Dilma diz que conjuntura mudou e levou a ajuste nas desonerações em folha
(Reuters) - Um dia após o governo reduzir a desoneração da folha de pagamentos das empresas visando reequilíbrio das contas públicas, a presidente Dilma Rousseff reafirmou neste sábado a importância do instrumentos, mas afirmou que em "certas conjunturas" há necessidade de ajustes.
"Agora, foi para cima", afirmou a presidente na cidade de Colônia, no Uruguai, onde participou da inauguração do Parque Eólico Artilleros, ao lado do presidente uruguaio José Mujica. "Quando a realidade muda, você muda."
Na manhã de sexta-feira, o Diário Oficial da União trouxe a Medida Provisória 669 elevando as alíquotas de contribuição previdenciária das empresas sobre receita bruta, que somadas com mudanças no Reintegra devem gerar uma receita para o governo da ordem de 14,6 bilhões de reais neste ano.
Dilma disse que o ministro da Fazenda, Joaquim Levy e todos os setores da economia estão comprometidos com uma melhora das condições fiscais do país. Mas avaliou que Levy foi "infeliz" quando definiu na véspera como "grosseira" a aplicação da desoneração da folha de pagamento.
"A desoneração da folha foi importantíssima e continua sendo", disse a presidente. Se ela não fosse importante, nós tínhamos eliminado e simplesmente abandonado", reforçou.
No Uruguai, a presidente também voltou a atribuir a alta no custo da energia à falta de chuvas, e aproveitou para destacar a necessidade de integração não apenas no Brasil, mas nos países vizinhos, para amenizar os desequilíbrios.
"Veja, aqui (no Uruguai) está sobrando água. No Rio Grande do Sul, em todo o Sul do Brasil, está sobrando água. No Sudeste está faltando água, no Nordeste está faltando água, no Norte do Brasil tem água", disse.
"Se você, cada vez mais, interligar essas regiões, criar redes de transmissão que levem energia de um lado para o outro, melhora. No passado, quando nós começamos esse processo, tinha água no Brasil e faltava água na Argentina e no Uruguai. Agora, inverteu", acrescentou.
Em VEJA: Dilma diz que fala de Levy sobre desoneração da folha foi 'infeliz'
Presidente não gostou do termo que ministro da Fazenda usou para se referir ao modelo em uso até sexta: 'grosseiro'
Presidente Dilma Rousseff e José Mujica, presidente do Uruguai, durante cerimônia de inauguração do parque Eólico(Roberto Stuckert Filho / PR/Divulgação)
A presidente Dilma Rousseff classificou neste sábado como "infeliz" a declaração do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, sobre o modelo de desoneração da folha de pagamento promovido desde 2011 pelo governo federal. Na sexta-feira, ao falar a respeito da recomposição das alíquotas de imposto sobre a folha, Levy afirmou que o modelo vigente até então custava muito para a União – e que a política era "grosseira". Para Dilma, a desoneração da folha é "importantíssima e continua sendo".
Levy anunciou nesta sexta um pacote de aumento de impostos e redução de benefícios a empresas. Durante o evento, o ministro fez críticas ao programa de desoneração. "A troca entre a folha e o faturamento não era muito vantajosa", disse. Segundo ele, a "brincadeira" custou 25 bilhões de reais aos cofres públicos. "O governo está gastando para manter um emprego que não vale a pena", afirmou. "É por isso que estamos reduzindo esse tipo de desoneração, pelo tipo de ineficiência dela", afirmou. Levy classificou como "boa" a intenção do governo ao adotar a medida, mas que o resultado não foi o esperado.
"Se não fosse importante, já teríamos eliminado e simplesmente abandonado. Acho que o ministro foi infeliz no uso do adjetivo", comentou Dilma a jornalistas, pouco antes de participar da inauguração do Parque Eólico Artilleros, em Tarariras, no Uruguai. "O ministro e todos os setores estão comprometidos com a melhoria das condições fiscais do país. A desoneração da folha de pagamento é uma realidade e nós garantimos que haja um reajuste nas condições", declarou Dilma. De acordo com a presidente, a desoneração da folha não é "simplesmente um instrumento de ajuste fiscal". "É um instrumento que vai permanecer. Agora, em certas conjunturas, temos de reajustá-los, ou para cima, ou para baixo", apontou.
Questionada se o ajuste fiscal seria um reconhecimento do erros de gestão do primeiro mandato, Dilma respondeu: "Meu querido, quando a realidade muda, a gente muda". Citou o exemplo da tarifa da energia elétrica, que vai subir em média, 23%, a partir da próxima segunda-feira. "A tarifa da energia decorre da chuva. Quando aumenta a chuva, diminui a tarifa, porque entra a energia hidrelétrica. Quando diminui a chuva, diminui a hidrelétrica e aí tem de contratar a térmica, e térmica é mais cara", disse a presidente.
Crise – Na avaliação da presidente, o Brasil vai sair da crise "mais forte". "O Brasil tem fundamentos sólidos. Passamos dificuldades conjunturais e isso garantirá que o Brasil saia em outro patamar, podendo continuar a crescer, garantindo empregos que nós criamos e garantindo renda que nós conquistamos".
(Com Estadão Conteúdo)
ANÁLISE DE VINICIUS TORRES FREIRE, NA FOLHA DESTE DOMINGO: +
A alma penada de Dilma Rousseff
O que deve sentir ou pensar a presidente ao ver o enterro de indigente de seus planos econômicos?
"UM NEGÓCIO QUE era muito grosseiro;" "brincadeira que nos custa R$ 25 bilhões por ano". Foi com esse discurso de réquiem que o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, enterrou o defunto que fora um dos planos mais estimados da primeira encarnação da presidente Dilma Rousseff: a redução de impostos que empresas pagam ao INSS.
O que a presidente sente ou pensa quando assiste à morte inglória e ao enterro infame do seu programa econômico? O que diz a seus botões, durante a noite escura da alma, na solidão esplêndida do Alvorada?
Ela acredita nas fantasias mal escritas de seus discursos, que atribui a ruína que provocou a conjurações dos azares da economia do mundo?
Acredita, tal como algumas seitas de seus adeptos restantes, que foi vítima de conjurações de elites, "mídia" ou outro demônio? Vítima dessas elites a quem o governo paga e pagará juros aberrantes pela dívida que fez a fim de financiar uma fantasia caricata e transitória de progresso social, em vez de ao menos tentar cobrar-lhes mais impostos?
As elites, que tanto amaram o dinheiro de seu governo enquanto durou, que recebiam grana grossa para financiar a criação de oligopólios, ainda engolem meio trilhão de reais a juro quase zero, o "nacional-empresismo", outro programa que morre pelas mãos de tesoura de Levy.
Parece agora claro que Dilma não compreendia as consequências das encrencas enormes que criava, tal como endividar demais e levar à pindaíba o Tesouro Nacional e a Petrobras, para ficar nas mais rudimentares e estarrecedoras. Parecia mesmo convicta da eficácia de aplicar ao país uma versão decrépita, colegial e amadora do que imagina ter sido o desenvolvimentismo original, em si mesmo um "equívoco bem-sucedido", responsável por vários dos nossos horrores, como desigualdade, cidades monstruosas, ignorância de massa e elitismo disfarçado de "nacional e popular".
A presidente teria agora dúvidas? Ou balança a cabeça e tenta afastar a lembrança da lambança, tal como fazemos quando mentimos para nós mesmos a respeito dos nossos pecados? A julgar por biografias, histórias e exemplos vivos de poderosos vistos mais de perto, é provável que as perguntas sejam tão ingênuas quanto as ideias de Dilma.
Um político que chegou ao ápice do poder é quase tão oco quanto o tronco comido por cupins das árvores que desabam nas ventanias de São Paulo. Nesse quase vácuo há menos resistência para torcer seja lá o que tenha restado de ideias ou convicção. Até líderes maiores e melhores foram assim. Roosevelt tomou posse com um programa, começou a governar com outro e ainda mudou de ideia, com o que fez fama e história.
A alma de Dilma decerto não explica este quadriênio de perversões brasileiras, embora a presidente tenha se valido das oportunidades do governo imperial do país como poucos, encarnando a caricatura da Rainha de Copas. Mas o que explica ao menos o movimento dos seus humores? Dilma ora parece se debater furiosa dentro de uma bolha isolada mesmo das versões da realidade menos antipáticas a sua figura e a seu governo. Seria a fúria de alguém inquieta e ansiosa para voltar a sua vida passada, Dilma 1? Ou de uma alma penada sem rumo?