Deus deixou de ser brasileiro?, por Juan Árias, do EL PAÍS

Publicado em 08/03/2015 20:05
Fazia muitos anos, segundo os especialistas, que o Brasil não passava por uma conjuntura tão negativa... (E +: EDITORIAL DO ESTADÃO DESTE DOMINGO: "

Desde sexta-feira à noite parece que os astros confabularam contra o “país maravilha”, e que Deus deixou de ser brasileiro, já que, além da crise econômica que assola a nação onde tudo aumenta — recessão, inflação, taxas de juros mais altas do mundo, déficit fiscal e comercial, divórcio entre Governo e Congresso —, adiciona-se agora, oficialmente, o terremoto do Petrolão.

O relator do maior escândalo de corrupção política e corporativa na história do país, o juiz do Supremo Tribunal Federal, Teori Zavascki, autorizou a investigação de 49 políticos de seis partidos, do Governo e da oposição, supostamente envolvidos no escândalo da Petrobras. Entre eles, nomes de peso do mundo político, até então estrelas do Congresso, de governos federais e estaduais.

A situação política brasileira está tão tensa que, segundo o jornal Folha de S. Paulo, há rumores de que a presidenta Dilma Rousseff, cada vez mais fragilizada e pressionada no Congresso, estaria avaliando a possibilidade de tentar um pacto político que incluiria até o maior partido de oposição, o PSDB, eterno adversário do PT, legenda de Dilma, e que também parece envolvido no escândalo da Petrobras, na figura de um de seus senadores de peso, Antonio Anastasia, ex-governador do importante Estado de Minas Gerais.Há muitos anos, segundo especialistas, que o Brasil não passava por uma série tão extensa de fatos negativos. Isso pode colocar em risco o atual equilíbrio político, e não deixará de ter um forte impacto nas ruas.

Tudo isso, com certeza, para que o Governo tente sair do ringue no qual se encontra contra as cordas, num beco do qual por enquanto não se enxerga uma saída, enquanto a sociedade anuncia uma manifestação nacional para o dia 15 de março, para exigir a saída de Dilma.

Antes, no dia 13, para complicar ainda mais a situação política já tão emaranhada, os sindicatos que apoiam o Governo pretendem levar seus ativistas às ruas contra as medidas de austeridade fiscal e redução de direitos trabalhistas que o Governo prepara para colocar em ordem suas despesas sobrecarregadas.

Ainda é cedo para poder medir o impacto que essa lista de 49 políticos de seis partidos que deverão ser investigados pelo escândalo do Petrolão terá sobre uma opinião pública já esmagada e irritada com a crise econômica, e perplexa diante de uma crise política de tal magnitude.

Na própria sexta-feira à noite, nos noticiários e nas redes sociais, a revelação dos nomes dos políticos envolvidos obteve os maiores índices de audiência.

Talvez a única notícia positiva em meio ao desastre político seja esse interesse da opinião pública brasileira, tantas vezes acusada de excessiva passividade diante dos escândalos de corrupção.

Essa reação positiva dos cidadãos comuns e a demonstração dada pela Procuradoria-Geral e pelo Supremo, de que os poderes do Estado mantêm sua independência e autonomia, poderiam resultar numa luz no fim do túnel e numa esperança de que as coisas precisam mudar.

De que forma, ninguém é capaz de imaginar por enquanto. Sem dúvida, o país terá que passar por uma séria transformação, capaz de superar o terremoto político e econômico que o oprime, se não quiser continuar escorregando em direção ao abismo que se abriu diante de seus pés.

A última esperança é que os cidadãos de bem, os que ainda não sujaram as mãos e continuam apostando apesar de tudo nos valores da democracia, especialmente os jovens, aos quais o futuro pertence por direito e biologia, não pareçam dispostos a permitir que Deus deixe de ser brasileiro.

 

Confusão é tudo o que Lula quer, editorial do Estadão

A abertura de um processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff, neste momento, pode ser politicamente tentadora, mas será certamente inoportuna, diante dos imensos obstáculos regimentais e partidários que a ela se oporão. Mesmo assim, dezenas de milhares de pessoas, mobilizadas por meio de redes sociais, prometem sair às ruas em todo o Brasil, no próximo dia 15, para exigir que Dilma seja impedida de continuar no cargo.

O efeito imediato das manifestações tal como programadas, se elas realmente tiverem a dimensão que prometem, será o acirramento dos ânimos e a radicalização. Tal atmosfera de instabilidade ofereceria àqueles que se sentem acuados pela crise a oportunidade de reagir de forma violenta, transformando em "golpistas" todos os que se opõem ao governo Dilma - desde os que pregam o impeachment até os cidadãos que apenas estão cansados de tanta corrupção e incompetência. O ex-presidente Lula, por exemplo, já disse que açulará o "exército de Stédile" - o chefe do MST - contra quem for às ruas pedir a saída de Dilma.

As manifestações de protesto e descontentamento transferem-se extemporaneamente para as ruas porque a oposição formal à presidente no Congresso não tem sido capaz de exprimir o sentimento de frustração nacional com o desastre moral e administrativo do governo petista. A oposição a Dilma, por estranho que pareça, tem sido exercida dentro da própria coalizão fisiológica que a sustenta e até mesmo dentro de seu próprio partido. Nada disso está acontecendo por acaso, pois interessa cada vez menos aos antigos aliados vincular-se a um governo que naufraga em meio ao desastre econômico causado pela incompetência de Dilma, com prejuízos para todos os brasileiros - mas, em especial, para os mais pobres, aqueles que o PT se diz orgulhoso de ter resgatado da miséria.

Os mais recentes movimentos de Lula nada mais são do que uma tentativa de desatrelar-se das trapalhadas da presidente para continuar se apresentando como o herói das classes desfavorecidas na luta contra "eles" - isto é, contra os supostos conspiradores, representantes das "elites" que tramam a queda de Dilma e, mais que isso, urdem a derrota do PT e de seu projeto redentor.

Lula nunca teve pudores de abandonar pelo caminho seus companheiros de viagem, quando isso foi necessário para a manutenção de seu projeto de poder. Dilma é apenas mais uma. Quando Lula incita seus sabujos a atacar os opositores da presidente nas ruas, não é Dilma que ele está defendendo, mas a si mesmo.

Esse confronto imaginário foi desenhado pelo ex-presidente, sem nenhuma sutileza, em recente discurso aos militantes da Central Única dos Trabalhadores (CUT), da Federação Única dos Petroleiros (FUP) e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST). Naquela oportunidade, depois de ouvir o coordenador do MST, João Pedro Stédile, dizer que só "nas ruas" é possível derrotar a oposição, Lula revelou toda a sua disposição belicosa: "Quero paz e democracia. Mas eles não querem. E nós sabemos brigar também, sobretudo quando o Stédile colocar o exército dele na rua".

Com isso, Lula conduz o jogo para o terreno que lhe é favorável - o da confusão e da anarquia. A intenção é transformar o PT e as classes pobres que o partido diz defender em vítimas do ódio das tais "elites": "O que estamos vendo é a criminalização da ascensão de uma classe social neste país. As pessoas subiram um degrau e isso incomoda a elite", discursou o ex-presidente, reduzindo o debate político a um vulgar Fla-Flu.

Nesse sentido, os movimentos que defendem o impeachment de Dilma servem aos propósitos do lulopetismo, pois jogam no tudo ou nada anunciado por Lula. Nascidos à margem dos inoperantes partidos de oposição, esses movimentos acreditam que só a radicalização nas ruas será capaz de remover os petistas do poder. Mas são amadores nesse perigoso mister. Conhecendo a força da militância do PT e de seus satélites nos sindicatos e movimentos sociais, é possível imaginar a violência da reação a essa afoiteza. Pois essa é uma militância paga e profissional, pronta para a truculência.

 

 

Três surpresas do petróleo barato

Uma das consequências é o estímulo a eliminar ou reduzir subsídios muito injustos e substituí-los por ajudas diretas à população de menor renda 

por MOISES NAIM, NO EL PAÍS: 

A súbita e inesperada queda dos preços do petróleo a mais do que a metade desde meados do ano passado sacudiu o mundo. Alguns dos impactos foram imediatos e visíveis; outros, não.

Nos países que dependem das exportações de petróleo para manter a economia à tona, a população sofre duros cortes nos orçamentos governamentais, a desvalorização da moeda e, em geral, uma situação econômica difícil. Venezuela, Irã, Nigéria e Rússia são os mais afetados. Em conjunto, os países exportadores de energia deixaram de receber 2 trilhões de dólares (6 trilhões de reais) em receita por ano. Em troca, os consumidores de petróleo se beneficiaram significativamente: para cada norte-americano, por exemplo, a queda dos preços representou uma economia equivalente a um aumento salarial de 4,5%. A inflação mundial média também diminuiu, a agricultura se beneficiou e muitas economias se viram estimuladas pelos preços mais baixos da energia.

Agora começam a aflorar os surpreendentes efeitos indiretos do petróleo barato. São muitos, e cada vez aparecem mais, mas há três muito interessantes: primeiro, o estímulo para eliminar ou reduzir subsídios que são muito injustos; segundo, o impacto sobre os mercados financeiros mundiais, e terceiro, a pressão sobre os produtores de energias renováveis (solar, eólica etc) para que baixem custos e possam competir com mais êxito contra o carvão, o gás e o petróleo.

1) Os subsídios: muitos Governos mantêm os preços do combustível e da eletricidade artificialmente baixos e compensam as perdas dos produtores com subsídios que saem do tesouro nacional. Isso custa 540 bilhões de dólares por ano. Estudos do Banco Mundial provam que essa política exacerba a desigualdade, já que esse gasto público beneficia mais os que mais ganham. No Oriente Médio, por exemplo, entre 60% e 80% desses subsídios beneficiam os 20% mais ricos da população, enquanto aos mais pobres só chegam 10% dos subsídios energéticos. O ideal é eliminar esses injustos subsídios genéricos e substituí-los por ajudas que cheguem diretamente à população com menor renda. Mas os Governos temem a reação das classes médias e altas ao aumento do que pagam pela gasolina e eletricidade. No entanto, graças à queda dos preços, agora se atrevem a fazer isso. Da Índia ao Marrocos e da Malásia ao Kuwait, cada vez mais Governos estão reduzindo os subsídios à energia, já que a queda dos preços mundiais do petróleo amortece o impacto dessa medida.

2) O mercado financeiro mundial: quando os preços do petróleo estão altos, os países exportadores acumulam enorme quantidade de dinheiro. Muitos deles criaram fundos soberanos de investimento para colocar esses excedentes financeiros nos mercados mundiais, comprando ações e títulos. O fundo de investimento soberano da Noruega, por exemplo, tem ativos de 893 bilhões de dólares e é dono de 1,3% de todas as ações e títulos no mercado mundial. Os demais fundos desse tipo acumularam ativos avaliados em 7 trilhões de dólares. Quando as receitas do petróleo caem, muitos desses países se veem obrigados a utilizar esses fundos para cobrir as brechas que há entre sua receita e os gastos públicos. Por isso, eles têm de sair à venda de expressiva quantidade de ações, títulos e outros ativos. Isso vai provocar significativas mudanças na propriedade de muitas empresas importantes que agora serão postas à venda. Veremos muitas surpresas nesse campo.

3) Sol e vento: as energias renováveis e menos poluentes vinham competindo em desvantagem contra o carvão e os hidrocarbonetos. Simplesmente é mais caro usar o vento e o sol para produzir energia do que o carvão e o petróleo. E isso, claro, é ruim para o meio ambiente. Recentemente, os custos de produção da energias renováveis vinham sendo reduzidos, embora ainda continuem sendo mais caras. Mas a queda do preço do petróleo fará com que, para sobreviver, a indústria da energia solar e a eólica se vejam forçadas a avançar ainda mais na redução de custos. Assim, quando o preço dos hidrocarbonetos voltar a subir –o que ocorrerá cedo ou tarde –, as energias renováveis e menos poluentes terão custos e preços que lhes permitirão competir melhor do que nunca com o carvão e o petróleo. E isso é uma boa notícia.

Todos esses efeitos dependem de quão longo será o período no qual os preços do petróleo permanecerão relativamente baixos. Segundo Rex Tillerson, chefe da ExxonMobil, “isso durará bastante tempo”.

Fonte: El País + ESTADÃO

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