora, PT" e atirava dólares sobre os governistas.

Em uma inversão de papéis, deputados do PSDB subiam à tribuna para acusar petistas de defender os banqueiros e punir os trabalhadores.
"A oposição finalmente aprendeu a fazer oposição", divertia-se Lúcio Vieira Lima, do PMDB da Bahia.

A votação acabaria com um inusitado panelaço no plenário da Câmara, que deve estimular novas manifestações contra o governo e o PT.

Apesar do desgaste anunciado, a aprovação da medida evita um prejuízo ainda maior para o Planalto. Uma derrota significaria o estilhaçamento definitivo da bancada governista e poderia provocar a saída do ministro da Fazenda, Joaquim Levy.

Editorial da FOLHA: Nunca antes na história

Para usar um bordão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, nunca antes na história o PT viu sua imagem se desgastar de forma tão acentuada quanto agora, e o buzinaço e o panelaço que acompanharam o programa de rádio e TV do partido, na terça-feira (5) à noite, constituíram mais uma medida audível desse malogro.

Não representavam, como se sabe, novidade na conjuntura brasileira. Desde o pronunciamento da presidente Dilma Rousseff (PT) no Dia da Mulher, há dois meses, atos dessa natureza se incorporaram à disputa política nacional.

Nas demais ocasiões, contudo, protestava-se contra uma presidente fragilizada e um governo que, vitorioso por estreitíssima margem em outubro, só vinha reforçando a sensação de estelionato eleitoral.

Dessa vez, o alvo era a agremiação que comanda o país desde 2003. O fato de que depoimentos de Dilma nem sequer foram incorporados à propaganda de sua própria legenda não serviu para desmobilizar as manifestações.

Ao contrário, elas tiveram sua força renovada em pelo menos um sentido. Procurando esconder a presidente –algo em si bizarro–, o PT terminou por expor Lula, figura que a sigla sempre considerou um trunfo para eleições futuras.

Mais que isso, o partido exibiu o quanto há de dessintonia entre sua cúpula e o governo que ajuda a sustentar. Exaltavam-se não as ações da mandatária, mas bandeiras da agremiação, como se esta pudesse, aos poucos, desvencilhar-se da baixa popularidade de Dilma.

Mesmo que a tarefa pudesse ser levada a cabo, como a legenda se desgarraria de sua própria sombra? Segundo o Datafolha, em torno de 13% dos eleitores hoje dizem preferir o PT aos demais (eram 22% em dezembro); na crise do mensalão, essa fatia não caiu abaixo de 15%.

Pode-se atribuir tamanha corrosão a muitos fatores, mas dificilmente algum terá maior peso que o envolvimento reiterado em escândalos de corrupção.

Basta notar que Rui Falcão, presidente nacional da sigla, considerou oportuno enfatizar que petistas culpados ao fim de um processo judicial serão desligados da agremiação. Em outros tempos, quando o partido ainda podia se declarar arauto da moralidade política, tal declaração seria desnecessária –a expulsão estava presumida.

Hoje, ela soa pouco mais que demagógica. Apegando-se ao princípio de que leis penais não retroagem em prejuízo do réu, dirigentes do PT pretendem preservar os condenados pelo mensalão. Tudo leva a crer que, mais uma vez, o partido usou a rede nacional para fazer propaganda enganosa.

 

Que ajuste é esse?

(por GUILHERME BOULOS)

O ajuste fiscal conduzido pelo ministro Joaquim Levy está passando por sua prova de fogo na Câmara dos Deputados, com a votação das MPs (Medidas Provisórias) 664 e 665.

O Parlamento encenou um roteiro tragicômico. A parte da comédia coube à oposição de direita. Ver Mendonça Filho e os tucanos subirem à tribuna para uma defesa intransigente dos direitos dos trabalhadores é cena de comédia de quinta categoria.

A tragédia coube ao PT. A tomada de posição da bancada petista em favor do ajuste é mais um episódio deplorável que revela o esgotamento do projeto do partido e sua incapacidade de ter voz própria em relação ao governo.

O discurso da presidenta Dilma de que as MPs são uma correção de distorções e não ferem direitos é insustentável. Basta ver as medidas.

O Dieese (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos) preparou um relatório esclarecedor sobre o tema. Especialmente no caso do seguro-desemprego e do abono salarial o caráter antipopular das medidas é inquestionável.

A MP 665 dificulta o primeiro acesso ao seguro-desemprego ao ampliar o tempo mínimo de trabalho dos atuais seis meses para 18 meses. Baseado em dados do mercado de trabalho em 2013, o Dieese concluiu que –nas regras atuais– 3,2 milhões de trabalhadores não puderam acessar o seguro por terem ficado menos de seis meses no emprego, o que corresponde a 26% dos trabalhadores demitidos.

Se vigorasse a regra da MP, esse número subiria para 8 milhões, ou 64% dos trabalhadores demitidos, ressaltando que os dados excluem os demitidos por justa causa. Ou seja, 4,8 milhões de trabalhadores teriam perdido o benefício em 1 ano.
A "economia" para os cofres públicos seria de R$ 14,8 bilhões, obtida as custas dos trabalhadores mais vulneráveis, aqueles com maior rotatividade no emprego, destacando setores como a construção civil.

No caso do abono salarial, também objeto da 665, o número de trabalhadores excluídos do benefício é ainda maior. A mudança da regra amplia em seis vezes o tempo mínimo de emprego para acesso ao benefício, de um para seis meses no ano, e ainda reduz o valor do abono. Do valor atual de um salário mínimo estabelece um valor que varia entre meio e um salário.

Segundo o cálculo do Dieese, a medida retira o abono de 9,9 milhões de trabalhadores, gerando uma "economia" de R$ 8,45 bilhões.

Novamente, o peso do ajuste recai sobre os trabalhadores com maior rotatividade, culpabilizando o trabalhador por um dos traços mais perversos da precarização nas relações de trabalho. A rotatividade é um problema grave e generalizado. No Brasil, 43% dos trabalhadores formais permanecem por menos de seis meses num emprego.

A MP 664, que altera as regras dos benefícios previdenciários, vai na mesma direção de ataque a direitos em nome de redução de gastos. Na pensão por morte, a MP estabelece uma carência mínima de 24 contribuições para que a família receba o benefício e reduz o valor da pensão, conforme o número de dependentes, que atualmente é de 100% do salário.

No auxílio-doença, há uma redução no teto do valor a ser pago, baseando-o na média das últimas 12 contribuições e uma perigosa abertura para a privatização da perícia médica. E no auxílio-reclusão são estabelecidos critérios mais rigorosos para a concessão do benefício aos cônjuges, exigindo no mínimo dois anos de casamento.

Estas são as medidas provisórias 664 e 665. Correção de distorções? Conta outra. A vaca, de tanto tossir, já está com pneumonia.

Trata-se evidentemente de um ajuste fiscal antipopular, que joga a conta da crise econômica no colo dos trabalhadores. É indefensável para quem se pretende representante dos direitos sociais e trabalhistas.

E os números, como sempre, revelam opções políticas. Pelos dados disponíveis ao Dieese, as MPs de ataque ao trabalhador reduzirão cerca de R$ 23 bilhões do gasto público. Este número, embora maior que o divulgado pelo governo, deve aumentar algo mais considerando as mudanças previdenciárias.

Pois bem, só em aumento da taxa de juros desde as eleições de outubro (de 11% para 13,25%), a União eleva despesas extraordinárias em cerca de R$ 45 bilhões ao ano para o serviço da dívida pública. Que ajuste é esse?

Para trabalhadores e desempregados, arrocho, para banqueiros e rentistas, aumento. Esse ajuste tem lado e não é o da maioria.

(GUILHERME BOULOS é formado em filosofia pela USP, professor de psicanálise e membro da coordenação nacional do MTST)

Fonte: Folha de S. Paulo

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