Na FOLHA: Salários caem, consumo míngua, Nordeste cresce menos, diz o IBGE

Publicado em 27/03/2015 05:13
na edição de hoje da Folha de S. Paulo (análise de Vinicius Torres Freire)

VINICIUS TORRES FREIRE

Dilma perde no emprego

Últimas escoras de prestígio se desfazem, salários caem, consumo míngua, Nordeste cresce menos

O EMPREGO e o total dos salários pagos nas seis maiores metrópoles do país caiu de modo chocante em fevereiro, sobre fevereiro de 2014. O valor do salário médio diminuiu, coisa inédita desde outubro de 2011 e, antes disso, apenas em 2005.

Esses números deprimentes constam da Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE, divulgada ontem. Na semana passada, soubera-se que o total de gente empregada com carteira assinada caiu pela primeira vez desde o início de 2000 (queda de ano para ano).

A criação de emprego, que resistiu até 2014, era um dos últimos esteios econômicos possíveis para o prestígio de Dilma Rousseff, escora que se desfaz rapidamente.

Convém sempre lembrar que a situação, o nível, do mercado de trabalho ainda é o melhor em décadas. Além do mais, é preciso tomar cuidado com os dados de apenas um mês de estatística. Mas a deterioração no emprego, mesmo que não seja tão rápida quanto a do restante da economia, é acompanhada de choques de confiança na presidente, de redução da renda disponível e da freada rápida no consumo.

As condições materiais de vida, repita-se, são por enquanto melhores que faz cinco, dez ou vinte anos. Mas a parada súbita das melhorias e a revelação das mentiras do programa da campanha da reeleição da presidente provocam um surto de pessimismo econômico e de irritação política visto apenas em dias em que vida era muito pior e piorava.

Em março, o mau humor se generalizou pelo país, mostrou o Datafolha. A presidente perdeu o apoio também em seus bastiões restantes: os mais pobres, o Nordeste. O governo de Dilma Rousseff é ruim ou péssimo para 60% daqueles com renda familiar inferior a dois salários mínimos (65% para famílias com renda superior a dez salários). Ainda em fevereiro, essa avaliações eram, respectivamente, de 36% e 65%.

O governo de Dilma é ruim péssimo para 66% dos habitantes do Sudeste; 55% para os do Nordeste.

O consumo ainda cresce mais rapidamente em Estados do Nordeste (em relação ao começo do ano passado): 3,7% na Bahia e 2,4% em Pernambuco, por exemplo. Em São Paulo, o ritmo de alta anual caiu a apenas 0,8%. Na média nacional, a 1,8% (ante 4,3% em 2013 e 8,2% em 2013).

Mas a diferença entre o ritmo de aumento de consumo entre o Nordeste e Estados mais ricos já foi bem maior. Há convergência para a mediocridade. Para piorar, no Nordeste a taxa de desemprego começou ainda no início de 2014, enquanto na média do Brasil ainda diminuía.

Há regressão no número de empregos formais no conjunto do país e queda no número de pessoas empregadas nas grandes metrópoles. A queda recente mais forte ocorre no setor de serviços, que ainda deve sofrer muito (indústria e construção civil penam desde 2014, pelo menos).

O salário médio começa a cair puxado pelos rendimentos dos trabalhadores ditos informais, sem carteira e por conta própria. Começa a haver degradação da qualidade do emprego, que melhorara de modo brilhante nos últimos 20 anos.

Há menos salário, menos emprego, menos carteiras assinadas, menos consumo e menos confiança na capacidade de Dilma Rousseff, acuada num canto na praça dos Três Poderes. E o efeito do arrocho mal começou.

vinit@uol.com.br

Renda do trabalho tem 1ª queda desde 2011

Redução de 0,5% no rendimento, influenciada pela inflação elevada e pela crise na economia, é a maior em dez anos

Taxa de desemprego avança para 5,9%, índice mais alto para meses de fevereiro desde 2011, diz IBGE

FELIPE GUTIERREZDO RIO

A inflação elevada e a retração da economia provocaram em fevereiro a primeira queda do rendimento do trabalhador em mais de três anos.

No mês passado, a renda real --ou seja, descontada a inflação-- recuou 0,5% na comparação com fevereiro de 2014. Foi a primeira queda do indicador em relação ao ano anterior desde outubro de 2011, quando a perda havia sido de 0,3%, aponta o IBGE. Foi também o maior tombo desde o 0,7% de maio de 2005.

"Nos dois últimos meses houve alta da inflação e retração da renda em razão disso", disse Adriana Berenguy, porta-voz do IBGE que apresentou os dados da PME (Pesquisa Mensal de Emprego).

A inflação de 2015 até fevereiro é de 2,66% pelo INPC e de 2,48% pelo IPCA.

Se comparado com janeiro, o rendimento real (ou seja, com o valor nominal corrigido dos efeitos da inflação) caiu 1,4%, para R$ 2.163.

Mas não foi só a inflação que derrubou o rendimento, pois o valor nominal de janeiro foi maior que o de fevereiro. Para o economista Pedro Rossi, da Unicamp, o indicador é bastante sensível à atividade econômica, e a queda é consequência da recessão. "E, dada a rotatividade que temos no Brasil, que é alta, quando se repõe o funcionário, é por um salário menor."

A economista Lúcia Garcia, do Dieese (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos), aponta que a redução não aconteceu para os assalariados formais, mas para os que trabalham sem carteira e por conta própria. "O mercado de trabalho piora primeiro para esses segmentos."

DESEMPREGO SOBE

A pesquisa aponta também que a taxa de desemprego de fevereiro fechou em 5,9%, o que representa uma piora tanto em relação ao resultado do mesmo mês do ano passado (alta de 0,8%) como o de janeiro (+0,6%).

Economistas consultados pela agência Bloomberg esperavam 5,7%.

A taxa de 5,9% é a maior para um mês de fevereiro desde 2011, quando ficou em 6,4%.

O número de pessoas ocupadas foi de 22,77 milhões, queda de 1% sobre janeiro. Houve aumento no número de pessoas que procuram vaga --10,2%, para 1,4 milhão.

O setor que mais piorou em relação ao mês de janeiro foi o que o IBGE classifica como "outros serviços", que inclui alimentação, transportes de cargas ou passageiros e serviços pessoais (que incluem trabalhos como manicure e cabeleireiro).

Berenguy diz que houve diminuição de 3,7% no número de trabalhadores nesse setor, impulsionada por demissões em serviços pessoais (perda de 70 mil vagas no mês), alojamento e alimentação (34 mil) e transporte terrestre (30 mil postos).

Na comparação com fevereiro de 2014, os trabalhadores da indústria foram os mais afetados. De um ano para o outro, a porcentagem de gente ocupada caiu 7,1%, uma diminuição de 259 mil postos de trabalho.

Rossi, da Unicamp, afirma que é preciso esperar até o resultado de abril para concluir se há uma degradação significativa no mercado de trabalho do país.

Inflação vai estourar teto da meta e PIB vai encolher em 2015, diz BC

Expectativa é de IPCA de 7,9% e de retração de 0,5% na economia

GUSTAVO PATUDE BRASÍLIA

A economia brasileira encolherá neste ano e, ainda assim, a inflação vai estourar o teto fixado na legislação. As previsões, que já vinham sendo feitas por analistas independentes, foram corroboradas pelo Banco Central.

Segundo projeções divulgadas nesta quinta (26), o BC calcula que o PIB vá cair 0,5% em 2015, na sequência de uma estagnação ou retração --queda estimada de 0,1%-- no ano anterior.

A estimativa não considera a nova metodologia adotada pelo IBGE, que deve proporcionar alguma melhora nos números de 2014, a serem divulgados nesta sexta (27).

Mesmo com a produção e a renda no chão, os preços deverão subir 7,9%, bem acima do limite máximo de 6,5%, consideradas as previsões de mercado para a variação dos juros e das cotações do dólar até dezembro.

Trata-se de uma combinação rara de resultados ruins. Houve apenas três quedas anuais do PIB desde os anos 1990, excluídas as projeções para 2014 e 2015.

A inflação medida pelo IPCA tem ultrapassado a meta de 4,5% desde 2010, mas se mantendo abaixo do teto estabelecido na legislação --ultrapassado pela última vez em 2003, quando era de 6%.

A coexistência entre recessão e inflação em alta é conhecida como estagflação, com a qual o país flerta desde o ano passado. Agora, o uso do termo tende a ganhar força --embora, no vocabulário do BC, o país passe por uma "transição".

As projeções do mercado são mais pessimistas que as oficiais: segundo pesquisa feita na semana passada, as estimativas centrais dos analistas são que o PIB cairá 0,8%, e a inflação será de 8,1%.

O BC afirma que poderá cumprir a meta em 2016, embora suas projeções apontem para um IPCA de 5,1%; o mercado é cético.

MAIS JUROS

O relatório divulgado e as declarações de seus dirigentes indicam que o BC voltará a elevar sua taxa de juros, hoje em 12,75% anuais --eram 7,25% em abril de 2013, quando o ciclo de alta começou.

Em entrevista, o diretor de Política Econômica, Luiz Awazu, repetiu que as medidas tomadas até agora não foram suficientes, além de enfatizar a intenção de cumprir a meta em 2016.

As dúvidas de analistas e investidores se concentram na intensidade da próxima elevação dos juros, se de 0,25 ou 0,5 ponto percentual.

Os sinais do BC não são claros. A instituição, que procura recuperar sua credibilidade depois de sucessivos descumprimentos das metas, afirma que há uma tendência natural de queda da inflação no próximo ano.

Por esse raciocínio, a disparada das tarifas de energia e das cotações do dólar, que alimenta a alta dos índices neste ano, terá duração limitada.

Fonte: Folha de S. Paulo

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