Nas cordas, editorial da FOLHA desta segunda após o grito das ruas
Nas cordas, editorial da FOLHA desta segunda
Depois de manifestações históricas em todo o país, governo Dilma vê estreitar-se como nunca sua margem de manobra
Em clima pacífico, descontraído e democrático, centenas de milhares de brasileiros, nas mais diversas cidades do país, foram às ruas neste domingo para protestar contra o governo Dilma Rousseff, o PT e a corrupção.
O número total dos manifestantes superou em muito os prognósticos dos organizadores --e encontra paralelos em poucos momentos da nossa história, como o movimento das Diretas-Já, os protestos pelo impeachment de Fernando Collor e as jornadas de junho de 2013.
O ato mais expressivo ocorreu na avenida Paulista, em São Paulo, onde 210 mil pessoas protestaram contra a presidente, segundo medição do instituto Datafolha.
Pela segunda vez, recai sobre a presidente Dilma, democraticamente eleita em outubro, o desafio de responder à mensagem das ruas.
Perdeu, em 2013, a oportunidade de apresentar alternativas de reforma política e administrativa capazes de ao menos atenuar a impressão de descaso com os valores republicanos, de preconceito contra vastos setores de opinião, de tacanhez e sectarismo partidários que caracterizam sua gestão.
O esmorecimento das manifestações de 2013 e a apertada vitória petista nas urnas, legitimamente obtida em 2014, parecem ter intensificado no Planalto um espírito de alienação, de insensibilidade, de acomodamento político.
A tal ponto isso se deu que o segundo governo de Dilma parece ter-se iniciado já como se estivesse em seu ocaso. Nada apontou de novo, nenhuma expectativa, nenhuma esperança, nenhum rumo.
Nada, afora os inevitáveis e corretos ajustes na economia. Mas estes, em contradição explícita com as promessas de campanha, recobriram o governo da sombra inafastável do estelionato eleitoral.
Junto às forças que contribuíram para sua eleição, as medidas financeiras adotadas pela presidente tiveram efeito de rápido desgaste.
Junto a quem não votou na petista --e mesmo entre parte significativa de seus eleitores--, a sensação predominante tem sido a de conivência com políticos oportunistas e fisiológicos, que fazem do poder um fim em si mesmo, ou um meio para o enriquecimento ilícito.
Estreitam-se, como nunca, as margens de ação da presidente. Não há, obviamente, respostas mágicas, mas, no mínimo, uma atitude diferente precisa ser tentada.
Não foi o que se viu quando uma dupla contrafeita e abespinhada de ministros --José Eduardo Cardozo (Justiça) e Miguel Rossetto (Secretaria-Geral da Presidência)-- veio a público neste domingo. Reconheceram a legitimidade dos protestos, mas repetiram argumentos que por ora soaram gastos.
Velhas fórmulas em nada ajudarão um governo que precisa recuperar alguma sintonia com a sociedade. A presidente Dilma Rousseff agora corre contra o tempo. O efeito positivo das medidas econômicas demorará a ser sentido, e a maioria da população talvez não se mostre disposta a esperar tanto.
VALDO CRUZ, da folha:
Goleada das ruas
BRASÍLIA - O domingo amanheceu sem as chuvas torrenciais imploradas pelos governistas em suas orações a são Pedro, deixando as ruas livres para os protestos contra o governo petista e seu partido.
Antes de terminar a manhã, governistas mais pé no chão já admitiam: muito mais gente do que o previsto saiu de casa para gritar "Fora Dilma", "Fora PT", e em locais onde não eram esperadas grandes adesões, como cidades do Norte e Nordeste.
No início da tarde, ficava claro que São Paulo soltaria um grito ensurdecedor. Mais de 200 mil tomaram a avenida Paulista. "Coisa de tucano", relativizava um palaciano ainda anestesiado. "O maior erro será menosprezar o recado de hoje", aconselhava outro palaciano realista.
Recolhida ao Palácio da Alvorada, a resposta presidencial às ruas foi tímida e a de sempre. Prometeu um pacote contra corrupção que dorme nas gavetas do Planalto desde 2014 e defendeu uma reforma política que nunca conseguiu tirar do papel.
Receita que, até aqui, não se mostrou suficiente. A própria Dilma avalia que ela não mobiliza. Ou seja, terá de fazer mais para conter a escalada dos protestos. Afinal, tomou sonora goleada das ruas. Enquanto cerca de cem mil "defenderam" seu governo na sexta, perto de 1 milhão berrou contra ela neste domingo.
Sinal de que sua turma não demonstra o mesmo entusiasmo em defendê-la publicamente. Pior, torce o nariz para seu novo governo.
O fato é que Dilma foi rápida em dar um necessário cavalo de pau na economia, mas mostra-se lenta em criar uma agenda que leve esperança ao país. Para desespero de Lula, que vai perdendo a paciência com ela.
Como não dá para fazer milagres, Dilma precisa deixar de afugentar seus aliados e recuperar apoios para fazer a longa travessia do deserto. Aí, o caminho é o que ela mais odeia. Curvar-se às pressões do velho PMDB e partilhar poder para aprovar o ajuste fiscal. A alternativa é definhar e seguir apanhando das ruas.
análise de VINICIUS MOTA, da folha:
Estrela solitária
SÃO PAULO - Os atos de junho de 2013 eram um misto de efervescência juvenil de esquerda com desabafos dispersos ao centro e à direita. O PT e a presidente Dilma Rousseff puderam apegar-se a certas bandeiras e a grupos que então protestavam. Não podem mais.
Não há lideranças de "movimentos sociais" a ser chamadas para uma conversa no Planalto. Não há política pública capaz de atender à reivindicação """Fora, Dilma""" que tende a prevalecer com a evolução do certame de protestos agora inaugurado.
Este movimento multitudinário de centro-direita representa uma novidade em 30 anos de democracia de massas. O grito nas ruas é popular porque se vincula à frustração, disseminada pelas classes de renda, com o governo federal e a presidente.
Seu perfil é de centro-direita porque, desde a revolta dos caminhoneiros, as dificuldades de empreender e consumir são causas patentes da insatisfação. Como o ambiente restritivo decorre de uma política econômica de esquerda, a surpresa se dá mais pelo volume que pelo teor da reação.
A República no Brasil, em traço tributário de 125 anos de decantação, convive mal com presidentes fracos. A margem de Dilma para governar por medida provisória e para vetar em parte ou na íntegra atos do Legislativo --dois superpoderes do chefe de Estado no país-- estreitou-se abruptamente.
Agora a presidente terá de lidar com multidões na rua a pedir sua saída, reflexo de (e impulso para) péssimos índices de popularidade. Dilma tem meios de estabilizar o jogo, mas precisa de um plano urgente para recobrar nem que seja um terço do poder presidencial. Do contrário, correrá risco cada vez maior de assistir à resolução do impasse via impeachment ou ver-se forçada a renunciar.
Terminar o segundo mandato como FHC, mal avaliada mas no controle do governo, passa a ser uma meta razoável, e por enquanto otimista, para a presidente Dilma.