El PAÍS: “O caso Petrobras vai abalar a consciência do Brasil por anos”, diz escritora Nélida Piñon

Publicado em 17/02/2015 13:57
A escritora brasileira conversa sobre a sensação global de desesperança e sobre o papel da presidenta Dilma Rousseff na política nacional: "Precisamos de sabedoria e menos arrogância, precisamos de estadistas, que não temos.”...
 

Nélida Piñon (nascida no Rio de Janeiro, 1937) ainda guarda lembranças precisas. A escritora brasileira está na Espanha para receber o prêmio El Ojo Crítico, dado pela Rádio Nacional do país europeu. Em uma longa conversa, na qual vai e vem ao discorrer sobre inúmeros assuntos, Piñon recorre constantemente à memória. “Sem ela você não consegue entender o momento que vive.”

Pergunta. Quando você fala de desesperança, você fala de fios desatados. Que fios são esses que não estão atados?

Resposta. A linguagem. Não se escuta. Sobretudo no caso dos latinos, as pessoas falam todo o tempo, de forma incessante. Seria necessário pagar pela linguagem, com a concentração, com a atenção, com a busca pela palavra justa. É preciso escutar mais, ficar no lugar do outro. É como se vivêssemos em múltiplos mundos, cada um com um código distinto. É necessário fazer um esforço para renunciar à sua autoridade verbal. É algo que vem de longe. Eu respeito muito as palavras, porque são perigosas. Precisamos de sabedoria e menos arrogância, precisamos de estadistas, que não temos.

P. A crise na Espanha coincidiu com um momento em que o Brasil cresceu enormemente...

R. Mudamos muito. Primeiro, porque somos 200 milhões, e isso muda tudo. É uma geografia ocupada por milhões de almas que querem seu espaço vital. O crescimento do Brasil coincidiu com o de uma parte do mundo. Havia uma espécie de esbanjamento geral, um gasto excessivo. Fomos beneficiários de tudo isso. E ao mesmo tempo, celebrávamos mais anos de democracia: Fernando Henrique, Lula… Fomos ganhando uma crença em nós mesmos. Isso a democracia nos dá. O Brasil esteve muito isolado do mundo. Os escritores não tinham uma ponte com a Europa como tinham os autores hispânicos.

P. E com a América Latina?

R. Tampouco tinham muito.P. Essa barreira é insuperável?

R. Eu acredito que pouco a pouco vai se abrindo.

FALHA MORAL

P. A senhora falava da falta de estadistas. Como primeira mulher a ter dirigido uma academia das letras, como vê Dilma Rousseff, a primeira presidenta do seu país?

R. Se você me perguntar se a considero uma estadista, não, não a considero. Mas quando se diz que não está correspondendo aos ideais dos brasileiros, eu recordo que ela foi eleita. Se as mulheres erram, os homens erraram milhões de vezes ao longo de milhões de anos. Acho que [Rousseff] não tem uma vocação política para dirigir um país com a complexidade do Brasil. Não basta ser um gestor, para ser um bom governante é preciso levar em conta os sonhos e as frustrações de um país. Seus antecessores eram muito mais estadistas, eram pessoas com vocação de políticos. Não é uma questão de ser homem ou mulher, nada disso. De toda forma, não gosto de falar dos méritos ou deméritos do Brasil. Tenho escrúpulos de falar de meu país. Se fosse uma ditadura, falaria tudo o que pudesse contra ela. Mas é preciso defender a democracia. Além disso, ela foi eleita, ganhou eleições.

P. O segundo mandato dela está marcado pelo caso Petrobras.

R. O que está ocorrendo é algo impressionante. Minou-se o campo moral da Petrobras, é uma profunda tristeza. Isso vai abalar a consciência do Brasil durante muito tempo. Como é possível que não se saiba, que saqueiem uma casa como a Petrobras e ninguém saiba nem diga nada. Não é possível. É uma falha moral e do poder presidencial.

P. Quanto vai custar recuperar a credibilidade? 

R. Estava acontecendo e estava camuflado, o que nos leva a pensar que sabemos pouco, que só nos deixam saber pedacinhos, partes. É por isso que a imprensa é extraordinária; o Estado mente de forma inconsequente, só deixa que saibamos o que lhe convém.

 

Grito de ‘impeachment’ volta a assombrar a política brasileira

O primeiro presidente eleito pela população brasileira após 20 anos de ditadura militar não terminou o próprio Governo. Foi em 1992, com o processo de impedimento do hoje senador Fernando Collor de Melo, que o brasileiro se familiarizou com o dispositivo doimpeachment, que, 23 anos depois, volta a assombrar a política brasileira em meio ao maior escândalo de corrupção da história do país, à expectativa de recessão econômica e à ameaça de racionamento de água e de energia. E isso não é exclusividade de Dilma Rousseff. Desde a queda de Collor, os brasileiros se acostumaram a clamar pela retirada antecipada de cada presidente eleito.

ex-presidente Fernando Henrique Cardoso se acostumou aos gritos de "Fora FHC" durante o segundo mandato (1999-2002), quando o país entrou em crise em meio à desvalorização do real, levando a protestos como a "Marcha dos 100 mil", que cobrava sua saída. Seu sucessor, Luiz Inácio Lula da Silva, também esteve ameaçado de cair no fim do primeiro mandato, peloescândalo do mensalão, e, segundo o que registra a crônica política, isso só não ocorreu porque seus opositores apostaram equivocadamente que o desgaste do caso dispensava o impeachment, pois seria o bastante para impedir a reeleição de Lula.

A insistência, eleição após eleição, de gritar "impeachment" tem a ver com a boa lembrança que o brasileiro tem do processo que levou à renúncia de Fernando Collor em 1992, arrisca o cientista político Leonardo Barreto, doutor pela Universidade de Brasília. A queda do presidente criou as condições para a implementação do Plano Real, que estabilizou a economia brasileira após anos de turbulência. A renúncia de Collor também deixou a impressão de protagonismo da população, que, já enervada pelo confisco das poupanças (entre outras medidas de ajuste) para frear a inflação, foi às ruas para protestar contra um presidente envolto em suspeitas de corrupção desde sua campanha.

"Fora Dilma"

Não é de se espantar, portanto, que, em meio ao novo clamor deimpeachment, surjam boatos de confisco da poupança dos correntistas da Caixa Econômica Federal, desmentidos nesta sexta-feira pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy. "Tais informações são totalmente desprovidas de fundamento, não se conformando com a política econômica de transparência e a valorização do aumento da taxa de poupança de nossa sociedade, promovida pelo governo, através do Ministério da Fazenda", informou o Ministério da Fazenda em nota.

A gritaria contra a presidenta Dilma Rousseff soa isolada em ruas e redes sociais desde o dia de sua reeleição, em 26 de outubro do ano passado, mas entrou na pauta política do país com o surgimento das primeiras ramificações políticas da Operação Lava Jato, principalmente depois da denúncia de que o tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, teria recebido 200 milhões de dólares em propina por meio de contratos da Petrobras. Foi nesse contexto que o jurista Ives Gandra Martins redigiu um parecer para dizer que já existe base jurídica para um pedido de impedimento da presidenta. 

O parecer de Gandra, que aponta a “improbidade por culpa” da presidenta no caso Petrobras, não repercutiu apenas por causa da reputação de seu autor. O jurista elaborou sua avaliação sobre o caso a pedido de José de Oliveira Costa, que vem a ser membro do conselho do Instituto do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, a quem atende em causas judiciais. Confrontado com o caso, FHC apressou-se em dizer, em seu perfil no Facebook, que “não há ameaças golpistas, a não ser na imaginação de partidários do governo que sentindo o descalabro procuram justificativas jogando a responsabilidade em ombros alheios”.

Os opositores do Governo resistem em defender abertamente oimpeachment neste momento, mas, apostando no desgaste da gestão Dilma, não deixam o assunto sair do foco, e alguns deles, como o senador Ronaldo Caiado (DEM), ensaiam ir à passeata conta a presidenta marcada para 15 de março. O movimento, que conta com adesões em 15 Estados, ganhou força depois que pesquisa Datafolha mostrou uma brusca queda de popularidade da presidenta Dilma Rousseff. Nesta semana, após a divulgação da pesquisa, a consultoria política Arko Advice elevou de 15% para 30% a probabilidade de um pedido de impeachment prosperar — para o Eurasia Group, “a possibilidade de impeachment segue baixa (20%), mas se tornou um risco real a se monitorar”.

Pressão

Segundo o líder do PSDB no Senado, Cássio Cunha Lima, “a palavra impeachment está escrita na nossa Constituição e, portanto, por ser um tema constitucional, não tem de causar arrepio em ninguém”. O senador tucano acrescentou, em plenário, que “se chegar o instante em que a Constituição tenha de ser cumprida, ela será cumprida”. Eleito por um partido da base do Governo, o senador Cristovam Buarque (PDT) engrossou o coro: “A palavraimpeachment não deve causar arrepio porque está na Constituição. O que causa arrepio é estar na boca do povo.”

Do outro lado, governistas como o senador Lindbergh Farias (PT), que liderou os protestos dos caras-pintadas durante o processo de impeachment de Collor, reagem contra o que chamam de “golpismo”. “Não temos problema de falar emimpeachment, a não ser quando serve para patrocinar um golpe”, disse em plenário a senadora Gleisi Hoffmann, admitindo, contudo, que o Governo precisa melhorar a comunicação sobre seus feitos para afastar o clamor ainda localizado de derrubada da presidenta. E o antídoto para os riscos que um processo político contra Dilma pode de fato estar numa “batalha de comunicação”, convocada pela própria presidenta na primeira reunião ministerial de seu segundo mandato — e que deve levá-la à televisão após o carnaval para defender seu Governo.

O clamor pelo impeachment de Dilma tem elementos parecidos ao processo que levou à renúncia de Collor em 1992, como a quebra de confiança sobre a capacidade do Governo de sanear os problemas econômicos do país e uma tensão entre o Palácio do Planalto e o Congresso Nacional, simbolizada pela eleição de Eduardo Cunha para a presidência da Câmara. “Mas Dilma tem uma coisa que Collor não tinha: apoio popular”, comenta o cientista político Leonardo Barreto.

Barreto lembra que o consenso social pela queda de Collor contribuiu para que a maioria do então presidente da República no Congresso se virasse contra ele e aceitasse o pedido de impeachment. “Agora, Dilma, que acabou de ser reeleita com 54 milhões de votos, tem o apoio de alguns grupos sociais. O que leva a questionar se os líderes do Congresso topariam dar início a um processo como esse, muito desgastante, que poderia levar as pessoas de volta aos gramados da Esplanada dos Ministérios para protestar”, diz o cientista político, lembrando dos protestos de junho de 2013.

O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, por quem o pedido de impeachment terá de passar se ocorrer até 2016, tem dito que "não há espaço" para discutir o assunto. "Não concordo com esse tipo de discussão e não terá o meu apoiamento", disse o deputado que, eleito a partir de uma plataforma de independência, vem impondo sucessivas derrotas ao Governo no Congresso Nacional.

 
 
 
Fernando Henrique Cardoso
Figura pública · 421.237 curtidas
 · 5 de fevereiro às 18:58 · Editado · 

Na terça-feira, li opinião de um jurista, publicada na Folha de São Paulo, sobre um possível processo de impeachment contra a Presidente Dilma. No corpo do artigo, há a informação de que José de Oliveira Costa o havia inquirido sobre o tema.

Oliveira Costa é membro do Conselho do IFHC e como advogado tem atendido, circunstancialmente, casos meus. Não é homem de vida política e muito menos partidária. Não me consultou antes de solicitar um parecer sobre o impedimento, até por ...

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Como funciona o 'impeachment'

R. B.

Quem decide o futuro do presidente no processo de impeachment é o parlamento. De acordo com a Lei 1.079 de 1950, "é permitido a qualquer cidadão denunciar o Presidente da República ou Ministro de Estado, por crime de responsabilidade, perante a Câmara dos Deputados". Mas cabe aos parlamentares investigar e decidir pela permanência ou saída do presidente.

Pelo menos 342 dos 513 deputados precisam aceitar a denúncia, para que o Senado abra um processo de investigação a ser presidido pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, hoje o ministro Ricardo Lewandowski. Durante as apurações, que podem durar até 180 dias, o presidente deve permanecer afastado (o vice assume), e só perderá o mandato se dois terços dos senadores (54) assim decidirem.

Caso os 180 dias não sejam necessários para encerrar a questão, as apurações seguem, mas o presidente reassume o cargo. Se os parlamentares decidirem que o presidente deve sair, quem assume é seu vice, no caso o peemedebista Michel Temer.

Manifestação pelo impeachment de Collor, em 1992. / ARQUIVO FOTOGRÁFICO

Fonte: EL PAÍS

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