Uma radiografia da destruição do real - ou: não há economia forte com uma moeda doente
Quem foi o responsável por isso? Nós brasileiros. E, como consequência dessa nossa "gentileza", esses mesmos alimentos ficaram bem mais caros para nós.
Com o esfacelamento do real perante todas as moedas do mundo — e ainda mais intensamente perante o dólar —, a aquisição de trigo, café, soja, açúcar, laranja e carne do Brasil ficou muito mais barata para os americanos e estrangeiros em geral.
Consequentemente, os produtores brasileiros dessas commodities passaram a vendê-las em maior quantidade para o mercado externo, gerando uma diminuição da sua oferta no mercado interno e um aumento dos seus preços.
Fartura para os estrangeiros, carestia para nós.
Os preços da carne bovina, por exemplo, que foram até motivo de debate na campanha eleitoral, seguemcrescendo. E, nesse caso, a desvalorização do câmbio tem um efeito duplo: de um lado, ela aumenta as exportações e reduz a oferta interna; de outro, ela encarece o preço da soja (a soja é uma commodity precificada em dólar. Se o real se desvaloriza perante o dólar, o preço da soja em reais aumenta). E, dado que o farelo de soja é utilizado como ração para bovinos, o encarecimento da soja encarece todo o processo de produção. (Apenas neste mês de março, a tonelada do farelo de soja subiu de R$ 1.070 para R$ 1.250)
Consequentemente, os preços da carne são pressionados tanto pela diminuição da oferta quanto pelo encarecimento da produção. Por trás de tudo, está o câmbio.
E o problema é que a desvalorização cambial não se restringe apenas ao setor alimentício ou às commodities. Tampouco a desvalorização cambial, ao contrário do que muitos pensam, afeta apenas os preços de bens importados.
A desvalorização cambial é um fenômeno que gera carestia generalizada em praticamente todos os bens e serviços do mercado interno, pois ela gera um efeito em cascata.
Além de encarecer alimentos (em decorrência dos fenômenos acima descritos), remédios (85% da química fina é importada), e todos os importados (de eletroeletrônicos e utensílios domésticos a roupas e mobiliários), a desvalorização cambial também encarece os preços das passagens aéreas (querosene é petróleo, e petróleo é cotado em dólar), das passagens de ônibus (diesel também é petróleo), e até mesmos os preços dos alugueis e das tarifas de energia elétrica (ambos são reajustados pelo IGP-M, índice esse que mensura commodities e matérias-primas, ambas sensíveis ao dólar).
E o aumento do aluguel e o encarecimento da eletricidade, por sua vez, afetam os custos de todos os estabelecimentos comerciais, os quais terão de elevar os preços de seus produtos e serviços (o cabeleireiro e a manicure cobrarão mais caro, assim como o dentista e a oficina mecânica).
E todos esses aumentos generalizados farão com que os autônomos que atuam no setor de serviços — o eletricista e o encanador comem pão e carne, cortam cabelo, pagam conta de luz e levam seus carros para consertar — também tenham de aumentar seus preços.
Ou seja, não há escapatória: uma desvalorização cambial mexe com toda a estrutura de preços da economia.
Por que uma moeda fraca afeta negativamente toda a economia
A saúde de uma economia é totalmente dependente da saúde de sua moeda. Dado que o dinheiro representa a metade de toda e qualquer transação econômica, a robustez da moeda irá determinar a saúde de toda a economia. Se a moeda enfraquece, a economia vai junto. Se a moeda fica doente, a economia também adoece.
Não há como uma economia se fortalecer se a sua moeda está enfraquecendo.
Classicamente, o dinheiro tem a função de ser um meio de troca. Mas, além de facilitar as transações econômicas, o dinheiro também tem a função de mensurar o valor dos bens e serviços. Ao vender ou comprar qualquer bem ou serviço — seja um carro, um apartamento ou uma mão-de-obra —, você o precifica em unidades monetárias. O dinheiro é a régua com a qual você faz essa mensuração. Toda a riqueza material que possuímos é mensurada pela nossa moeda.
Daí os economistas clássicos, à sua época, defenderem a ideia de que a moeda, para ser eficaz, deveria ser a mais estável possível. Tais economistas corretamente compreenderam que ter uma moeda fiduciária, não lastreada por nada, e cujo valor flutuasse constantemente seria o equivalente a utilizar unidades de medida que flutuassem diariamente.
Imagine o que ocorreria se a definição de metro, grama e minuto fosse alterada diariamente? Num dia, o metro tem 100 centímetros; no dia seguinte, o metro se desvaloriza e passa a valer 95 centímetros. Depois, se valoriza e passa a ter 107 centímetros. Como seria possível fazer qualquer obra dessa maneira?
Assim como um metro flutuante e um minuto flutuante gerariam vários erros de construção, de cálculo e de planejamento, um dinheiro flutuante gera uma enorme quantidade de investimentos insensatos, uma grande desarmonia nas transações e um profundo caos no cálculo econômico.
Por isso, ao longo da história humana, o ouro sempre foi a mercadoria naturalmente escolhida para servir como meio de troca e unidade de conta. Sua tradicional estabilidade como unidade de conta fez dele uma escolha natural para definir aquilo que hoje conhecemos como dinheiro.
(Em dezembro de 2008, um arqueólogo britânico descobriu, nos arredores de Jerusalém, aproximadamente 300 moedas de ouro datadas de 600 d.C., todas elas emitidas pelo imperador bizantino Heráclio, e todas elas valendo o mesmo tanto que valiam há 1.400 anos, se não mais.)
Hoje, infelizmente, a teoria econômica que se tornou dominante — e que é adotada por quase todos os governos — inverteu completamente essa lógica. Os economistas de hoje não mais veem o dinheiro como uma unidade de conta que deve ser a mais estável possível. Não. Eles querem flutuar o metro, o minuto e o grama. Eles querem ter uma régua, um relógio e uma balança que sejam diariamente alterados. E eles genuinamente acreditam que isso gera desenvolvimento econômico.
Os economistas de hoje acreditam que uma unidade de conta sem qualquer âncora, totalmente volúvel e flutuante, turbina a atividade econômica. Pior ainda: dentre esses economistas, há aqueles que vão ainda mais além e dizem abertamente que, quanto mais distorcida for nossa unidade de conta, maior será a nossa criação de riqueza e maior será nosso desenvolvimento. "Destrua a moeda, e surgirão uma Apple, uma Microsoft e uma Google", parece ser o lema.
A crença, sem nenhuma lógica, é a de que uma moeda desvalorizada, sem poder de compra, irá estimular as pessoas a produzir mais e melhor, e a investir com mais sapiência. "Altere fortemente a definição de metro, minuto e grama, e amanhã viramos uma Suíça".
Eis o principal problema com esse raciocínio: quando investidores investem, eles estão, na prática, comprando um fluxo de renda futura. Para que investidores invistam capital em atividades produtivas, eles têm de ter um mínimo de certeza e segurança de que terão um retorno que valha alguma coisa.
Mas se a unidade de conta é diariamente distorcida e desvalorizada, se sua definição é flutuante, há apenas caos e incerteza. Se um investidor não faz a menor ideia de qual será a definição da unidade de conta no futuro (sabendo apenas que seu poder de compra certamente será bem menor), o mínimo que ele irá exigir serão retornos altos em um curto espaço de tempo.
É exatamente por isso que, em países cuja moeda tem histórico de alta desvalorização, (alta inflação de preços), são raros os investimentos vultosos de longo prazo. É por isso que, em países cuja moeda tem histórico de alta desvalorização, os juros são altos. É por isso que, em países cuja moeda tem histórico de alta desvalorização, os bens produzidos são de baixa qualidade. É por isso que, em países cuja moeda tem histórico de alta desvalorização, as pessoas são mais pobres.
E é exatamente por isso que uma moeda forte e estável é indispensável para o crescimento econômico. Quando a moeda é estável, investidores têm mais incentivos para se arriscar e financiar ideias novas e ousadas; eles têm mais disponibilidade para financiar a criação de uma riqueza que ainda não existe. O investimento em tecnologia é maior. O investimento em soluções ousadas para a saúde é maior. O investimento em infraestrutura é maior. O investimento em ideias para o bem-estar de todos é maior.
Já quando a moeda é instável — ou passa por períodos de forte desvalorização —, os investidores preferem se refugiar em investimentos tradicionais e mais seguros, como imóveis e títulos do governo. Não há segurança para investimentos de longo prazo, que são os que mais criam riqueza.
Uma moeda instável desestimula investimentos produtivos. E, consequentemente, age contra o crescimento econômico.
É por isso que nenhum país que tem moeda instável e com baixo poder de compra produz bens de qualidade e que são altamente demandados pelo comércio mundial. Todos os bens de qualidade são produzidos em países com inflação baixa e moeda forte. Apenas olhe a qualidade dos produtos alemães, suíços, japoneses, americanos, coreanos, canadenses, cingapurianos etc.
Uma moda fraca e instável, portanto, não apenas afeta todos os preços internos de um país (se a moeda está fraca, então será necessária uma maior quantidade dela para adquirir o mesmo bem), como também enfraquece toda a economia.
Não há escapatória: moeda fraca, investimentos baixos, economia fraca, carestia alta. Sem exceção.
A prática no Brasil
Toda essa longa digressão foi para explicar o que está ocorrendo no Brasil. Nossa moeda está doente. E essa doença da moeda é, sem dúvida, o grande catalisador da insatisfação generalizada com o governo Dilma.
Este artigo exibe 20 gráficos que mostram que, durante o governo Dilma, o real se tornou uma moeda assustadoramente instável e fraca, tendo se desvalorizado até mesmo perante as moedas do Haiti, do Paraguai e da Bolívia.
Mas mensurar o real perante outras moedas igualmente fiduciárias ainda não conta toda a história. Para ver a verdadeira saúde da moeda é necessário compará-la ao ouro — mais especificamente, a evolução do preço do ouro nesta moeda.
O ouro sempre foi a constante historicamente usada para mensurar objetivamente a robustez de uma moeda. Se o preço do ouro está subindo, a moeda está enfraquecendo; se o preço do ouro está caindo, a moeda está se fortalecendo.
No que mais, dado que o ouro é uma commodity que é literalmente transacionada diariamente e a todo o momento, o preço do ouro representa um indicador instantâneo que expõe, antes de todas as outras estatísticas posteriormente coletadas, os erros (e os acertos) da política monetária.
E como se comportou o real, desde sua criação, perante o ouro? O gráfico abaixo mostra o preço, em reais, de um grama de ouro desde 1º de julho de 1994 (ignore aquelas linhas verticais; é defeito do algoritmo do Banco Central):
Gráfico 1: preço, em reais, de um grama de ouro.
O gráfico revela informações muito interessantes:
1) Quando nasceu, eram necessários R$ 10,50 para comprar 1 grama de ouro. Hoje, são necessários R$ 120. Isso significa que o real já se desvalorizou 91% desde sua criação.
2) Houve dois períodos em que o real foi relativamente estável perante o ouro: de julho de 1994 a dezembro de 1998, e de janeiro de 2004 a agosto de 2008.
3) Esses dois períodos foram justamente aqueles em que o percentual de pobreza extrema mais caiu: 30% de 1993 a 1998, e 50% de 2003 a 2008.
4) Também foi durante estes dois períodos que a inflação de preços acumulada em 12 meses mais caiu: de 5.000% em junho de 1994 para 1,65% em dezembro de 1998, e de 17% em maio de 2003 para 3% em abril de 2007 (depois subindo para 6% em meados de 2008, em grande parte por causa da grande carestia mundial vivenciada pelos alimentos e pelo petróleo naquela época).
5) Já os dois períodos de maior descontrole foram os de 1999 a 2002, quando o preço do ouro quadruplicou e a pobreza extrema aumentou quase 10% (ver os dois links do item 2), e de meados de 2008 até hoje, em que o preço do ouro subiu 2,8 vezes. E, embora a pobreza extrema ainda tenha sido reduzida de 2008 até 2012, seu ritmo de queda foi bem mais lento (ver links do item 2). E, em 2013, a pobreza extrema voltou a subir.
6) Como era de se esperar, o investimento explodiu logo após a criação do real, chegando a 24% do PIB no segundo semestre de 1994, taxa até então insuperada. E se manteve em torno dos 20% até 1998. Depois, caiu 9% de 2000 a 2003. Já de 2003 a 2008, nova disparada, com um aumento de 25% (de 15,3% para 19,1% do PIB). A partir de 2008, no entanto, e como era de se esperar só de olhar o gráfico, o investimento estagnou.
7) Quando a moeda começa a se desvalorizar mais intensamente, ocorre aquilo que Mises chamou de "corrida para ativos reais": os investidores, em vez de aplicar seu capital em investimentos produtivos e criativos, passam a investir em ativos que oferecem proteção contra a desvalorização da moeda. Investimento em imóveis é a forma mais tradicional no Brasil. Não é de se surpreender, portanto, que a explosão nos preços dos imóveis no Brasil tenha ocorrido entre 2006 e 2012 (período em que o preço do ouro aumentou 3,5 vezes).
8) O atual momento de forte desvalorização do real, que gerou contração nos investimentos, sintetiza bem o descontentamento com o atual governo. O grama do ouro nunca esteve tão caro na história do real, e o ritmo da desvalorização só perde para o de janeiro de 1999. A população está perdendo seu poder de compra aceleradamente.
Não é à toa que a confiança do empresariado despencou forte e está no menor nível da série histórica:
9) No entanto, caso a atual desvalorização do real (veja a extremidade direita do gráfico 1) se mantenha, não descarte uma ressurreição na atividade imobiliária para fins puramente especulativos e de proteção de riqueza.
Vale repetir: quando a moeda se torna instável e se desvaloriza fortemente, o investimento deixa de ter fins produtivos e passa a se concentrar em atividades puramente especulativas, com o intuito de proteger a riqueza.
Nos Estados Unidos
Agora vejamos os Estados Unidos.
Lá, é possível perceber fenômenos idênticos. O gráfico a seguir mostra a evolução do preço de uma onça (31,1 gramas) de ouro em dólares:
Gráfico 2: preço, em dólares, de uma onça (31,1 gramas) de ouro
Algumas breves constatações:
1) Até 1971, o dólar era ancorado ao ouro. Em agosto de 1971, o presidente Nixon aboliu essa âncora, e o dólar passou a flutuar.
2) Como mostra o gráfico, a década de 1970 foi a década perdida dos EUA, principalmente o período 1976-1980, com a famosa estagflação do governo de Jimmy Carter.
3) Imediatamente após a flutuação do dólar, ocorreram nada menos do que 3 recessões em apenas 8 anos (áreas cinzas).
4) No entanto, de 1983 a 2000, o preço do dólar se manteve relativamente estável em relação ao ouro. Naturalmente, esses foram os anos da pujança americana. Alto crescimento, fartos investimentos, baixa inflação de preços, padrão de vida inigualável, pujança tecnológica, domínio econômico global. A quantidade de pessoas empregadas em relação à população total alcançou um nível que não mais foi superado. Vale observar que grandes empresas tecnológicas como Microsoft, Intel e Apple, embora tivessem sido criadas em décadas anteriores, só realmente se expandiram forte na década de 1980, quando abriram seu capital. Adicionalmente, aCisco foi criada na década de 1980, e a Google, em 1998. E não nos esqueçamos da incrível Amazon, fundada em 1994.
5) A partir de 2002, o dólar começa a se desvalorizar fortemente. A Guerra do Iraque, iniciada em março de 2003, acelerou ainda mais a desvalorização. Entre 2002 e 2008, o preço da onça de ouro pula de US$ 300 para quase US$ 1.000. E, como explicou Mises, isso gerou uma corrida para ativos reais, que culminou na bolha imobiliária. As pessoas pegavam empréstimos, compravam imóveis e revendiam a preços ainda maiores. É por isso que há quem diga que a bolha imobiliária americana nada mais foi do que uma inevitável reação das pessoas à desvalorização do dólar.
6) Embora o gráfico possa enganar, vale ressaltar que a desvalorização do dólar no período 2008 a 2012 foi percentualmente bem menor que a do período 2002—2008.
7) Caso a atual tendência de estabilidade do dólar se mantenha, a economia americana tem tudo para se recuperar em definitivo.
8) Observe que, de 2003 a meados de 2008, nossa moeda foi muito mais bem gerida que o dólar. Daí a grande popularidade de Lula (leia-se: Henrique Meirelles).
Um breve comentário sobre o salário mínimo no Brasil
Recentemente, a imprensa anunciou com estardalhaço que o poder de compra do salário mínimo em janeiro deste ano foi o maior desde 1965. Só que a fonte desse "estudo" é o próprio Banco Central, o mais interessado em propagandear notícias a seu favor.
Utilizando uma metodologia completamente convoluta, a mesma instituição que está nos agraciando com um IPCA de quase 8% se autopromoveu desavergonhadamente e a mídia docilmente reportou sem contestar. Desnecessário dizer que, se tal notícia fosse realmente verídica, a aprovação do governo Dilma entre a população que ganha salário mínimo não seria a pior desde o final do governo Collor.
Portanto, façamos o que é certo: comparemos o salário mínimo à commodity que historicamente sempre foi utilizada para mensurar a robustez de uma moeda.
O gráfico a seguir mostra, em termos diários, quantos gramas de ouro o salário mínimo (veja aqui os valores) comprava.
Gráfico 3: quantos gramas de ouro um salário mínimo compra
Veja como a história fica bem diferente.
1) O maior valor do salário mínimo foi alcançado em agosto de 1998. Naquela época, um salário mínimo comprava 12,38 gramas de ouro. Não é de se estranhar, portanto, que Fernando Henrique tenha sido o único presidente a se reeleger no primeiro turno.
2) O crescente valor do salário mínimo (estipulado pelo governo) de 1994 a 1998 explica por que o desemprego naquela época foi alto. Nada mais do que a velha teoria econômica em ação.
3) A abrupta queda no poder de compra do salário mínimo de 1999 a 2002 (terminou 2002 comprando apenas 5 gramas de ouro) destruiu a reputação de FHC entre os mais pobres.
4) De 2003 a meados de 2008, o poder de compra do salário mínimo dobrou. Mas, ainda assim, era equivalente ao valor do primeiro semestre de 1997, e bem abaixo do poder de compra alcançado em meados de 1998. No entanto, tamanha recuperação foi o suficiente para garantir a elevada popularidade de Lula.
5) Durante todo o governo Dilma, o poder de compra do salário mínimo tem sido um dos mais baixos da história do real. Isso ajuda a explicar o baixo desemprego (que, estatisticamente, é o mais baixo da história do real). De novo, nada mais do que a velha teoria econômica em ação.
Conclusão
O artigo foi iniciado falando sobre como nós estamos garantindo a boa, farta e barata mesa dos americanos, e à custa de nosso próprio estômago. A extremidade direita dos gráficos 1 e 2 explica a história. Não é que o dólar esteja se valorizando (ele está, é fato); o real é que está sendo impiedosamente destruído.
A desvalorização do real é um fenômeno que gera uma bonança para os consumidores estrangeiros e carestia para todos os consumidores nacionais. Nossa renda efetiva cai, nosso poder de compra cai, a confiança despenca, os investimentos desabam, a economia degringola, a pobreza aumenta. E nossos produtos, inclusive alimentos, são mandados para fora a um volume maior.
É justamente por isso que é irônico ver economistas de esquerda defendendo desvalorização da moeda como forma de estimular o crescimento econômico. Além de não fazer nenhum sentido econômico (adulterar a unidade de conta da economia não gera crescimento; ao contrário, gera desinvestimento), é difícil imaginar uma medida mais anti-povo do que essa.
A população foi às ruas protestar não só por causa da corrupção. Ela foi às ruas porque a moeda está sendo destruída a um ritmo que mais parece a aceleração de um Fórmula 1, e isso afeta diretamente a qualidade de vida, o bem-estar e robustez da economia.
A conta de luz subiu 50%. O dólar está em R$ 3,25. O país está em recessão. O desemprego chegou. A tabela do imposto de renda não foi corrigida para compensar a perda do poder de compra da moeda. Encher o tanque ficou bem mais caro. A Petrobras não consegue publicar seu balanço há seis meses por conta de um esquema de corrupção que desviou, por baixo, R$ 88 bilhões de seus cofres. O BNDES empresta bilhões de reais paraditaduras e se nega a prestar contas desses empréstimos. O ex-presidente ameaçou colocar um exército paralelo nas ruas para coibir quem pensa diferente. O governo paga pessoas para se manifestarem a seu favor.
E, no entanto, se você reclama de algo, você só o faz porque é da "elite branca" que odeia pobres.
Chegamos a um ponto em que nem sequer podemos mais reclamar da destruição da nossa moeda e da perda do nosso poder de compra. Não mais podemos reclamar que o governo está, mais uma vez, desarranjando a economia e nossa qualidade de vida. Se você faz isso, você é rotulado de "elite branca". E por pessoas que juram que isso é um argumento.
Voltamos ao jardim de infância.
Aqui vai uma dica para Michel Temer: quer se tornar popular quando assumir o governo? Estabilize a moeda em relação ao ouro. As consequências são incríveis. Não é teoria. É empiria.
Por que o preço internacional dos alimentos está caindo? (BBC Brasil)
Os preços globais dos alimentos caíram ao nível mais baixo em quase cinco anos, com um declínio acentuado no setor dos cereais, carne e açúcar e uma estabilização das oleaginosas.
De acordo com o índice de preços da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO, na sigla em inglês), seguindo uma tendência que já existia, em fevereiro houve uma queda média de 1% em relação a janeiro.
O índice da FAO mede a evolução mensal global dos preços de exportação de uma cesta composta por cereais, oleoginosas, laticínios, carne e açúcar. Apenas os laticínios tiveram aumento.
Concepción Calpe, economista sênior do Departamento de Comércio da FAO, listou as razões por trás desta queda:
"Elevada produção global, preços baixos das oleaginosas, subida do dólar e demanda limitada de grandes importadores, incluindo a China. A situação atual é exatamente o oposto do que havia ocorrido em 2007 e 2008, quando houve uma disparada no preços dos alimentos ", disse à BBC.
TEMPESTADE PERFEITA
Em 2007 e 2008, a China crescia a taxas de dois dígitos, os preços do petróleo estavam nas nuvens, a demanda havia estimulado altos investimentos e bancos e fundos de pensão aqueciam o mercado mundial de bens básicos.
As peculiaridades dos países produtores influem no preço final do produto
Foi a "tempestade perfeita" sobre os preços dos alimentos e outras matérias primas, que atingiram níveis exorbitantes pouco antes da crise financeira de 2008.
O panorama agora é exatamente o oposto.
Em fevereiro, os cereais caíram 3,2% em relação a janeiro; a carne, 1,4%, e o açúcar 4,9%, enquanto as oleaginosas ficaram estáveis.
Apenas os produtos lácteos aumentaram (4,6%).
"Além de fatores comuns, como o preço do petróleo e do dólar, cada produto tem sua própria dinâmica, que depende das peculiaridades de seu mercado", disse Calpe.
A queda do trigo respondeu ao aumento da produção de grandes exportadores.
Na carne, houve uma clara diferença entre carne bovina, de carneiro e cordeiro, que perderam valor, ante os preços mais estáveis de aves e o aumento de suínos.
Em relação ao açúcar, a queda foi devido ao aumento da produção do Brasil, o maior exportador do mundo, e o anúncio de subsídios para as exportações da Índia.
No caso das oleaginosas, que englobam da soja ao azeite de oliva, pesaram os subsídios ao biodiesel na Indonésia e o impacto das inundações em um dos maiores produtores, a Malásia.
SOBE E DESCE
A relação entre o preço internacional do produto e o que paga o consumidor paga é complexa.
Um fenômeno comum é que os preços ao consumidor subam quando há um aumento nas exportações, mas com menos frequência caem quando elas diminuem.
Este fenômeno é muitas vezes visto no preço da gasolina, que flutua com os valores internacionais do petróleo, ou com o pão e massa, influenciados pelo preço do trigo.
"O preço pago pelo consumidor depende de muitos fatores. O transporte, as margens de lucro dos supermercados, os diferentes intermediários na cadeia. O consumidor não compra trigo. Compra pão ou massa, que tem entre seus ingredientes o trigo. A isso se somam outros fatores, como o câmbio, que tem impacto tanto para países importadores como exportadores", observa Calpe.
DÓLAR
A desvalorização da moeda local pode produzir um forte aumento dos preços em um país que importa alimentos, já que é preciso pagar mais em dólares pelos produtos comprados.
Curiosamente, o efeito pode ser semelhante em alguns países exportadores, porque a desvalorização favorece as vendas externas.
Os preços ao consumidor acabam aumentando no próprio país, porém, porque os exportadores procuram igualar o preço no mercado interno, em moeda local, ao que obteriam em dólares se vendessem para o exterior.
Há temor de retorno a sistema em que trocas comercias desfavoreciam países em desenvolvimento
Os preços também são afetados pela estrutura socioeconômica e política dos países dominantes em cada mercado.
Laticínios, grãos e carnes têm uma forte presença nos EUA, Austrália, Nova Zelândia, Argentina, Brasil e Europa.
Em mercados como o cereal se somam a estes países Ucrânia e Cazaquistão.
Em oleaginosas, Brasil, Malásia, Indonésia, EUA e Argentina são os atores dominantes.
As peculiaridades de cada um desses países terão impacto sobre o valor final do produto.
TENDÊNCIA HISTÓRICA
Em grande parte do século 20, a evolução do preço de produtos primários - incluindo alimentos - era muito inferior ao de produtos manufaturados exportados pelos países desenvolvidos.
Essa situação ficou conhecida como "teoria das trocas desiguais".
Ela dificultava as perspectivas de desenvolvimento de países que dependiam de produtos primários para alavancar suas economias.
"Esta situação mudou em 2007, 2008, com a incorporação da China e da Índia ao mercado global e gerou muito interesse em bancos e instituições financeiras, que começaram a ter seus próprios departamentos de commodities. Muitos dizem que esta presença financeira afetou os preços por meio de especulação. Não há nenhuma pesquisa conclusiva sobre isso, mas o que está claro é que teve influência na volatilidade dos preços", diz Calpe.
A mudança favorável nos termos de troca de produtos manufaturados e produtos primários permitiu um enorme crescimento econômico e social de países em desenvolvimento, como visto na América Latina.
Entre 2002 e 2012, a região cresceu a uma média de 5% ao ano e tirou cerca de 100 milhões de pessoas da pobreza.
Mas há um ponto de interrogação sobre as perspectivas econômicas da região.
FUTURO
Será que estamos voltando para o modelo exclusivo de troca desigual entre produtos manufaturados e primários que existia no século 20?
O mercado de alimentos, muitas vezes, tem um comportamento diferente das commodities industriais.
Enquanto este último depende mais do crescimento da economia mundial por causa de sua ligação direta com os processos de produção - petróleo, cobre ou aço são exemplos clássicos - os alimentos têm uma demanda menos variável.
A não ser que haja uma crise extrema, os países continuam a consumir alimentos.
Ainda assim, muitos bancos e departamentos estão fechando seus departamentos de commodities.
Na FAO, impera a cautela na hora de fazer futurologia sobre o comportamento do mercado de alimentos.
"Eles dependem de muitos fatores. Em termos de oferta e demanda, vemos uma tendência de queda, mas como se pode prever o preço do dólar ou do petróleo ou as políticas agrícolas dos países ou fatores que afetam a oferta e clima? São muitas variáveis para fazer uma previsão exata", disse Carpe à BBC.
Ainda assim, os exportadores de alimentos na região devem se preparar para tempos de vacas magras.