Proposta de isenção de imposto abre caminho para Nordeste importar milho dos EUA
Por Gustavo Bonato
SÃO PAULO (Reuters) - Uma eventual retirada pelo governo brasileiro da tarifa de 10 por cento cobrada nas importações de milho de fora do Mercosul poderá abrir espaço para compras inusuais do cereal produzido nos Estados Unidos, principalmente para o Nordeste brasileiro, disseram analistas e agentes do mercado.
O Ministério da Agricultura disse nesta terça-feira que irá propor à Câmara de Comércio Exterior (Camex) a isenção do imposto de importação do milho para compras de fora do Mercosul visando aliviar a oferta no Brasil, em meio a preços elevados do cereal.
Associação Cearense de Avicultura, que representa produtores de aves em um dos Estados que sofre com a escassez do grão, entende que o fim do imposto poderia impulsionar as compras de milho norte-americano.
"Tendo oferta melhor do produto, a gente pode negociar. Com certeza a gente enxerga a proposta com bons olhos. Os EUA estão vindo com uma supersafra de milho", disse à Reuters o vice-presidente da entidade, Marden Alencar Vasconcelos.
As importações de milho dos Estados Unidos, um dos grandes concorrentes do Brasil no mercado internacional do cereal, são residuais.
Fontes consultadas disseram que ainda é muito cedo para estimar o eventual preço de venda do milho norte-americano no Brasil e os volumes adquiridos, mas ressaltaram que a viabilidade deste tipo de negócio poderá ser real.
"Esse milho dos EUA no Nordeste deve ser parecido (em preço) com o milho argentino que já está entrando", disse um operador sênior de milho de uma grande trading, avaliando as opções de mercado caso a tarifa seja zerada.
O Brasil, grande exportador do cereal, está realizando fortes importações de milho argentino, isento da tarifa de 10 por cento. As compras do país vizinho deverão atingir pelo menos 700 mil toneladas em 2016, segundo a Agroconsult.
Criadores de aves e suínos brasileiros têm buscado alternativas para um mercado apertado da matéria-prima da ração e para os preços altos, após o Brasil ter exportado grande quantidade do cereal nos últimos meses.
Segundo Vasconcelos, granjas cearenses já realizaram este ano o desembarque de um navio de milho argentino e têm um segundo carregamento contratado para agosto, enquanto negociam outras duas embarcações.
Segundo a corretora Ativa Agro, o desconto obtido por compradores de milho do Ceará, por exemplo, pode chegar a 12 reais por saca de 60 kg em favor do milho argentino na comparação com o milho colhido no oeste da Bahia, devido aos custos de transporte e aos elevados valores pedidos pelos agricultores.
O frete marítimo do milho da Argentina para o porto de Fortaleza custa entre 13 e 15 dólares por tonelada, ou cerca de 50 reais por tonelada. Em comparação, o frete rodoviário para carregar milho nas áreas produtoras do oeste da Bahia custa 220 reais por tonelada, disse o Vasconcelos.
"Mesmo que o frete dos Estados Unidos chegue a 20 dólares por tonelada, ainda assim será competitivo", disse o executivo.
A eliminação de tarifa de importação para países de fora do Mercosul é usada pelo governo federal em momentos de escassez e de alta nos preços de trigo, lembrou a analista de mercado Ana Luiza Lodi, da INTL FCStone. Nestes períodos, as importações de trigo norte-americanos e até de outros países tornam-se bastante comuns.
"O frete marítimo está bem baixo. Em tese, o milho poderia entrar até pelos portos do Sudeste. Não seria uma desvantagem", disse ela.
A Associação Brasileira dos Produtores de Milho destacou que a atual escassez de produto em determinadas regiões deve-se ao desestímulo, no passado, para a expansão da área cultivada com o grãos.
"Não sou contra a isenção de tarifa como uma solução provisória, mas governo tem que enfrentar de frente esse problema da produção insuficiente para atender de maneira adequada o mercado interno e as exportações", disse o presidente-executivo da entidade, Alysson Paolinelli.
Não há data para que a eventual redução de tributação entre em vigor.
A Camex informou que ainda não recebeu nenhum pedido oficial do Ministério da Agricultura. Também não há reunião agendada para o colegiado de ministros que compõem a câmara.
(Reportagem adicional de Marcela Ayres, em Brasília)