Recombinação genética da antracnose do milho dificulta medidas de controle da doença

Publicado em 17/04/2023 12:20

Cientistas da Universidade de Salamanca, em cooperação com pesquisadores e produtores de milho de diferentes países, entre eles os da Embrapa Meio Ambiente, estudaram pela primeira vez a estrutura populacional do fungo causador da antracnose em 108 isolados e encontraram fortes evidências de que a recombinação genética, seja por reprodução sexuada ou por mecanismos alternativos, desempenha um papel importante na sua estrutura, o que difere da visão tradicional de que seja assexuada. Os pesquisadores concluíram que essa recombinação é frequente.

Colmo com Colletotrichum. Foto: Serenella Sukno

Os cientistas também encontraram evidências de migração recente de isolados entre a Europa e a Argentina, possivelmente devido à importação de material vegetal infectado, o que sugere que a antracnose tem potencial para se tornar muito mais significativa, principalmente devido aos isolados altamente agressivos, à expansão da distribuição geográfica do patógeno e ao aumento da suscetibilidade dos agroecossistemas acentuada pelas mudanças climáticas.

Foram obtidas hastes de milho sintomáticas fornecidas por rede internacional de pesquisadores e produtores de milho, permitindo a amostragem de nove países (Argentina, Brasil, Canadá, Croácia, Eslovenia, Estados Unidos, França, Portugal e Suíça) onde a doença ocorre. Especificamente do Brasil foram analisados 20 isolados de Colletotrichum graminicola, agente causal da antracnose, obtidos de diversas partes do país, explica Wagner Bettiol, pesquisador da Embrapa Meio Ambiente. “Considerando a América do Sul, os isolados originários do Brasil foram agrupados em ramos separados dos da Argentina, sugerindo introduções independentes”, comenta Bettiol.

“Além disso, no estudo foram identificados três ramos principais entre os isolados estudados, sendo um da América do Norte, um da Europa e outro do Brasil, sugerindo que cada um teve uma história evolutiva única”, destaca Serenella Sukno, da Universidade de Salamanca. “Compreender a diversidade genética e os mecanismos consequentes dessa variação nas populações de patógenos é crucial para o desenvolvimento de estratégias de controle eficazes”, enfatiza a professora. 

Espécies com potencial para troca genética são mais propensas a superar as medidas de controle porque a recombinação pode resultar em novas combinações de alelos que aumentam a diversidade e aceleram a adaptação em escala de campo. Conforme Sukno, não foi encontrada correlação entre virulência e estrutura populacional, embora foi observado diferenças substanciais no espectro de virulência.

Vários isolados foram mais agressivos do que a cepa originalmente coletada na América do Norte em 1972, durante o surto nos EUA. Isso é particularmente importante porque essa cepa representa a diversidade genética existente no surto e, atualmente, cepas mais agressivas estão presentes na natureza, o que pode representar risco de desenvolvimento de novos surtos ainda mais destrutivos. 

Houve uma redução significativa na produtividade nos híbridos testados, o que foi associado, entre outros fatores, à maior agressividade do patógeno e maior diferenciação genética nas populações durante o ciclo da cultura. “Encontramos evidências moleculares de recombinação genética para as três populações globais do fungo”, destaca o professor Michael Thon, da Universidade de Salamanca.

O uso de genótipos distintos de milho pode resultar em diferentes respostas à infecção fúngica. Outro aspecto significativo é que a resistência à antracnose é herdada quantitativamente, ou seja, a resistência do hospedeiro é controlada por vários genes com efeitos genéticos aditivos. Os três clados genéticos desse fungo - agrupamento que inclui um ancestral comum e seus descendentes - detectados podem ter origens evolutivas distintas, englobando uma combinação diversa de genes de virulência, que podem causar diferentes respostas de defesa no hospedeiro.

A pesquisa também destaca que a grande variabilidade na virulência deve ser considerada na seleção de variedades de milho resistentes. Isso tem implicação direta para o manejo da doença porque a migração pode causar o movimento de genótipos mais virulentos e resistentes a fungicidas. 

De acordo com Flávia Rogério, da Universidade de Salamanca, a modificação dos ambientes naturais causada pela agricultura moderna oferece novas oportunidades para a seleção natural. O emprego de culturas com diversidade genética limitada aumenta o risco de disseminação global de doenças porque os genótipos de patógenos podem se espalhar rapidamente por meio de populações hospedeiras geneticamente uniformes.

Além disso, as mudanças climáticas em curso podem alterar a distribuição de patógenos de plantas em escala global porque podem afetar o desenvolvimento de doenças, auxiliando na disseminação e sobrevivência de patógenos e seu estabelecimento em regiões até então inadequadas.

 

Importância econômica 

O milho é o segundo cereal mais cultivado no mundo, com uma área colhida de quase 200 milhões de hectares. Juntamente com o arroz e o trigo, fornece quase metade de todas as calorias diárias da alimentação humana. Embora muitas doenças afetem a sua produção, a antracnose é uma das mais importantes e requer o uso de práticas integradas para controlá-la, pois pode infectar a maioria dos tecidos vegetais, embora a podridão do caule e a queima das mudas possam causar os danos econômicos mais significativos. 

A doença está distribuída globalmente, sendo de grande importância em várias regiões do mundo. A natureza dos propágulos fúngicos, ou seja, pequenos e numerosos esporos, favorece a dispersão a longa distância, resultando na disseminação entre continentes, pois umas das principais formas de disseminação a longa distância ocorre via sementes contaminadas.

No Brasil, onde o primeiro registro foi em 1965, em Campinas, SP, o milho é plantado em duas safras distintas, verão e inverno, prática que contribui para o aumento do inoculo primário na área. Todos os materiais foram utilizados de acordo com o Tratado Internacional sobre Recursos Genéticos de Plantas para Alimentação e Agricultura, adotado pela Organização para Alimentação e Agricultura (FAO) em 3 de novembro de 2001.

 

Os autores são Flávia Rogério Universidad de Salamanca, Espanha, Riccardo Baroncelli, University of Bologna, Italy, Francisco Cuevas-Fernández e Sioly Becerra Universidad de Salamanca, JoAnne Crouch, Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), Wagner Bettiol, Embrapa Meio Ambiente, M. Andrea Azcárate Peril, University of North Carolina, Martha Malapi-Wight, Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), Veronique Ortega, Syngenta seeds, Javier Betran, Bayer Crop Science/Monsanto SAS, Albert Tenuta, University of Guelph-Ridgetown, Canada, José Dambolena, Universidad Nacional de Córdoba, Argentina, Paul Esker, The Pennsylvania State University, State College, Pennsylvania, USA, Pedro Revilla, Spanish National Research Council, Tamra Jackson-Ziems, University of Nebraska-Lincoln, USA, Jürg Hiltbrunner, Federal Department of Economic Affairs, Switzerland, Gary Munkvold, State University, Ames, Iowa, USA, Ivica Buhinicek, BC Institute for Breeding and Production of Field Crops, Croatia, José Vicente-Villardón, Serenella Sukno e Michael Thon, Universidad de Salamanca, e o trabalho completo está aqui.

Fonte: Embrapa

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