Na FOLHA: Não é a corrupção, estúpido... por VINICIUS TORRES FREIRE
VINICIUS TORRES FREIRE
Não é a corrupção, estúpido
Choque de confiança política e insegurança econômica parecem explicar melhor fúria contra Dilma
A TESE DE QUE a corrupção é preocupação dominante dos brasileiros ocupa conversas de governo e de muito "formador de opinião", gente com mais poder de divulgar palpites e defender seus interesses, mas nem por isso sempre capaz de enrolar ou convencer seus demais concidadãos. Nem de entendê-los.
A ira geral parece multifacetada e decorrente de interpretação bem mais realista do que se passa no país. Não entender essa revolta tende a dar em mais besteira.
O governo dá ênfase publicitária demais à corrupção, mais um sinal de alheamento da realidade e talvez outra tentativa equivocada de esperteza: desviar a atenção do colapso econômico. Pode ser também miopia política, reação ansiosa ao grande protesto de rua da elite paulista.
Corrupção não parecia problema maior na opinião pública no início de dezembro de 2014. Bem poderia ser. Em novembro, as notícias de prisão e rolos dos empreiteiros da Lava Jato fizeram manchetes por uma semana. Mas o Datafolha do início de dezembro indicava que a corrupção era o principal problema do país para apenas 9% dos entrevistados (ante 14% de meados do ano). Saúde, com 43% das citações, e segurança, 18%, vinham à frente.
Em fevereiro, a corrupção decerto passara a receber 21% das citações como o maior problema, ainda atrás de saúde (26%), bem adiante de desemprego (6%) e inflação (3%). Mas inflação e desemprego são pouco citados como "maior problema" faz muito tempo. O temor de que preços e desemprego aumentem, no entanto, explode desde dezembro.
De meados de 2014 a outubro da eleição houve um surto de otimismo econômico: de crença em promessas eleitorais. Mas em dezembro, o medo da alta de preços e do desemprego voltara aos níveis ruins de junho de 2013. O medo da inflação saltaria de 31% em outubro para 54% em dezembro e daí para o recorde de 81% em fevereiro e 77% em março. O desprestígio espantoso da presidente pareceu aumentar com o pessimismo e o abuso da confiança do eleitor. A corrupção não seria preocupação crescente o bastante para fazer tal estrago.
Pelo histórico do Datafolha, o medo de inflação e desemprego é um indicador de insegurança, de otimismo ou pessimismo, de confiança no governo, não importa muito a situação de preços e trabalho. Explica mais o prestígio do governante que resultado econômico de momento.
Logo depois da eleição, os brasileiros souberam que Dilma procurava um ministro da Fazenda "no mercado", de alta de juros e aumento da gasolina, entre outros desastres menos "pop": o estelionato eleitoral, em suma.
Em dezembro, viriam Pibinho e tarifaços. As notícias de corrupção eram rumor contínuo --difícil uma constante explicar uma variável, a alta medonha do desprestígio de Dilma. Em janeiro, mais tarifaço, pacote fiscal e o ministro da Fazenda que criticava em palavras e atos o governo Dilma 1, encerrado fazia dias.
A quebra da confiança depositada nas urnas e o início do arrocho parecem ter criado um clima para que todas as fúrias florescessem, algumas chamadas ou travestidas de corrupção. Deveria ser óbvio. Mas já se esquece.
Enfim, por mais feio que pareça, tudo isso ainda é trovoada. Ainda vai chover canivete.
(por Vinicius Torres Freire)
SAMUEL PESSÔA
Crescimento forte irá demorar
Matriz econômica de 2009 a 2014 desorganizou marcos institucional e legal, de jeito que é difícil ser otimista
Como já tratei inúmeras vezes neste espaço, a presidente alterou a política econômica na virada do primeiro para o segundo mandato. O ingrediente mais importante do ajustamento no início desta segunda metade do governo Dilma é um forte ajuste fiscal.
Há a expectativa de que, solucionado o desequilíbrio macroeconômico, o crescimento retornará logo. Dois episódios justificam esse otimismo: a recuperação em seguida à alteração do regime cambial na virada do primeiro para o segundo mandato de FHC, na qual já em 2000 a economia cresceu 4,3%; e a retomada em 2004, em seguida ao forte ajustamento macroeconômico na virada do governo FHC para o primeiro governo Lula, quando o crescimento foi de 5,7%.
Penso não haver muitos motivos para otimismo em relação ao crescimento da economia nos próximos anos --mesmo em seguida à arrumação dos desequilíbrios macroeconômicos-- em razão de uma diferença-chave entre o atual ajuste macroeconômico e os dois anteriores.
Essa diferença associa-se ao ocorrido no regime de política econômica, principalmente microeconômica, nos anos anteriores ao ajuste macroeconômico.
Os dois ajustes macroeconômicos anteriores ocorreram durante longo período no qual havia contínua evolução no marco institucional e legal. Além da melhora, aos trancos e barrancos, é verdade, da macroeconomia, aprimorávamos continuamente a microeconomia.
A forte aceleração do crescimento nesses dois episódios, após ano e meio ou dois anos do início do ajustamento macroeconômico, foi a colheita das melhoras institucionais que não se faziam sentir devido à desorganização macroeconômica. A arrumação da macroeconomia correspondia a tirar um bode da sala. O crescimento seguia-se naturalmente.
Esse fenômeno não irá ocorrer agora. O motivo é que a nova matriz econômica, o regime de política econômica que vigorou de 2009 até 2014, desorganizou o marco institucional e legal em diversos setores, além de, em tantos outros, ter estimulado sobreinvestimentos com retornos negativos ou muito baixos. Haverá um longo período de digestão dos investimentos ruins e de arrumação dos diversos marcos institucionais e legais que foram desorganizados.
Em termos históricos, estamos num momento que, guardadas as devidas proporções (muito melhores hoje do que antes), assemelha-se à década de 80. Naquela oportunidade, tivemos de arrumar toda a desorganização microeconômica produzida pelo segundo PND do governo Ernesto Geisel e os cinco anos do governo João Figueiredo, que empurrou com a barriga os desequilíbrios geiselistas.
Um bom exemplo desse tipo de problema nos dias de hoje ocorre no setor automobilístico. A indústria brasileira passou a sentir a competição das novas montadoras chinesas. A resposta foi aumentar em 30 pontos percentuais o IPI para os automóveis produzidos fora do Mercosul de montadoras que não cumprissem uma série de requerimentos de produção no Brasil.
A resposta das montadoras, principalmente as chinesas, foi instalar-se por aqui. Criou-se um parque produtivo e em crescimento de 5 milhões de veículos anuais para um mercado consumidor que dificilmente absorverá mais do que 2,5 milhões, 3 milhões de veículos por ano. A indústria automobilística brasileira encolherá fortemente nos próximos anos.
Além dos prejuízos para as montadoras, haverá forte perda para inúmeros trabalhadores que foram treinados para o setor e terão que se reinventar em outras atividades.
Muito melhor teria sido se, há uns dez anos, tivéssemos aprofundado a abertura do setor. Ele teria que encontrar nichos nas cadeias produtivas globais da indústria nos quais fôssemos competitivos e hoje teríamos uma indústria menor, provavelmente metade do tamanho, mas que conseguiria andar com suas próprias pernas.
O que ocorre nesse setor acontece também na indústria naval, no setor de petróleo, na construção civil, no setor sucroalcooleiro e em tantos outros. Sentiremos o peso dos erros do passado. O crescimento robusto demorará a aparecer.