Crotalária reduz infestações da lagarta-do-cartucho no milho, aponta estudo da Embrapa

Publicado em 21/12/2016 13:38

Escolher corretamente qual planta de cobertura usar no sistema de plantio direto traz impactos sobre a presença maior ou não da lagarta-do-cartucho nas culturas subsequentes. Uma pesquisa que vem sendo realizada pela Embrapa Milho e Sorgo (MG), em conjunto com as universidades federais de Lavras (UFLA) e de São João del-Rei (UFSJ), revela que a Crotalaria juncea é uma das plantas mais apropriadas para a cobertura do solo antes do cultivo das culturas comerciais para se prevenir infestações dessa praga, sobretudo quando comparada a outras plantas de cobertura largamente utilizadas no País para a formação de palha: girassol, as braquiárias decumbens e ruziziensis, milheto, aveia, o tremoço-branco, nabo forrageiro e o próprio milho. Os resultados foram publicados no Bioscience Journal, da Universidade Federal de Uberlândia (UFU).

Crotalaria juncea é bastante utilizada no sistema de rotação de culturas no Brasil, sendo uma leguminosa que se destaca pela capacidade de fixação de nitrogênio e pela alta produção de massa verde. Os resultados dos experimentos conduzidos tanto em laboratórios quanto em casa de vegetação da Embrapa Milho e Sorgo mostram que essa planta foi a que menos favoreceu a multiplicação e o estabelecimento da lagarta-do-cartucho no milho. A praga, quando alimentada com folhas da leguminosa, acumulou menos biomassa (adquirindo menor peso) e apresentou as menores taxas de sobrevivência. "Quanto menor o desenvolvimento, menor é a capacidade de multiplicação da lagarta", aponta a pesquisadora do Núcleo de Fitossanidade e Armazenamento da Embrapa Milho e Sorgo Simone Martins Mendes, uma das coordenadoras da pesquisa.

Esses dois fatores observados merecem destaque, na visão da pesquisadora, já que pragas polífagas como a lagarta-do-cartucho têm se tornado importantes em sistemas tropicais de cultivo por se aproveitarem das chamadas "pontes verdes", em que a composição vegetal permite a ocorrência de plantas hospedeiras de forma ininterrupta. "Plantas que favorecem uma menor sobrevivência das lagartas devem ser preferidas em condições de alta infestação da praga, como é o caso da crotalária, em que a sobrevivência foi de apenas 7% em condições de casa de vegetação. Ao contrário, o produtor deve ter atenção especial quando utiliza a braquiária como planta de cobertura, pois essa planta favorece a sobrevivência dessa espécie de praga", afirma Simone Mendes. (veja a figura 1 abaixo)

Figura 1 – Sobrevivência da lagarta-do-cartucho em diferentes plantas de cobertura, utilizadas para formação de palhada em plantio direto, em condições de casa de vegetação. Barras seguidas de mesma cor não diferem entre si (Scott & Knott).

A equipe de pesquisa analisou vários parâmetros biológicos da lagarta-do-cartucho nas plantas de cobertura relacionadas e sumarizou todas essas variáveis em um índice, chamado de Índice de Adaptação (IA), que deve ser relativizado em comparação ao milho, por ser a principal planta hospedeira dessa praga. "Observamos que algumas plantas chegam a ser mais propícias que o milho para o desenvolvimento do inseto, como é o caso da braquiária. Já a crotalária se destaca novamente por apresentar um pior índice de adaptação para essa espécie de lagarta", comenta a pesquisadora.

 

Índice Relativo de adaptação da lagarta-do-cartucho em diferentes plantas de cobertura, utilizadas para formação de palhada em plantio direto, em condições de casa de vegetação.

Outro aspecto ainda foi analisado: a severidade dos danos causados pela lagarta-do-cartucho nas folhas utilizadas em sua dieta em todos os estágios de desenvolvimento. A aveia foi a cultura preferida pela lagarta na sua alimentação, com mais danos observados a cada avaliação, tendo suas plantas completamente destruídas após 21 dias. "Por outro lado, a crotalária mostrou-se como a planta menos suscetível em relação a danos, com um padrão de folhas perfuradas em todas as avaliações, o que pode ser explicado pelo baixo índice de sobrevivência do inseto nesse hospedeiro", explica Simone Mendes. "A crotalária se destacou como a planta que menos favoreceu a multiplicação e o estabelecimento da lagarta-do-cartucho", conclui.

Crotalária evitaria efeitos da chamada ‘ponte verde'

Atualmente, pesquisadores têm concentrado seus esforços para investigar se a crotalária possui em sua composição alguma substância que tenha ação repelente em relação a alguns insetos. "A lagarta-do-cartucho é uma praga de difícil controle. Existem populações desse inseto que já ‘quebraram' a resistência a algumas tecnologias transgênicas e a moléculas de certos inseticidas", lembra a pesquisadora Simone Mendes. "A própria arquitetura e a densidade de folhas da leguminosa, que não constitui a formação de cartuchos, como o milho, não condiz com um ambiente propício para o desenvolvimento da lagarta. Associadas a essa característica, a maior umidade e a presença de menores temperaturas onde há plantas de crotalária favorecem a presença de parasitoides e predadores da lagarta", continua.

O papel da leguminosa em programas de Manejo Integrado de Pragas já é reconhecido pela comunidade científica e pelos produtores. A crotalária atua como "abrigo" para espécies de insetos que atuam como agentes de controle biológico, característica observada em plantios diversificados, nos quais não há predominância de apenas uma cultura. Nesse sentido, um trabalho apresentado durante o XXXI Congresso Nacional de Milho e Sorgo, realizado em setembro de 2016, em Bento Gonçalves (RS), analisou a presença de insetos em milho consorciado com a crotalária em diversos arranjos. Os resultados mostram que, realmente, a leguminosa exerce influência sobre a presença de inimigos naturais, como a tesourinha, predador da lagarta-do-cartucho.

A tesourinha é um dos agentes de controle biológico mais eficazes na supressão de pragas na cultura do milho, já que é predador de ovos e lagartas em estágio inicial de desenvolvimento. Os pesquisadores descobriram que a presença de outra espécie de crotalária, – a Crotalaria spectabilis, mais rasteira que a C. juncea – em plantio intercalado com o milho, influenciou na quantidade de tesourinhas encontradas. O experimento foi conduzido na Embrapa Milho e Sorgo em cinco diferentes arranjos espaciais compostos por milho consorciado com sorgo e crotalária, sendo essas duas últimas culturas semeadas 30 dias antes do plantio do milho. Com isso, quando o milho germinou, as plantas consorciadas já estavam previamente estabelecidas, influenciando na presença de insetos benéficos nos diferentes tratamentos.

"Os resultados revelam que o arranjo espacial da crotalária na parcela influenciou diretamente na quantidade de tesourinhas encontradas nas plantas de milho, com aumento de 83% na presença desse predador", afirma o pesquisador Paulo Eduardo de Aquino Ribeiro, da área de Manejo, Conservação e Uso da Flora da Embrapa Milho e Sorgo. Segundo ele, a presença da crotalária nas entrelinhas do milho pode ter proporcionado condições favoráveis à permanência do predador da lagarta na lavoura, seja pela criação de um microclima adequado ao seu estabelecimento (com abrigo, umidade e temperatura), seja pela atração por compostos orgânicos, ou até mesmo pela presença de outros organismos na crotalária que também servem de alimento para as tesourinhas.

Trabalhos anteriores realizados pela equipe do Núcleo de Fitossanidade da Embrapa Milho e Sorgo demonstraram que a presença de tesourinhas em até 70% das plantas é suficiente para manter a população da lagarta-do-cartucho sob controle. Entretanto, normalmente há um descompasso entre a ocorrência de tesourinhas na lavoura do milho (geralmente tardia) e o pico da lagarta-do-cartucho (uma praga inicial). O efeito obtido pela Crotalaria spectabilis nesse experimento, continua o pesquisador Paulo Ribeiro, foi de antecipar a presença da tesourinha na lavoura, de forma que ela pudesse atuar sobre as pragas iniciais, quando o milho está mais vulnerável às pragas.

"O próximo passo é usar os dados da colheita para avaliar o efeito desse consórcio com o plantio antecipado, sobre a produtividade do milho, que pode ser afetada pela competição entre a crotalária já estabelecida na entrelinha e o milho nos primeiros estádios", conclui. Além das tesourinhas, a equipe identificou outros predadores da lagarta-do-cartucho, como joaninhas. "A presença das joaninhas nas lavouras é um indício de que o controle biológico natural está atuando", reforça o pesquisador Ivan Cruz, também da Embrapa Milho e Sorgo, da área de Controle Biológico.

Nitrogênio da crotalária enriquece agroecossistemas

De ciclo vegetativo anual, a crotalária apresenta crescimento inicial muito rápido, uma das vantagens do seu uso no controle de plantas infestantes ou quando se deseja cobrir rapidamente uma área. A espécie Crotalaria juncea produz em média 30 toneladas por hectare por ano de massa verde, sendo que a planta chega a fixar, em um ano, entre 150 e 165 quilos por hectare de nitrogênio. "Ela disponibiliza ainda uma média de 41 quilos por hectare de fósforo e 217 quilos por hectare de potássio", revela o pesquisador Walter Matrangolo, da área de Agroecologia da Embrapa Milho e Sorgo. "A capacidade que a crotalária tem de fornecer elevados teores de nitrogênio e outros nutrientes enriquece os agroecossistemas. Isso é fundamental para a ampliação da biodiversidade de qualquer sistema produtivo, e que as leguminosas realizam em decorrência da relação simbiótica entre elas e as bactérias fixadoras de nitrogênio, que ocorre em suas raízes, dentro dos nódulos", explica.

Em relação à "atração" exercida pela crotalária sobre insetos benéficos, Matrangolo explica que o nitrogênio e outros nutrientes são a base para a formação do pólen, néctar e de outros compostos nutritivos produzidos pelas plantas e que alimentarão esses agentes de controle biológico. "É que muitos desses insetos dependem dos compostos para a sua maturação sexual. Assim como a fêmea do pernilongo precisa de sangue – e dos nutrientes nele contido – para que seus óvulos sejam viáveis, muitas vespas parasitoides da lagarta-do-cartucho dependem da presença de flores nas áreas produtivas para que possam realizar o parasitismo em hospedeiros próximos", mostra o pesquisador.

Segundo ele, insetos predadores da lagarta-do-cartucho, como a joaninha e a tesourinha, não se alimentam exclusivamente de insetos. "Em geral, eles fazem uso de compostos liberados pelas plantas para obterem elementos nutritivos que não encontram nos tecidos de suas presas. Como em seres humanos, os açúcares contidos no néctar são importantes para fornecerem energia de uso imediato aos insetos", comenta. E Matrangolo reforça a importância dos plantios diversificados, que concentram uma maior diversidade de insetos benéficos. "Caso uma área não disponha de flores (um dos motivos pelo qual os monocultivos reduzem a biodiversidade), o parasitoide migrará para outros locais em busca de alimento, seja néctar, pólen ou outro composto. Isso é determinante para sua sobrevivência e para sua maturação sexual", conclui.

Fonte: Embrapa Milho e Sorgo

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