Na VEJA: Mensaleiros podem se livrar da condenação por quadrilha – e da cadeia

Publicado em 18/09/2013 15:41 e atualizado em 19/09/2013 10:53
Celso de Mello, decano da corte, desempata votação a favor da validade dos embargos infringentes, o que adia indefinidamente o desfecho do julgamento

Com o voto decisivo do ministro Celso de Mello, a sessão desta quarta-feira no Supremo Tribunal Federal (STF) expôs a face mais perversa da Justiça brasileira: a infinidade de recursos que, a pretexto de garantir amplo direito à defesa, fazem a delícia dos criminosos e a fortuna dos criminalistas. Devido às omissões e incongruências da legislação, mensaleiros obtiveram no plenário uma decisão que, na prática, desautoriza sentenças emitidas pelo próprio colegiado. Passadas 64 sessões, onze delas dedicadas à análise dos recursos, a maioria dos ministros aceitou uma certa modalidade de apelação, chamada embargo infringente, que leva ao reexame das condenações - e, na prática, a um novo julgamento. Com isso, fica indefinidamente adiado o desfecho do processo. Condenações poderão ser comutadas em absolvições, penas em regime fechado poderão ser abrandadas, crimes poderão prescrever e - mais grave - o simbolismo do julgamento, que pareceu inaugurar um tempo de maior rigor no combate aos crimes contra a administração pública, será diluído ou mesmo anulado.

O Supremo tem agora pela frente um longo e incerto caminho: a publicação de novo acórdão em razão dos embargos declaratórios, concluídos na semana retrasada; o eventual julgamento de novos embargos de declaração (a propósito do novo acórdão); o recebimento dos embargos infringentes, réu por réu (e já ficou estabelecido que eles terão prazo de 30 dias para apresentá-los); a relatoria, que, por sorteio realizado nesta quarta, caberá ao ministro Luiz Fux; considerações da defesa e da Procuradoria-Geral da República (agora sob novo comando) e, enfim, sabe-se lá quando, o segundo julgamento (após o que, eventualmente, novos embargos de declaração e novo acórdão). É impossível prever quando o caso chegará ao fim. Levará "anos a fio", para o Ministério Público. Ficará para a "eternidade", segundo o ministro Joaquim Barbosa, presidente da corte e relator do processo do mensalão.

Ministros querem que réus comecem a cumprir pena antes de novo julgamento

Marco Aurélio Mello e Gilmar Mendes defendem defendem execução de sentenças contra as quais não caibam infringentes

A matemática regimental adotada pelo Supremo Tribunal Federal, além da tradição de morosidade na publicação dos acórdãos, adiará para o início de 2014 o novo julgamento de parte das acusações contra onze dos 25 condenados no processo do mensalão e a execução das penas. Mas uma proposta que deve dividir o plenário pode servir de atalho para antecipar a prisão dos condenados no caso: os ministros Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello defendem a possibilidade de os réus comecem a cumprir as penas pelos crimes que não podem ser contestados nos novos recursos. O regimento do STF define que os réus só podem se valer dos embargos infringentes para contestar condenações em que tiveram pelo menos quatro votos a favor da absolvição.

Se o tribunal aceitar essa proposta, um condenado como o ex-ministro José Dirceu poderia ser preso já em dezembro para a cumprir a pena de 7 anos e 11 meses por corrupção em regime semiaberto. Enquanto isso, o tribunal decidiria se manteria ou não a pena pelo crime de formação de quadrilha. Confirmada essa condenação, a pena total de Dirceu voltaria a 10 anos e 10 meses e, com isso, ele passaria ao regime fechado.

O desmembramento do trânsito em julgado do processo, cuja possibilidade já foi criticada pelos advogados, atingiria as figuras centrais do esquema: além de Dirceu, o ex-presidente do PT José Genoino, o ex-tesoureiro Delúbio Soares e o empresário Marcos Valério.

Outra proposta já aventada por parte do tribunal seria executar as penas para os réus que não têm direito aos embargos infringentes. Neste caso, 13 dos condenados, quase todos com participação menos importante no esquema, seriam presos mais rapidamente. Esses condenados, porém, podem apresentar novos embargos de declaração, após a publicação do acórdão.

Morosidade - Se as alternativas para acelerar o processo não forem aceitas pelo plenário, o novo julgamento e a prisão dos réus seguramente ficariam para 2014. Todo esse calendário complexo e cheio de alternativas depende da publicação do acórdão dos embargos de declaração. O regimento fixa prazo de 60 dias, mas os atrasos são a regra na Corte. O acórdão do julgamento encerrado no ano passado, por exemplo, levou quatro meses para ser publicado.

Esse prazo será determinante para definir o desenrolar desse calendário. O desafio do novo relator, ministro Luiz Fux, será combinar com os demais ministros a liberação dos votos e a publicação da decisão antes desse prazo. Pelo histórico da Corte e pela divisão do tribunal ao longo do julgamento, dificilmente os apelos serão ouvidos.

Depois de publicado o acórdão, os defensores dos condenados terão 30 dias para apresentar os embargos infringentes. Os recursos chegarão ao tribunal às vésperas do recesso de fim de ano. Depois disso, o relator encaminhará os recursos para a análise do procurador-geral da República, Rodrigo Janot.

Para acelerar o processo, Janot pode analisar o caso durante o recesso e encaminhar o parecer em janeiro. Nesse cenário, Fux poderia liberar os processos para serem julgados assim que o tribunal retornasse do recesso, em 3 de fevereiro.

Leia no blog de Reinaldo Azevedo:
Há uma diferença entre garantismo e impunidade. Há uma diferença entre uma Justiça que tem a função de resguardar da sanha punitiva do estado os direitos individuais e uma Justiça que parece talhada para não funcionar; há uma diferença entre garantir o devido processo legal e dispor de leis que impedem o processo de chegar a seu termo; há uma diferença, em suma, entre a virtude que garante aos viciosos o direito de se defender e o vício que faz da virtude o instrumento privilegiado de seu exercício. Nesta quarta-feira, Celso de Mello pode até ter sido coerente com opiniões que andou emitindo aqui e ali sobre os embargos infringentes — jamais ele havia tomado uma decisão de mérito a respeito, e o mesmo se diga dos outros ministros do Supremo —, mas permite que o garantismo degenere em impunidade; que a Justiça se torne o abrigo de malfeitores; que a maquinaria do Judiciário seja usada contra o interesse público; que a virtude sirva, enfim, de cortesã do vício. As pessoas de bem só podem lamentar: pelos brasileiros, pelo Brasil e até por ele próprio.

Fonte: veja.com.br

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