"E Lula?", por ELIANE CANTANHEDE (Estadão)

Publicado em 18/03/2015 14:53
na página de opinião do jornal O Estado de S. Paulo

Milhões de pessoas foram às ruas gritando "Fora Dilma" e "Fora PT". É só impressão, ou ficou faltando alguém no foco central da irritação popular e na defesa da presidente e do partido? Onde o ex-presidente Lula se encaixa nisso tudo?

Dilma Rousseff, economista, técnica em energia e militante histórica do PDT brizolista, nunca tinha sido eleita para coisa nenhuma, nem vereadora de interior, até virar presidente da República. Só se candidatou a tanto e foi vitoriosa por causa de... Lula. Sem ele, ela jamais teria chegado nem perto dos Palácios do Planalto e da Alvorada.

E o PT? Chegou no fundo do poço por sua conta e risco? Afinal das contas, tanto o mensalão quanto o escândalo da Petrobrás começaram já no início do primeiro mandato de Lula.

Se Dilma tem culpa pela bagunça na economia, Lula tem responsabilidade por tê-la colocado na Presidência e pela herança de mensalões e petrolões. No mínimo, as responsabilidades têm de ser divididas, porque nada disso teria acontecido e perto de 2 milhões de pessoas não teriam saído do aconchego do seu lar para despejar irritação nas ruas se não fosse por Lula.

Mas ele, que deixou a Presidência com o recorde de 80% de popularidade e é o maior líder popular vivo do País, sabe como ninguém tanto se beneficiar das grandes ondas a favor quanto se preservar nas horas de adversidade, como agora. Lula não entra em bola dividida, só vai na boa.

Ninguém viu nem ouviu o grande líder do PT nem o patrono da presidente Dilma nem nos atos pró-governo na sexta-feira, dia 13, nem nas maiores manifestações de protesto desde as Diretas-Já, no domingo, dia 15. E todos continuaram sem ver e sem ouvir um pio de Lula.

Se o escândalo bilionário da Petrobrás não tivesse sido estourado e se Dilma tivesse sido minimamente competente na política e na economia ao longo do primeiro mandato, Lula não se contentaria hoje apenas em saborear os jantares no Alvorada. Estaria agora ao lado dela - talvez até à frente... - nas fotos, nas comemorações, nas manifestações populares.

Como ocorreu exatamente o contrário, a economia esfarelou, a política desandou, Lula sumiu e largou a pupila e sucessora à sua própria sorte, sustentada por um Miguel Rossetto extemporaneamente agindo como líder estudantil, um onipresente José Eduardo Cardozo requentando promessas vãs e um Aloizio Mercadante que apanha mais do próprio PT do que das oposições.

Sempre que pode, Dilma "vaza" para a mídia que está "irritada" com isso e com aquilo. Pois agora, sempre que se encontra com ela, Lula "vaza" que discordou, que criticou, até que gritou. Soa como uma tentativa de se descolar da desgraça, tal como ele fez no mensalão e faz agora no petrolão. A culpa é sempre de alguém, dos outros, de Dilma...

Não se pode nunca esquecer, porém, que Dilma é Lula, o PT é Lula. Ao empurrar sua ministra de Minas e Energia para a Casa Civil e catapultá-la à condição de presidente da República, Lula assumiu um casamento indissolúvel com Dilma.

Se Lula acha que a fragilidade de Dilma pode fortalecê-lo em 2018, pode estar redondamente enganado, principalmente porque a Lava Jato já estrangulou a bancada do PP e agora se fecha sobre o PT, com os milhões de reais, de dólares e de euros do tesoureiro João Vaccari Neto e do operador Renato Duque.

Não é só Dilma que deve estar perdendo o sono. Lula também. Tanto ou até mais do que ela.

Quem diria? Depois de o PT e seus "blogueiros independentes" azucrinarem todo mundo durante anos pelas redes sociais e e-mails, documento do Planalto obtido pelo Estado mostra que o feitiço virou contra o feiticeiro. É o governo do PT quem agora reclama da guerra da internet...

 

A crise moral, tio Bóris e o PT

POR JORGE MARANHÃO - O ESTADO DE S.PAULO

Da crise econômica e política em que já estamos mergulhados, e da crise social que se avizinha, o fundamental para vislumbrar uma saída é admitirmos a grande crise moral em que sempre estivemos metidos. A propósito, lembrei-me de uma parábola dessas que circulam na internet defendendo os valores morais da tradição judaica. Valores que fundamentam sua intrínseca cultura de democracia e cidadania, construída até mesmo a despeito da soberania sobre uma territorialidade. Uma piada quase parábola que acredito possa ilustrar muito bem o momento que vivemos no País.

A narrativa dá conta de um velho senhor judeu, o Tio Bóris, que estava saindo da antiga União Soviética, aproveitando um indulto recém-concedido pelo governo. Quando Tio Bóris se dirigia à alfândega, foi parado por um policial que, na revista de sua bagagem, lhe perguntou o que era aquela estátua reluzente que ele trazia em meio a seus pertences. Ao que Tio Bóris respondeu que era de Stalin, o grande líder, e que ele a carregava sempre consigo para nunca se esquecer de reverenciá-lo. E assim o judeu foi liberado para sair do país.

Chegando a Israel, Tio Bóris foi parado de novo na alfândega de Tel-Aviv. E, para sua surpresa, novamente lhe perguntaram o que era aquela reluzente estátua. Ao que o velho tornou a responder que era uma estátua de Stalin, mudando apenas os atributos de grande líder para cruel tirano, causador de muita miséria e desgraça ao povo judeu. Diante da confirmação de suas próprias crenças, o policial liberou imediatamente a entrada no país. Chegando finalmente à casa de seus parentes e desfazendo as malas no quarto, entra um dos pequenos sobrinhos e pergunta, curioso, de quem era aquela estátua. Ao que Tio Bóris responde: "Ora, meu sobrinho, não importa de quem seja. O que importa é de que é feita, 12 quilos de ouro maciço! O que dá para vivermos o resto de nossos dias".

Pois é, quem só enxerga mais uma piada de judeu nessa história perde a oportunidade de entender a dimensão da crise moral em que o Brasil está metido. A crise moral que tornou inviável o ideal da política, condenando-a a uma prática mercadeja comprometedora da paz social. Com governantes que não cumprem o que prometem em suas campanhas, com a maior cara de pau. Que não honram a palavra e ainda nos afrontam com a cega negação da dura realidade econômica e política em que afundaram o País. Tentam nos fazer de idiotas pela renitente insistência em nos impingir apenas o seu desejo do que a realidade seja.

O recente pronunciamento da presidente Dilma, escondida atrás das câmeras da TV, causou a indignação de muitos cidadãos justamente pelo descompasso entre o seu relato e a realidade por que passa o País. Culpar uma discutível crise internacional pela concreta crise brasileira é, no mínimo, autoengano. Para muitos, pura mentira. Quando mesmo a pobre Bolívia, aqui do lado, cresceu mais que o Brasil no ano passado. Para este ano a Colômbia projeta um crescimento de pelo menos 4% do seu PIB, enquanto nós, se tudo der certo, ficaremos num zero absoluto de crescimento. Mas como esta dura realidade não vem ao caso para partidos de esquerda, mas sempre o seu próprio projeto de se manter no poder a qualquer custo, o que prevalece é sempre o símbolo e nunca a matéria real da vida e dos fatos. É sempre o expediente maroto da desqualificação argumentativa dos opositores reduzindo-os a elites brancas e golpistas, como se quase metade do eleitorado de novembro último, somados aos que engrossam os índices crescentes de impopularidade do governo segundo pesquisas recentes, não pudessem manifestar suas opiniões sobre outra visão da realidade. E retirar o crédito a um governo que não sabe o que é honra, contrato e dignidade.

Pois a realidade é a primeira coisa que o cidadão sente ao despertar e se informar sobre o valor das coisas concretas, no dia a dia do custo de vida, e não no blá, blá, blá de governantes que não respeitam a própria palavra empenhada. Primeira realidade do mundo sensível, muito diferente da segunda realidade romântico-quixotesca, o velho vício da visão distópica esquerdista de santificar um ideal de homem e demonizar o mercado real. E seguir procurando chifres em cabeças de cavalos e dragões que cospem fogo no lugar de moinhos de vento. Tal qual a desfaçatez de pôr a culpa da crise energética na estiagem de São Pedro, e não nas escolhas deliberadas de políticas públicas equivocadas. Ignorar a gigantesca crise moral que vivemos chega a ser uma risível afronta. Ou simples má-fé, como a de querer ver nas denúncias das petrorroubalheiras um ataque à paradigmática Petrobrás. Na melhor das hipóteses, um deboche para com a cidadania. Na pior, mais uma vez, uma mentira delirante e inflamável de quem não se impõe respeito nem limites e acredita que apaga incêndio com mais gasolina.

E é exatamente neste ponto que a fábula se encaixa no Brasil de hoje. E tem muito a ensinar a nossos tolos governantes. Os dois policiais que pararam Tio Bóris só conseguiam enxergar o que a estátua representava: um líder político carismático, não importando se deificado para uns ou demonizado para outros. Simples crenças, utópicas ou distópicas não importa, mas sempre acima dos cidadãos concretos levando a vida na precariedade de suas trocas cotidianas, nos limites tangíveis das praças e dos mercados. Símbolos ideológicos que, quando colocados acima dos valores morais ou mesmo dos valores das coisas, acabam por lhes tirar qualquer sombra de discernimento e bom senso. Quando a realidade para Tio Bóris era tão simplesmente um peso em ouro que permitiria, este sim, recomeçar sua vida. Quando o desafio para o Brasil de hoje é simplesmente resgatar os valores morais de sua cidadania e superar a doença infantil do voluntarismo esquerdista de seus governantes.

*Jorge Maranhão é empreendedor social e dirige o Instituto de Cultura de Cidadania A Voz do Cidadão. E-meil: jorge@avozdocidadao.com.br 

 

 

 

Entre o atoleiro e o ajuste (EDITORIAL)

O ESTADO DE S.PAULO

17 Março 2015 | 02h 07

O governo decidiu iniciar o ajuste porque a economia vai mal - não o contrário. O esclarecimento, levado pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, a uma plateia de empresários, em São Paulo, pode até parecer redundante. Mas é indispensável, quando políticos, sindicalistas e economistas apontam a arrumação das contas públicas e o combate à inflação como ameaças ao crescimento econômico e ao emprego. Mas falar em ameaça ao crescimento, depois de anos de estagnação combinada com preços em disparada e crescente desequilíbrio externo, é mera fantasia. Pouco antes da fala do ministro, o Banco Central havia divulgado seu indicador mensal de atividade (IBC-Br). Em janeiro, o índice foi 0,11% inferior ao de dezembro e 1,34% menor que o de um ano antes, na série depurada de efeitos sazonais. É mais um sinal de fraqueza dos negócios, já indicada pelos dados da indústria, dos investimentos em máquinas, do comércio varejista e do mercado de emprego.

Os números do Produto Interno Bruto (PIB) do ano passado, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), devem sair no fim do mês. Devem ser muito ruins, mesmo com os novos critérios de medição recém-anunciados. A produção industrial deve ter encolhido mais uma vez, de acordo com os levantamentos conhecidos até agora. Dados do IBGE e das entidades empresariais, assim como as tabelas do IBC-Br, apontam um mau começo de ano e um primeiro trimestre provavelmente muito fraco.

Não haverá retorno ao crescimento, insistiu o ministro na palestra em São Paulo, sem um bom conserto das contas públicas e um firme ataque à inflação. "Como disse Roubini, quem não quer ajuste é suicida ou quer jogar a bomba para outro", disse Levy, parafraseando uma declaração do economista Nouriel Roubini, da Universidade de Nova York, à Folha de S.Paulo. O entrevistado, no entanto, havia sido mais explícito em seu comentário: "Se a presidente não for irracional ou politicamente suicida - e não acho que seja -, o ajuste será feito".

O ministro da Fazenda reafirmou o compromisso da presidente Dilma Rousseff com o programa de ajuste - ainda um tema de controvérsia - e mostrou por que a nova política econômica é indispensável à retomada do crescimento. Haverá juros mais baixos, disse o ministro, quando as pessoas perceberem o rumo das correções e a robustez da economia. Os empresários voltarão a investir, acrescentou, quando tiverem referências claras para avaliar projetos e decisões de risco.

Ao defender a nova política, Levy afirmou também o esgotamento da estratégia seguida até o ano passado. A política anticíclica era defensável, segundo ele, em 2009, quando o governo tentava tirar o País da recessão. Mas as condições mudaram e, além disso, os incentivos criados naquela época e mantidos nos anos seguintes tornaram-se insustentáveis.

Levy pouco se empenhou, talvez por diplomacia, em mostrar a inadequação dos incentivos fiscais e financeiros da política anterior. Deu mais ênfase às limitações financeiras do governo federal. Além disso, defendeu - ainda diplomaticamente? - a explicação habitual da presidente da República: a situação mudou. É verdade: mudou, sim, mas há muito tempo, e o governo agiu, a partir de 2011, como se nenhuma alteração importante houvesse ocorrido na cena global. O ministro, é claro, sabe disso. Não pode deixar de saber. Mas sua tarefa é levar adiante a reparação dos danos e criar condições para uma nova fase de crescimento.

As ações do governo, segundo Levy, já vão além dos ajustes fundamentais. O programa envolve o avanço nas concessões para infraestrutura e medidas de simplificação e de transparência para facilitar os negócios e dar segurança às decisões. Em suma, para estabelecer melhores condições de operação para o setor privado. "Capitalismo de Estado não dá muito certo para uma democracia", disse o ministro. Mais uma vez, e provavelmente sem intenção de provocar, ele renegou uma orientação básica dos governos petistas, traduzida, por exemplo, na política do BNDES. É difícil ser diplomata o tempo todo.

Fonte: O Estado de S. Paulo

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