Na FOLHA: Demissões em massa na construção civil unem capital e trabalho contra Dilma
VINICIUS TORRES FREIRE
Capital e trabalho contra Dilma
Construção civil acusa governo pelas demissões em massa no setor, o que mais desemprega no país
NESTE MARÇO AGOURENTO, os sem-teto de São Paulo e empresários da construção civil fazem protestos com alguns motivos idênticos, assim como trabalhadores demitidos de obras do PAC. Centrais sindicais e empresários do agrupamento Fiesp-BNDES também se associaram em críticas ao ajuste fiscal do governo. A coisa ora está mais quente na construção civil.
De qualquer modo, pode-se dizer de modo cínico que a ruína do governo Dilma 1 estimula insuspeitas alianças entre "capital e trabalho", "povo e burguesia", termos decrépitos que voltaram à conversa nestes dias de extremismos embolorados (precisamos de radicalismos novos).
Passando do geral ao particular, anteontem se confirmou o colapso no emprego na construção civil. Pelas informações do Ministério do Trabalho sobre o mercado formal de trabalho, a construção é o grande setor da economia que mais demite. O estoque de emprego formal caiu pela primeira vez desde 1999 de um ano para o outro. No conjunto, caiu cerca de 0,5%. Na indústria, quase 3%. Na construção civil, 7,5%.
O clima anda péssimo para o lado da construção civil, mas a notícia da queda do emprego formal e o ministro do Trabalho ter enfatizado que as empreiteiras demitem por causa dos rolos diversos decorrentes da Lava Jato entornaram o caldo. A Câmara Brasileira da Indústria da Construção Civil mandou protesto formal ao governo.
A turma ficara ainda mais irada com o fim abrupto e inesperado da desoneração dos impostos sobre a folha de salários (contribuição patronal para o INSS). Vinha de péssimo humor por causa dos atrasos de pagamentos do governo para várias obras, entre elas os trabalhos do Minha Casa, Minha Vida, querido da presidente e um dos poucos subsídios-investimento que vão restar depois do talho do ajuste fiscal.
Difícil dizer de quanto é a pendura, mas muita empresa está demitindo aos montes simplesmente porque não tem como pagar salário, dados os atrasos do governo. A baixa no emprego começara em abril de 2014, mais ficou inequivocamente feia em meados do ano, quando o governo passou a pendurar contas, pois o caixa minguava por causa da queda de receita e do descontrole geral de gastos.
O governo atrasa pagamentos mesmo para obras essenciais do PAC, como as da Ferrovia Oeste Leste, que deve ligar Tocantins ao litoral da Bahia. Já encrencado por tantas incompetências do governo, o projeto enguiça. O Sindicato dos Trabalhadores da Construção Pesada da Bahia diz que nesta semana houve mais de mil demissões, pois as empreiteiras não teriam recebido da estatal Valec.
Os empresários da construção de resto contam com o lançamento da ainda enrolada "terceira etapa" do Minha Casa, Minha Vida para amenizar a situação, reivindicação aliás que também motiva os protestos do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto de São Paulo, que tem parado ruas por aqui nesta semana.
Enfim, a paradeira geral prejudica setores que vão da incorporação imobiliária à construção civil. Consumidores devolvem apartamentos comprados na planta, há muita loja às moscas em shoppings novos e o volume de obras pesadas diminuirá de modo triste, pois o ajuste das contas do governo, na falta de opção, vai recair sobre o investimento.
Trabalho informal cresce em meio a aumento das demissões (Reuters)
BRASÍLIA (Reuters) - A onda recente de demissões tem empurrado cada vez mais trabalhadores para a informalidade no Brasil, deixando-os mais vulneráveis a uma recessão que pode ser a pior em 25 anos.
Dezenas de milhares de trabalhadores que perderam seus empregos com carteira assinada têm vivido de bicos ou trabalhado como autônomos enquanto procuram uma nova oportunidade. Nesse processo, muitas vezes deixam de contribuir para a Previdência Social e ficam com dificuldades para obter crédito.
O trabalho por conta própria, na maioria dos casos com rendimento inferior a 1.300 reais por mês, já representa 19,5 por cento de todas as ocupações nas principais cidades do Brasil - maior nível em oito anos, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para janeiro.
A história de pessoas como José Lúcio da Silva, 55, ilustra a intensidade com que a economia brasileira e o mercado de trabalho têm perdido o vigor da última década.
"O patrão falou que o serviço estava devagar. Sem serviço, quase. Então ele dispensou a gente," disse Silva, que trabalhou como impermeabilizador em obras em Brasília, com carteira assinada, ao longo dos últimos 30 anos.
Ele está a apenas cinco anos da aposentadoria - mas antes quer voltar a trabalhar com carteira assinada e continuar a contribuir para a Previdência.
"Não é toda hora que tem um bico para você fazer. Tem um biquinho aqui, outro ali, mas às vezes demora para aparecer."
O enfraquecimento do mercado de trabalho é um problema para a economia brasileira, já estagnada, e para a presidente Dilma Rousseff, que conseguiu a reeleição em outubro passado em grande medida graças ao baixo desemprego.
Desde então, a popularidade dela despencou, com 62 por cento das pessoas julgando seu governo como "ruim" ou "péssimo", segundo pesquisa do Datafolha divulgada nesta semana. [nL2N0WK0EX]
Embora os dados mais recentes do IBGE não tenham detalhes sobre renda ou escolaridade, outros levantamentos revelam que o trabalhador por conta própria típico é homem, de meia idade, com atividade de baixa ou média renda. Mais da metade trabalha na agricultura, construção ou comércio, seja como vendedor ambulante ou representante autônomo.
O trabalhador por conta própria não é considerado um desempregado, a menos que se declare como tal, o que ajuda a manter a taxa de desemprego em níveis relativamente baixos <BRUNR=ECI>. Apenas um quarto desses trabalhadores contribui para a Previdência.
Fora do mercado formal, eles pagam menos impostos, o que também prejudica os esforços do governo de ampliar a arrecadação, reduzir o déficit fiscal e manter o grau de investimento da dívida pública.
O Brasil já teve momentos muito piores: o mercado de trabalho continua bem mais robusto que no início dos anos 2000, quando a taxa de desemprego rondava os 13 por cento e o salário mínimo era um terço dos 788 reais de hoje.
Anos de rápido crescimento econômico e políticas de combate à pobreza ajudaram a tirar milhões de pessoas da pobreza; até poucos anos atrás, o emprego avançava tão rapidamente que era difícil encontrar pintores ou faxineiras disponíveis.
Esse avanço, no entanto, estancou.
O ministro-chefe da Secretaria da Micro e Pequena Empresa, Guilherme Afif Domingos, disse que o governo trabalha para garantir que todos os trabalhadores autônomos sejam devidamente registrados.
"O emprego se tornou muito instável," disse Afif, que trabalha com o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, em um projeto de lei para ampliar o regime tributário facilitado para trabalhadores autonômos e pequenas empresas, o SuperSimples. "Se o mercado não facilita contratação, sem dúvida ele corre para trabalhar por conta própria."
Apesar do aumento do trabalho por conta própria, o número de inscritos no cadastro de empreendedores individuais do governo tem aumentado a uma taxa mais moderada nos últimos meses, de acordo com dados do próprio governo.
Enquanto isso, o número de trabalhadores com carteira assinada caiu 1,9 por cento em janeiro ante janeiro de 2014, maior taxa anual em 11 anos, em mais um sinal de que a informalidade tem aumentado após anos de queda contínua ao longo da década passada.
"SEM UM CENTAVO"
Altos impostos e contribuições sociais fazem do Brasil um dos lugares mais caros do mundo para o emprego formal.
Empresas precisam pagar 17 mil dólares ao ano em impostos e contribuições para cada 30 mil em salários, mais do que o dobro da média global, segundo um estudo de 2013 da consultoria britânica UHY. No México, esse custo é inferior a 7 mil dólares.
Mais de 600 mil empregos formais foram fechados desde outubro <BRPROL=ECI>, segundo dados do governo. Nos dois primeiros meses do ano, a perda chega a 80 mil vagas. A situação deve piorar ao longo deste ano, de acordo com 69 por cento das pessoas entrevistadas pelo Datafolha, já que a economia não cresce. Segundo expectativas do mercado, o PIB deve encolher 0,8 por cento este ano, pior taxa desde 1990.
A taxa de pessoas trabalhando por conta própria tem aumentado desde o final de 2012. Antes disso, o único período de crescimento no passado recente foi em 2009, logo após a crise financeira internacional, mas que durou pouco.
"Eu ficaria surpreso se a gente conseguisse uma retomada como em 2009. Lá tinha uma crise internacional, mas com mercado interno aqui ainda forte," disse Carlos Henrique Corseuil, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Mário Ramos, 47, diz que não pode esperar muito. Depois de perder o emprego como vigia no ano passado, seu seguro-desemprego terminou em janeiro. Agora ele pensa em vender sua pequena chácara na periferia de Brasília para tentar comprar um caminhão e fazer entregas.
"Não tenho nenhum centavo na minha carteira."
Dilma diz que não mudará ministério e frustra aliados
Reforma não 'resolve os problemas' e ajuste será 'pontual', afirma presidente
Um dia após demissão de Cid Gomes, petista diz que não levará em consideração partidos ao escolher substituto
DE BRASÍLIA
Ao afirmar que uma reforma ministerial não "resolve os problemas" e que não pretende "alterar nada e ninguém", a presidente Dilma Rousseff desagradou setores do PMDB e do próprio governo que defendem mudanças para tentar superar a crise política e acalmar os mercados.
Dilma falou sobre o assunto nesta quinta (19) em evento no Palácio do Planalto, um dia após ser obrigada a aceitar a demissão de seu ministro da Educação, Cid Gomes, para evitar que o PMDB deixasse de apoiá-la na Câmara.
Cid havia atacado o principal aliado de Dilma no Congresso durante sessão na Câmara, acusando a sigla de chantagear a presidente para ter mais espaço no governo.
Dilma afirmou também que não levará em consideração os partidos que a apoiam ao escolher um substituto para Cid Gomes na Educação, mudança que classificou como uma "alteração pontual".
"Vocês [jornalistas] estão criando uma reforma que não existe", afirmou a presidente. "Não tenho perspectiva de alterar nada nem ninguém, mas as circunstâncias às vezes obrigam você a alterar, como foi o caso da Educação. Não tem reforma ministerial."
A fala de Dilma gerou preocupação entre assessores e peemedebistas, porque eles avaliam que o governo precisa fazer "rapidamente" uma reforma ministerial que acalme a base aliada, principalmente o PMDB, para garantir a aprovação do ajuste fiscal.
As declarações de Dilma também foram mal recebidas no mercado. A cotação do dólar, que vinha caindo no início do dia, passou a subir em seguida e fechou a R$ 3,305, maior valor em quase 12 anos.
Assessores presidenciais tentaram relativizar as declarações. Segundo eles, Dilma fará ajustes em sua equipe, como trazer o ex-presidente da Câmara Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN).
Mas ela não quer admitir que essas mudanças sejam uma reforma ministerial antes de completar três meses de seu segundo mandato.
Ela analisa ainda tirar o ministro Pepe Vargas da articulação política do governo e entregar a pasta ao PMDB, que também pode herdar o Ministério da Integração Nacional, hoje controlado pelo PP.
Para evitar ser acusado de fisiológico, o PMDB pensa em formalizar à presidente uma proposta de reforma administrativa, cortando quase pela metade o número de ministérios, hoje 39. Segundo um líder peemedebista, o governo daria seu exemplo e o Congresso teria mais argumentos para aprovar o ajuste fiscal.
Na entrevista desta quinta-feira, Dilma disse que o Ministério da Educação não será "dado para ninguém" e avisou que vai "escolher uma pessoa boa para educação, não a pessoa desse, daquele ou de outro partido". Segundo ela, o nome será escolhido "o mais rápido possível".
Para Dilma, uma reforma não resolverá a crise em que seu governo mergulhou. "Reforma ministerial [não] é uma panaceia, ou seja, não resolve os problemas." O que resolve os problemas, disse, são medidas práticas e diálogo. "Precisa dessa capacidade de escutar os outros lados".
O ministro Aloizio Mercadante, chefe da Casa Civil, afirmou que a saída de Cid Gomes foi motivada por um "incidente político grave" e pela falta de "condições políticas" após o embate na Câmara: "Acho que ninguém desejava que isso pudesse se transformar no episódio que tivemos, mas aconteceu".
O ministro negou que a saída de Cid tenha resultado de pressão do PMDB. "Ele achava que não havia mais condições políticas porque a presença dele prejudicaria a relação do Congresso Nacional com o MEC. Foi uma iniciativa dele e foi imediatamente aceita pela presidente."