"Crise? Que crise?", por VINICIUS TORRES FREIRE, na Folha de S. Paulo
As praias e seus hotéis estavam lotados, as estradas para o litoral, entupidas, e comer um sanduíche exigia uma hora de fila. "Crise? Que crise?"
Histórias e fotos dos congestionamentos dos feriados fizeram sucesso em blogs e redes insociáveis na virada do ano. "Formadores de opinião" adeptos de Dilma Rousseff faziam troça de "pessimildos". Logo apareciam os críticos, e passava-se ao debate: "coxinha", "fascista", "mortadela", "petralha" e nenhuma ordem nas razões.
Olha o mau gosto da postagem do deputado Paulo Pimenta. Vai ver ele acha que foi o governo do PT quem bancou a ida ao Litoral Norte desse povo.
Como é comum nesse ambiente, virtual e realíssimo, os que comungavam da mesma opinião se congratulavam pela esperteza esotérica, pelo conhecimento exclusivo da realidade e pela imunidade contra o "derrotismo" do "golpismo midiático" — ou pela indiferença à estatística, para não dizer a sofrimentos.
Hotel de praia lotado é um bom indicador? Aliás, estava lotado?
Ainda não há estatísticas gerais da ocupação dos hotéis no final do ano. Há evidências anedóticas (parciais, casos) de que os negócios não foram mal e de empresários do ramo algo contentes.
Até outubro, o negócio parecia em baixa. A taxa de ocupação então caía 6,8% no ano, segundo os dados mais recentes disponíveis da parceria do Fórum de Operadores Hoteleiros do Brasil com o Senac de São Paulo. A receita por apartamento diminuía 10,4%. Em 2014, a receita já subira abaixo da inflação (ou seja, diminuiu, em termos reais). Há alguma crise na hotelaria.
Pode ser que o final de ano tenha sido melhor. É possível, mas ainda não precisamente provável, que brasileiros tenham substituído viagens ao exterior pelo turismo doméstico. Acontece em vários negócios quando há "alta do dólar". Em crises menos bicudas, é assim que começam recuperações econômicas. Em vez de comprar lá fora, voltamos a comprar "produto nacional", de hotel a roupa, passando por insumo industrial.
As despesas com viagens ao exterior, medidas em dólar, começaram a cair em fevereiro. Em reais, passaram a despencar lá por agosto, em média quase 20% em relação a 2014.
Em crises costuma haver mudança de padrões de consumo (os preços se alteram uns em relação aos outros; a perda de renda eleva a procura por produtos inferiores etc.). Difícil julgar o que se passa considerando apenas um ramo de negócio. Mas é um tanto ridículo argumentar essas quase obviedades com quem faz "disputa política", a expressão repulsiva que define o uso de truques para justificar interesses da política politiqueira mais baixa, da situação à oposição.
O fato geral é que o investimento em expansão da economia cai desde 2013. Até outubro de 2015, as vendas do varejo caíam 3,6%. O consumo de eletricidade, mais de 2%, raro. O rendimento médio nas metrópoles caía 8,8% até novembro, o número de pessoas empregadas era 3,7% menor que em 2014.
Até setembro, quem não faz troça da desgraça poderia ficar um pouco aliviado com o fato de que, na média do Brasil, nem a renda nem o número de empregados havia caído —sinal de que o interior ainda resistia, talvez por causa de benefícios sociais. Mas Estados e cidades vão ficando sem dinheiro para ataduras ou salários. Esses são apenas sintomas. A doença, embora curável, é muito pior.
O sinal do dólar, editorial da FOLHA
A divulgação de dados pouco auspiciosos sobre a economia da China provocou nesta segunda-feira (4) a queda da Bolsa de Valores de vários países, incluindo o Brasil, e levou à desvalorização da maior parte das moedas emergentes. Como em 2015, o real esteve entre as mais prejudicadas –e já não surpreende que seja assim.
É que, de certa forma, pode-se relacionar o grau de desenvolvimento institucional (e de acumulação de poder) de um país à confiabilidade de sua moeda. Quanto mais elevado aquele, maior será esta.
Em alguns casos, atinge-se prestígio tal que a moeda se torna referência de valor global (dólar, euro, libra esterlina e iene, por exemplo), e não só para os cidadãos do país. Oscilações nas cotações tendem a ser consideradas reflexos de diferenças de ciclo econômico e níveis de juros, em geral não indicando um quadro de desconfiança.
Entre muitos emergentes, porém, o padrão monetário local serve como meio de transação apenas interno e reserva de valor menos confiável. A cotação dessas moedas em relação a referências sólidas é percebida como critério para avaliar a economia nacional.
Assim é por aqui, onde a população vê o nível da moeda americana diante da brasileira como atestado de saúde –ou, no momento, de doença. Em 2015, o país se destacou como o mais febril: o dólar saltou de R$ 2,7 para quase R$ 4; a desvalorização do real foi menor somente que a do peso argentino.
Verdade que parte dessa depreciação decorre de razões externas, como os juros nos EUA e a queda de preços de matérias-primas. Até aí, portanto, nada de anormal na perda de valor do real.
De fato, até meados do ano passado, a dinâmica da moeda brasileira seguia o padrão global, salvo por um surto de desvalorização em março, no auge da insegurança em relação ao balanço da Petrobras.
A partir de julho, todavia, o cenário muda. Quando o governo Dilma Rousseff (PT) abandona as metas de economia no Orçamento, escancarando o descontrole da dívida pública, a perda de valor do real se acentua e adquire vida própria.
Tem-se aí um dos resultados do descalabro administrativo da gestão petista: o enfraquecimento dos fundamentos que dão guarida ao valor da moeda, fazendo o país regredir a um padrão de instabilidade que se acreditava superado.
Parte desse ajuste no câmbio até é desejável, pois ajuda a devolver competitividade à indústria nacional e a diminuir o deficit nas contas externas (facilitando exportações, e não importações). Mas não se trata apenas disso, infelizmente.
A cotação do dólar, no fundo, reflete o temor de que, sem a adoção de medidas adequadas, o crescimento exponencial da dívida interna levará a uma erosão institucional ainda mais dramática e selvagem –um processo de inflação crescente, que atinge a todos, sobretudo os mais pobres.
Em outras palavras, a preocupante desvalorização do real é apenas sintoma de um quadro bastante grave da economia brasileira.
A falta que a política faz
por GUSTAVO PATU, DA FOLHA DE S. PAULO EM BRASÍLIA -
Dilma Rousseff não foi a única nem a principal vencedora das eleições presidenciais de 2014. O que angariou a apertada maioria dos votos válidos foi a repulsa a um ajuste econômico baseado em juros altos, tarifaço e corte dos programas de amparo social –a tese básica da monotemática campanha petista.
Daí haver um tanto de contrassenso na crítica da presidente, em artigo publicado pela Folha, a "setores da oposição que não aceitaram o resultado das urnas". Afinal, ela própria inaugurou o desrespeito à escolha que convenceu o eleitorado a fazer.
Dessa transgressão de origem resultou o nó de seu segundo mandato, em que o governo não governa e a oposição não se opõe de forma coerente. Esta prega austeridade e flerta com a demagogia oportunista no Congresso; aquele não dispõe de credibilidade nem para conduzir o ajuste demonizado nem para voltar atrás.
Sem liderança e mediação política, o debate nacional atrofia, cedendo lugar ao bate-boca infantilizado das redes sociais e dos bares do Leblon, aos abaixo-assinados das tribos acadêmicas e a manifestações de rua crescentemente amorfas.
Desfez-se o entendimento mínimo em torno da gestão das contas do governo e da inflação, consolidado sob FHC e Lula. Abriu-se um caminho promissor para palpiteiros, marqueteiros e demais vendedores de discursos fáceis e saídas milagrosas.
O buraco no Orçamento se tornou grande demais para ser tapado com meras providências administrativas: há pela frente embates ideológicos em torno da repartição de sacrifícios e benesses, em que as decisões, quaisquer que sejam, muito provavelmente descontentarão mais da metade dos eleitores.
Recessões são, em geral, períodos em que excessos e desequilíbrios da economia são corrigidos, de forma amarga. Não é o caso da atual, inutilmente profunda e prolongada devido à babel política. Ao que tudo indica, o país sofrerá à toa neste 2016.
Não precisamos ser os melhores do mundo
Por ALEXANDRE VIDAL PORTO
Diálogo autêntico colhido no Facebook de um amigo:
"O Brasil continua a ser o melhor país do mundo."
"Melhor país do mundo? Tá precisando viajar mais, compadre."
O escritor francês Gustave Flaubert dizia que viajar nos faz modestos, porque, viajando, nos damos conta do quão pequeno é o lugar que ocupamos no mundo.
Essa observação é especialmente útil para os brasileiros.
Perdemos a noção da nossa imagem internacional. No passado recente, enchíamos o peito para falar de quinta economia do planeta, dos aviões e de toda a soja que exportávamos, do pleno emprego, dos 20 milhões resgatados da pobreza.
Vínhamos de dois presidentes respeitados mundialmente. Teríamos uma mulher na chefia do Estado. Nossos problemas pareciam resolvidos. O Brasil tinha encontrado seu estilo.
Finalmente, recebíamos justiça. Dormimos pobres e acordamos ricos. Até que foi fácil. Deus era brasileiro mesmo, viu o pré-sal?
Mas, do jeito que enricamos, perdemos tudo. O que vem fácil vai fácil. Deixamos de ser sucesso internacional. Hoje, o risco país do Brasil é mais alto que o da Argentina. Estamos em recessão.
Nas conversas com estrangeiros, temos de explicar o inexplicável.
Que era tudo uma mentira, que entramos em um processo de alucinação coletiva, um esquema de aparelhamento do Estado de proporções inimagináveis orquestrado pelo governo contra o povo.
A conjuntura internacional já não nos favorece. O valor de mercado da Petrobras é inferior ao do Uber, e todas –eu disse TODAS– as empresas brasileiras na Bolsa de Valores, somadas, não chegam ao valor do Google. A inflação e o desemprego crescem.
Ainda assim, nosso governo segue com um discurso arrogante, sem contato com a realidade. A culpa é da crise internacional. A situação não é tão má assim. 2016 vai ser melhor. Só que não vai.
Precisávamos de um líder que nos mostrasse a realidade como ela é e nos congregasse como nação.
Em lugar disso, temos uma antigovernante, uma destruidora de alianças, uma personalidade belicosa. Já notou o ódio que destila de seu olhar?
No governo Dilma, entre tantas outras coisas, perdemos o espírito de nacionalidade: no Brasil, hoje, somos coxinhas contra hipsters; pseudopolitizados de esquerda e de direita contra a elite alienada e a massa ignara; todos disputando o espaço social.
Somos a Pátria Educadora da presidente que mentiu sobre a própria educação.
O meu desejo para 2016 é que o Brasil deixe de achar que é o melhor país do mundo, porque não é.
Precisamos de humildade e autocrítica para reconhecer e enfrentar nossos problemas. Não faltam estatísticas deprimentes para indicá-los.
Não dá para fingir que somos uma coisa que não somos. O governo tem de parar de fazer propaganda enganosa.
Não precisamos ser os melhores do mundo em nada. Basta que sejamos bons.
Uma ameaça no horizonte
Por SILVIO PASSARELLI
Por mais paradoxal que possa parecer, a deterioração dos indicadores econômicos nos últimos meses teve o condão de fazer ruir o castelo de otimismo da economia brasileira.
Nunca é demais lembrar que a reeleição da presidente Dilma ocorreu no ano passado e, nem mesmo a oposição conseguiu ser veemente diante da tragédia que se avizinhava.
Era como se a sociedade brasileira estivesse mesmo deitada em berço esplêndido, protegida dos perigos da economia mundial.
A atual crise brasileira se deve ao governo e não à crise mundial. No afã de minorar os efeitos da pobreza, o governo gastou, irresponsavelmente, mais do que podia, gerando este déficit descomunal e um endividamento sem precedentes.
Incompetência de lado, vamos ao fato substantivo. A bem da verdade, a maioria absoluta dos indicadores econômicos entraram em parafuso, e as trampolinagens contábeis para maquiar o fracasso colocou em primeiro plano a triste realidade: a crise, camuflada por meses, deixou para trás os estágios iniciais, e agora apresenta-se inteira para horror de expressivos segmentos da sociedade brasileira.
O ex-ministro da Fazenda, Joaquim Levy, bem que tentou aparentar uma tranquilidade estudada. Mas, com o passar dos dias, na medida em que as péssimas notícias se multiplicavam, percebeu-se um olhar de pânico em seu rosto e, mais do que a certeza de uma crise de grandes proporções, havia a certeza do quão difícil seria sair do atoleiro.
Em mais esta oportunidade, a economia e a política estavam umbilicalmente ligadas. As perspectivas de desempenho do PIB impedem uma solução política. E, sem esta solução, as perspectivas econômicas se tornam mais dramáticas. A presidente Dilma se encontra acossada pelo imobilismo do Congresso.
Nem mesmo os reiterados apelos que estão sendo realizados, conseguem ter o dom de mobilizar as lideranças. O tempo é um adversário cruel para a Presidente e já se especula abertamente quando e quanto serão os cortes no programas sociais. Como se pode facilmente intuir, cortes em programas sociais gerarão turbulências políticas de graves consequências.
Vale notar, porém, que desta vez nossa preocupação não está radicada em quais medidas o governo deve tomar para atenuar ou reverter o problema e, sim, no dano que este estado de coisas pode trazer ao espírito empreendedor brasileiro.
Por conta desta indefinição, começamos a ouvir a voz dos empreendedores, num mantra que é recitado à exaustão, falando que a melhor coisa é largar tudo, que o retorno sobre o capital investido não compensa, e que, se a empresa fosse vendida e o dinheiro aplicado, a família viveria muito melhor.
Se de um lado este desabafo ajuda a superar as agruras da crise, de outro, representa uma ameaça velada a sucessores e herdeiros.
Não existe nada mais sagrado no universo da empresa familiar do que os herdeiros querendo se transformar em sucessores. Querendo conhecer a empresa, apresentar sugestões e projetar cenários.
É por isto que, mesmo reconhecendo as dificuldades enfrentadas pelas empresas, ouso aconselhar às antigas gerações de gestores, a separar o joio do trigo.
Na maioria das vezes, as atividades empresariais são lucrativas e prazerosas. A maior parte destes empresários construiu o patrimônio que possuem com o trabalho e o desenvolvimento da empresa. Logo, não é agora, quando a situação do país não é nada boa, que iremos realizar um discurso que acaba matando o sonho da sucessão.
Criar, desenvolver, estimular, desafiar uma empresa, é trabalho de toda uma vida. Em momentos de crise, o planejamento do processo sucessório se torna ainda mais importante, urgente mesmo. Negócios sem um modelo sucessório claramente definido são o caminho mais curto para o fracasso.
SILVIO PASSARELLI é diretor da Faculdade de Administração da Fundação Armando Alvares Penteado e responsável pelo Programa Família Empresária e Gestão da Empresa Familiar