Estados e muncípios apertam os cintos e aumentam o risco de recessão no Brasil
Por Silvio Cascione e Alonso Soto
BRASÍLIA (Reuters) - Estados e municípios têm buscado elevar impostos e cortar gastos em todo o Brasil após anos de excessos, aumentando os riscos de a já fraca economia entrar em recessão em 2015.
Os crescentes déficits fiscais levaram alguns Estados a suspender temporariamente o pagamento de fornecedores e congelar bilhões de reais em serviços e projetos de infraestrutura, desde o recapeamento de estradas a reformas de unidades de saúde.
As medidas de austeridade ecoam os esforços do governo da presidente Dilma Rousseff para recuperar a credibilidade dos investidores após anos de gastos crescentes e desonerações. Embora as medidas possam ajudar o Brasil a manter o grau de investimento, também ameaçam investimentos cruciais para que o Brasil possa retomar o crescimento econômico neste ano.
O déficit primário dos Estados e municípios no ano passado, o primeiro desde 1998, atingiu 7,8 bilhões de reais. Das 27 unidades da federação, 21 aumentaram os gastos com pessoal em relação às receitas líquidas desde 2010, e 17 estão perto ou acima do limite definido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LFR).
A dívida líquida dos Estados cresceu 21 por cento entre 2010 e 2014 para quase meio trilhão de reais, por conta do aumento dos gastos públicos e dos esforços do governo federal de relaxar os limites de endividamento para elevar os investimentos.
A situação atual é bem menos grave do que em décadas passadas, quando o gasto desenfreado contribuiu para crises profundas nos anos 1980 e 1990. O trauma do descontrole fiscal levou à aprovação da LRF em 2000 com limites rígidos sobre a capacidade dos Estados e municípios de tomar empréstimos sem aval do governo federal.
As agências de classificação de risco têm dito que a situação dos Estados ainda está sob controle, mesmo após medidas para aumentar a margem de endividamento de algumas unidades federativas nos últimos anos.
O problema é que a necessidade de apertar o cinto não poderia vir em pior hora para o crescimento econômico. O Brasil já está à beira da recessão e, de acordo com algumas projeções, pode encolher até 2 por cento este ano.
"Isso com certeza vai ter um impacto sobre a atividade", disse Rafael Bistafa, economista da consultoria Rosenberg & Associados. "Mas não dá para ficar elevando os limites de endividamento dos Estados. Não é sustentável."
Obrigados a investir um percentual mínimo em saúde, educação e outros serviços essenciais, Estados e municípios não terão outra opção senão reduzir investimentos, segundo o especialista em finanças públicas Mansueto Almeida.
Governadores têm tentado tranquilizar eleitores, dizendo que seus principais projetos continuam de pé. Entretanto, analistas dizem que muitas iniciativas, como as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) no Rio de Janeiro, podem ser afetadas.
A disciplina fiscal também aumenta o risco de protestos. Antes do Carnaval, o governo do Paraná recuou de uma série de aumento de impostos e ajustes de benefícios trabalhistas após professores ocuparem o prédio da Assembleia Legislativa.
Médicos e garis em Brasília entraram em greve em janeiro. Professores do Distrito Federal ameaçam continuar sem trabalhar se não receberem salários atrasados.
Um dos motivos para o aumento dos gastos de Estados e municípios foi o crescimento das despesas com salários acima da inflação. As eleições do ano passado também contribuíram, com muitos governadores aumentando despesas enquanto faziam campanha por um segundo mandato.
"As eleições passadas deixaram uma desordem," disse Daniela Brandazza, diretora da Standard & Poor's. "Mas se os governos locais usarem esse tempo para se reorganizarem, nós achamos que as possibilidades são muito boas no médio e longo prazo."
DESPERDÍCIO
A desaceleração da economia brasileira prejudicou a arrecadação de impostos, ao passo que a queda das commodities afetou a receita com royalties. A recuo do preço do petróleo, por exemplo, pode custar cerca de 2,6 bilhões de reais somente ao Estado do Rio de Janeiro, de acordo com o governador Luiz Fernando Pezão em discurso recente.
Mas outros fatores também contribuíram. Brasília, onde o governo começou o ano com apenas 64 mil reais em caixa, ainda precisa pagar cerca de 200 milhões de reais em serviços relacionados à construção do estádio de futebol Mané Garrincha, para a Copa do Mundo, que custou 1,6 bilhão de reais, segundo o presidente do Tribunal de Contas do Distrito Federal, Renato Rainha.
Com a economia presa em um atoleiro, aumentar impostos ou combater a sonegação parecem ser uma das principais fontes de novas receitas. Os governos regionais também podem buscar aval da Fazenda para tomar novos empréstimos, especialmente com instituições multilaterais como o Banco Mundial.
Aumentar o endividamento, no entanto, colocaria os governos regionais em rota de colisão com o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, que tem prometido estabilizar a dívida pública após a forte alta dos últimos anos. Ano passado, antes de Levy assumir o ministério, o Congresso aprovou o projeto que autoriza o governo federal a reduzir os juros cobrados sobre as dívidas dos Estados.
A iniciativa foi criticada por muitos analistas, e Levy ainda não mudou o indexador de nenhuma das dívidas com a União.
"A questão e a preocupação real é com a deterioração da Lei de Responsabilidade Fiscal que corrigiu muitos dos excessos do passado," disse Francisco Gil Castello Branco Neto, do Contas Abertas.