Os fins justificam os meios para o Governo petista, por FERREIRA GULLAR
Lula e Dilma sabem perfeitamente que este governo petista que agora se inicia pode ser a cartada final que decidirá a continuação ou o final de sua hegemonia política. Ao afirmá-lo, não digo mais que o óbvio, uma vez que a própria Dilma, por certas decisões que tomou ao constituir seu novo ministério, deixou clara a situação crítica que terá de enfrentar.
A nomeação de Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda é a confissão de que a política econômica que impôs ao país fracassou e, por isso, terá que adotar a de seus adversários teóricos. Claro que ela jamais admitirá isso, conforme se viu, ao tomar posse, quando, mais uma vez, falou de um Brasil que só existe em seus discursos.
Mas, agora, na prática vai ter que fazer o contrário do que disse durante a campanha eleitoral, quando acusava Aécio de pretender fazê-lo e, com isso, acabar com os programas sociais.
Esse descompromisso com a verdade é, aliás, uma característica do PT. Não se viu, para espanto geral, o ministro Fulano afirmar "não somos ladrões", referindo-se às acusações que pesam sobre o seu partido? É como se o mensalão não houvesse existido e o STF não tivesse condenado, por corrupção, algumas das mais destacadas figuras do PT.
Quem usa dinheiro público para comprar deputados é o quê? Certamente, não se pode estender essa acusação a todos os membros do partido, mas tampouco isentar de culpa os que agiram errado.
Sucede que esse descompromisso com a verdade é tal que —lembram?— quando Dirceu e Genoino apareceram em público, a caminho da prisão, ergueram o punho como heróis injustiçados, e a própria direção do PT os considerou "prisioneiros políticos"!
É que os dirigentes petistas, quando falam, não estão se dirigindo ao povo em geral, mas exclusivamente a seus seguidores.
Dilma sabe muito bem que as medidas que está tomando, neste segundo mandato, contrariam tudo o que ela disse durante a campanha eleitoral, mas sabe também que os petistas acreditarão em qualquer coisa que diga, simplesmente porque a verdade não vale se for contra o petismo; o que vale é a versão que denigre o adversário.
Noutras palavras, os fins justificam os meios. Confesso que, ao ouvir o seu discurso de posse, me perguntava como podia ela dizer o que estava dizendo, se sabia muito bem que, há poucos meses, dissera o contrário.
Uma das afirmações que mais me espantaram foi quando disse, a propósito do escândalo da Petrobras, que o seu governo era o primeiro a combater a corrupção no Brasil e isso graças a ela, que permitiu à Polícia Federal investigar as falcatruas naquela empresa.
Todo mundo sabe que a Polícia Federal é um órgão do Estado e não do governo, de modo que, por isso mesmo, não precisa de autorização da Presidência da República para cumprir sua função.
Mas Dilma insiste nisso, porque o escândalo da Petrobras atinge diretamente seu partido e o governo petista que, durante doze anos, fez vista grossa às trapaças de que participaram seus correligionários e seus aliados.
Como o escândalo se ampliou e ameaça ampliar-se ainda mais, Dilma passou a colocar-se como a verdadeira defensora da Petrobras, que estaria sendo ameaçada por predadores internos e inimigos externos, ou seja, a oposição.
Não dá para crer: segundo ela, quem ameaça a Petrobras não é o governo petista, que permitiu as falcatruas e participou dela, mas, sim, os que denunciam a corrupção e pedem a punição dos culpados. É evidente que nenhuma pessoa normal e isenta acredita nisso, o que torna ainda mais surpreendente a desfaçatez com que ela faz tais afirmações.
Foi assim que, ao ouvi-la no discurso de posse, ocorreu-me uma explicação talvez pertinente, ou pelo menos plausível, para que afirme tantas inverdades.
A explicação seria esta: ela, como seu partido, é a defensora do povo pobre, explorado pelos ricos. Logo, quem a ela se opõe é inimigo do povo pobre e, portanto, para derrotá-lo, tudo é válido, como mentir, valer-se do dinheiro público e das propinas pagas pelas empreiteiras.
Só pode ser isso, já que não consigo acreditar que alguém, falando à nação, afirme o contrário de tudo o que disse há poucos meses atrás.
(POR FERREIRA GULLAR)
POR ELIO GASPARI:
No ano passado as montadoras de veículos dispensaram 12,4 mil trabalhadores. Neste ano a Volkswagen disse que dispensará mais 800, e a Mercedes-Benz, 244. Disso resultaram greves nas duas empresas. Para um começo de ano, nada pior, e isso é apenas o começo. Só o tempo dirá se Dilma Rousseff e Joaquim Levy vivem no mesmo país, mas o bafo do desemprego de metalúrgicos acordou uma velha ideia: a empresa dispensa o trabalhador e ele vai para casa com uma parte do salário. O pulo do gato está na identidade de quem paga. Copiando-se uma iniciativa alemã, a empresa pagaria uma parte, e a Viúva, outra. Seria a Bolsa Metalúrgico, ou Bolsa Montadora. Isso num governo que acaba de mandar ao Congresso uma medida provisória apertando as exigências feitas a todos os trabalhadores para o acesso ao seguro-desemprego.
Essa ideia já apareceu no início de 2014, quando as vendas de veículos começaram a cair. A analogia com o modelo alemão é mistificadora. Lá, a crise que criou esse gatilho ocorreu em 2009, quando a venda de veículos caiu 30%, o PIB contraiu-se 4%. Em Pindorama a situação é diferente. Ademais, nos últimos anos o mercado de veículos foi estimulado por uma renúncia fiscal de R$ 12,3 bilhões e nem todas as montadoras estão perdendo competitividade.
Não faz sentido botar dinheiro da Viúva para socorrer metalúrgicos e montadoras. Se o mecanismo é bom, deveria valer também para todos os outros setores da economia e para todas as categorias de trabalhadores.
O governo tem dinheiro para ficar com parte da conta? O doutor Levy sabe que não. No seu discurso de posse o novo ministro da Fazenda fez uma crítica do patrimonialismo, "a pior privatização da coisa pública". Citando o historiador Raymundo Faoro, apontou os malefícios do Estado centralizador, com os viscondes e marqueses do império.
Tudo bem, muitos são os males do Estado, mas Faoro mostrou, num quadro do século 19 que persiste no 21, que há gente na outra ponta do problema. Ele escreveu o seguinte:
"O empresário quer a indústria, mas solicita a proteção alfandegária e o crédito público. Duas etapas constituem o ideal do empresário: na cúpula, o amparo estatal; no nível da empresa, a livre iniciativa."
OS FUNDOS NA FRENTE
O próximo capítulo das petror-roubalheiras começou a deslocar-se na direção dos grandes fundos de pensão de estatais. A conta é simples: em quase todas as transações das empreiteiras, elas entravam com projetos e amizades, mas o dinheiro saía desses fundos.
Por exemplo: o aeroporto de Guarulhos foi entregue a um consórcio liderado pela empreiteira OAS. Nele, são parceiros os fundos Petros e Funcef, dos servidores da Petrobras e da Caixa. Em setembro passado o Petros tinha um deficit de R$ 5,5 bilhões, e o do Funcef estava em R$ 4,9 bilhões.
DOIS COCOS
A ação da Petrobras caiu abaixo de R$ 10. Custa menos que dois cocos nos quiosques de Ipanema, onde cada um sai por R$ 5.
ANÁLISE DE VINICIUS TORRES FREIRE:
Cortar a perna para perder peso
A inflação ficou 'na meta', como diz Dilma, à custa de artifícios que desarranjaram o país
A INFLAÇÃO DE 2014 ficou na meta, como costuma dizer a presidente, para o constrangimento da realidade e de economistas. Ficou em 6,4%, esbarrando no teto de tolerância de 6,5%, mesmo assim por meio de truques que desarranjaram vastos setores da economia, esvaziaram o Tesouro e resultaram em crescimento zero.
A inflação de Dilma 1 foi um tico menor que a de Lula 1, 27% ante 28%. Mas em seu primeiro ano Lula teve de lidar com a carestia resultante da desvalorização horrorosa do real de 2002. A inflação de Lula 2 foi de 22%. Mas a economia, o PIB, cresceu 3,5% ao ano sob Lula 1 e 4,6% sob Lula 2. Nos anos Dilma 1, 1,6%, se tanto. Proeza.
Uma inflação de uns 6,5% é "alta"? Não é possível responder a uma pergunta posta desse modo.
O Brasil teve uma inflação inconveniente, de resto disfarçada, em um mundo que tem namorado a deflação. Esse foi um dos motivos da "perda da competitividade" dos produtos nacionais. Trocado em miúdos, também por isso o Brasil ficou caro demais, passou a comprar lençol em Miami, a importar demais de tudo, o que contribuiu para estes anos de ruína da indústria.
Como se dizia nestas colunas em junho de 2012 e, claro, em tantos outros lugares: com a virada na biruta da política econômica naquele ano, "...o Brasil vai acabar se tornando uma economia inflacionada num mundo que embica para a deflação. Mas talvez o governo não esteja ligando muito para isso".
A inflação no Brasil cresceu. No resto do mundo relevante, caiu. Segundo o Banco Mundial, a inflação do mundo (preços ao consumidor) passou de 4,6% em 2006 para 2,6% em 2013. Na OCDE, associação das três dúzias de economias mais relevantes ou ricas do mundo, a inflação passou de 2,3% em 2006 para 1,4% em 2013. Mesmo na América Latina de Venezuela e Argentina, a inflação caiu.
Além do mais, a inflação está subestimada, na prática, devido a controles de preços que agora se descontrolam. Os subsídios ao preço de gasolina e eletricidade contribuíram para avariar as finanças da Petrobras, endividar de modo irresponsável a maior empresa do país e causar-lhe descrédito. Proezas.
No setor elétrico, subsídios diretos e indiretos, entre outras inépcias, causaram rombos financeiros nas empresas, além de gastos adicionais do exaurido Tesouro Nacional. A inflação da energia e combustíveis nos anos Dilma 1 foi de meros 9,5% (ante 27% da inflação geral).
Reduções de impostos contribuíram disfarçar a inflação, assim como para esvaziar o caixa do governo e causar deficit fiscais horríveis sem relançar o crescimento.
O conjunto da política macroeconômica e medidas adicionais para segurar o câmbio mantiveram o real valorizado demais, outro talho artificial na inflação, o que de resto contribuiu também para arruinar a atratividade dos preços das manufaturas brasileiras. O governo controlou a inflação tanto quanto um sujeito que, a fim de perder peso, cortou uma perna em vez de fazer dieta.
Além de inflação e baixo crescimento, tal política colaborou para o saldo minguante do comércio exterior e um deficit crescente nas contas externas. A inflação vai beirar os 7% neste início de 2015, o crescimento será zero e o deficit externo ronda os periclitantes 4% do PIB. Proezas.