Covid-19 reforça cuidados sanitários em propriedades leiteiras
A pandemia de Covid-19 tem capacidade de promover uma revolução silenciosa nas fazendas de leite. Alguns produtores passaram a adotar medidas de segurança antes comuns a outros sistemas de produção, como suínos e aves. O maior rigor na biosseguridade pode ser um legado positivo que os procedimentos atuais devem deixar nas propriedades leiteiras. Os pesquisadores da Embrapa veem esse movimento com bons olhos, embora vacas não contraiam nem transmitam a doença (veja quadro). Os especialistas acreditam que o novo coronavírus ajudou a dar à biosseguridade uma nova dimensão nas fazendas de leite. Esse conceito, que envolve tanto a saúde dos animais quanto a do ser humano, é o conjunto de procedimentos adotados para lidar com os desafios que os agentes patogênicos impõem à produção animal.
Segundo o pesquisador da Embrapa Gado de Leite Márcio Roberto da Silva (veja entrevista abaixo), os estudos de transmissão da Covid-19 por animais ainda não são muito amplos, embora haja registros de transmissão do ser humano para outras espécies como felinos (tigres, leões e gatos). Há ainda um caso relatado em que um cão se infectou na Coreia do Sul. “Por enquanto, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o ser humano é o principal reservatório da doença”, relata Silva. Mas isso não significa que as fazendas de leite estejam livres do problema. Pelo contrário. Os cuidados no campo devem ser redobrados.
O vírus se espalha principalmente por contato direto de pessoa para pessoa, entre indivíduos que estão próximos, por meio de gotículas respiratórias, ou de forma indireta, por contato com superfícies contaminadas. Silva alerta que essas duas formas de contágio são possíveis na lida diária com o rebanho. Em uma sala de ordenha, por exemplo, há equipamentos cujas superfícies aumentam a sobrevida do vírus. É o caso de plásticos e aço inoxidável, onde o novo coronavírus permanece ativo por até três dias (veja quadro ao lado). A própria vaca pode se tornar um vetor mecânico de transmissão da doença. Imagine uma situação na qual o animal esteja sendo ordenhado por um vaqueiro contaminado; essa pessoa espirra ou tosse próximo à vaca e o vírus se impregna na pelagem do bovino. Outras pessoas correm o risco de adoecer ao manusear a região contaminada dessa vaca e levar as mãos ao rosto. Por isso, Silva é taxativo: “Os mesmos cuidados, como o uso de máscaras e higiene das mãos e ambientes, amplamente divulgados para a sociedade, devem ser tomados pelos trabalhadores numa propriedade leiteira. E até acentuados, pois além da própria saúde, o trabalhador está lidando com a produção de alimentos que outras pessoas irão consumir”.
A sobrevida do SARS-COV-2 suspenso no ar ou em superfícies
Ar – Três horas.
Cobre – Quatro horas.
Papelão – 24 horas.
Plásticos – De dois a três dias.
Aço inoxidável – De dois a três dias.
Tecidos com fibras naturais – Não há relatos científicos sobre o tempo de sobrevida nessas condições.
O novo coronavírus pode ser neutralizado em um minuto, desinfetando superfícies com álcool 62-71%, água oxigenada a 0,5% e hipoclorito de sódio a 0,1%. Sabão e detergentes são também grandes aliados contra a Covid-19.
Boas práticas
A adoção de boas práticas agropecuárias já oferece segurança para quem lida com a produção de leite. “A vaca pode transmitir outras doenças como tuberculose, brucelose, leptospirose e raiva”, diz o pesquisador da Embrapa Gado de Leite Alessandro de Sá Guimarães. Segundo ele, no ambiente rural há também animais silvestres que veiculam zoonoses, como o javaporco (cruzamento do javali com o porco), que se tornou uma praga em muitas regiões e deve ser controlada. “O produtor de leite está despertando para a questão da biosseguridade; muitas propriedades tornaram-se mais rigorosas com o acesso de pessoas e veículos à fazenda, exigindo jalecos adequados e propé (sapatilhas descartáveis para evitar que os sapatos contaminem o local).” Essa é uma prática comum em unidades de produção de suínos e aves, que o produtor de leite está incorporando.
“A única forma de prevenção da Covid-19 é o fortalecimento das medidas de biosseguridade”, afirma o pesquisador da Unidade Guilherme Nunes. Ele é um dos autores de um documento de 2018 com orientações para ampliar as barreiras sanitárias na bovinocultura leiteira, evitando a disseminação de doenças parasitárias, bacterianas e virais. Uma medida ideal de controle seria o produtor rural monitorar a temperatura e condições de saúde dos empregados na chegada à propriedade, afastando por duas semanas ou mais os trabalhadores com sintomas da doença. O afastamento também é recomendado para quem vive na mesma casa de uma pessoa infectada e aqueles que pertencem a grupos de risco para a Covid-19.
O coronavírus bovino
O coronavírus do bovino (BCoV) é diferente da Sars-Cov-2, que surgiu na China e causa a doença. Específico dos bovinos, o BCoV traz prejuízos econômicos para o produtor e pode provocar diarreia neonatal (bezerros) e disenteria de inverno (bovinos adultos), mas não causa doenças no ser humano. Segundo pesquisadores do Instituto Biológico (IB-APTA), há vacinas no mercado contra o coronavírus bovino, mas não há tratamento para os animais doentes e, como medida de contenção, o produtor deve separar o animal contaminado e adotar medidas para evitar desidratação e infecções oportunistas.
“Roupas limpas e mãos higienizadas são cuidados essenciais para uma ordenha higiênica e segura, que também exigem saúde do trabalhador e sanidade da vaca, além do controle da mastite para a obtenção de um leite de qualidade e seguro”, confirma a também pesquisadora da Embrapa Gado de Leite Wanessa Araújo Carvalho. A Unidade elencou dez medidas de prevenção a serem adotadas na rotina das propriedades rurais para evitar a disseminação do novo coronavírus (veja quadro).
Práticas higiênicas, ainda que não eliminem completamente o vírus, podem fazer com que o trabalhador tenha contato com uma menor carga viral, caso se contamine em alguma circunstância. “Ainda existem poucos estudos a respeito, mas uma baixa carga viral tende a influenciar na gravidade da doença”, conta Carvalho. A pesquisadora conclui que a pandemia vai mudar o mundo, valorizando a biosseguridade e levando a mais investimento em tecnologias renováveis e sustentabilidade. “Tudo leva a crer que o novo coronavírus surgiu numa feira de animais silvestres. Já avançamos demais sobre a natureza e é hora de retroceder, aplicando mais recursos na ciência para a adoção de tecnologias limpas e seguras para a humanidade.”
Dez medidas na propriedade contra o novo coronavírus
1 - Lavar as mãos com água e sabão antes de iniciar a jornada, durante o manejo com os animais e ao final do trabalho. Quando possível, tomar banho antes de entrar na área limpa da ordenha.
2 - Evitar tocar olhos, nariz e boca, mesmo com as mãos lavadas. Quando espirrar ou tossir, cobrir a boca usando toalha de papel e descartar no lixo orgânico. Na falta de toalha de papel, usar o antebraço, nunca as mãos.
3 - Botas, macacões e aventais são equipamentos de proteção individual (EPIs). Devem ser utilizados somente na propriedade e lavados periodicamente. Quem trabalha na ordenha, deve manter unhas curtas e cabelo preso com touca ou boné.
4 - Não compartilhar objetos pessoais, como toalha de rosto, copo, cigarro, chimarrão e tereré.
5 - Higienizar equipamentos/ferramentas de uso comum, veículos e as instalações com desinfetantes a base de hipoclorito 0,2% ou álcool 70%. É importante evitar o acúmulo de matéria orgânica, que dificulta ou inviabiliza a ação de desinfetantes. Não é aconselhado varrer a seco refeitórios, banheiros e escritórios. E tenha cuidado especial na sala de ordenha. É fundamental realizar o processo de limpeza e desinfecção duas ou três vezes por dia, após cada ordenha.
6 - Evitar aglomerações. Reduzir o número de trabalhadores em escala em um mesmo local. É importante respeitar o distanciamento de pelo menos um metro entre as pessoas. Quando for necessário ir a centros urbanos, evitar levar toda a família. No deslocamento em veículos com outras pessoas, usar máscaras e manter janelas abertas para a troca de ar.
7 - Planejar a compra de insumos, tornando a ida ao comércio e a entrada de veículos na propriedade menos frequentes.
8 - Resolver o que for possível por telefone. Se for necessário receber um visitante, não tenha contato direto, como aperto de mão, e evite o acesso a áreas de trânsito dos animais. O caminhão que busca o leite, o que entrega ingredientes da dieta e outros veículos externos devem circular por locais diferentes das áreas de trânsito de animais. Além disso, é importante que passem pelo rodolúvio para lavar os pneus.
9 - Os prestadores de serviço técnico devem usar um conjunto de EPIs para cada propriedade e tomar cuidados básicos, como lavar as mãos e os calçados logo na chegada.
10 - Repassar aos trabalhadores da fazenda o programa de biosseguridade e as ações a serem executadas, para que nenhum passo seja negligenciado.
Consumo seguro de produtos lácteos em tempos de pandemia
O pesquisador da Embrapa Gado de Leite Márcio Roberto Silva (foto abaixo, à direita) é formado em medicina veterinária pela Universidade Federal de Viçosa (UFV) e doutor em Saúde Pública (epidemiologia) pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Nesta entrevista, ele esclarece sobre alguns aspectos da Covid-19 e os cuidados que consumidores e produtores devem ter em relação ao leite e derivados lácteos.
Agência Embrapa de Notícias – A embalagem dos alimentos é capaz de transmitir o vírus da Covid-19?
Márcio Roberto Silva - Sim. Pode ocorrer o que se chama de transmissão indireta. Nesse caso, o contágio ocorre principalmente no contato com a embalagem dos alimentos. Suponhamos que, em um supermercado, a embalagem esteja sendo manipulada por alguém contaminado. Quando outro consumidor entrar em contato com alimento embalado, ele também pode se contaminar. O ideal é lavar a embalagem com sabão ou detergente; ou ainda higienizá-la com solução de hipoclorito de sódio (água sanitária), quando é fechada e de material lavável como plástico ou metal; ou álcool 70%, nos demais tipos de embalagens, antes de abri-la. E nunca esquecer que, na maioria das vezes, são as mãos que carregam o vírus para o rosto (nariz, boca e olhos) ou mesmo para o alimento. Daí a importância de se higienizar sempre as mãos com álcool em gel, sabão ou detergente após a manipula-ção desses alimentos embalados.
AEN – Quais os cuidados que devemos ter com os alimentos em si?
MRS – Quando a embalagem é aberta, o alimento fica exposto. Caso quem o manipule seja alguém com Covid-19, há também a possibilidade de contaminá-lo por meio dos aerossóis e gotículas, produzidos. Mas com o cozimento, fervura, etc, o vírus é destruído e ainda não há evidências de que ele possa ser transmitido via alimento. Quanto aos alimentos consumidos frescos; verduras e frutas por exemplo, eles também devem ser muito bem higienizados com solução de hipoclorito de sódio (água sanitária), de preferência. É importantíssimo adotar sempre as boas práticas de segurança alimentar. Manuseie carne crua, leite ou órgãos de animais com cuidado para evitar contaminações cruzadas do alimento por pessoas infectadas e evite o consumo de produtos de origem animal crus ou mal cozidos. Essa é uma recomendação da OMS que vale em todas as circunstâncias. Em tempo de pandemia, vale ainda mais.
AEN – Quais as suas recomendações para o consumo de leite cru ou derivados de leite, como o queijo?
MRS – Como se trata de uma doença muito nova, o nosso entendimento sobre a propagação e o risco que os alimentos representam pode mudar à medida que mais informações se tornem disponíveis. Assim, a própria OMS reforça evitar o consumo de produtos de origem animal crus ou malcozidos. No caso do leite cru, aquele ordenhado da vaca, sem nenhum processamento, e consumido na fazenda, a recomendação é que seja fervido. Já o queijo feito em casa, com leite cru, esse deveria ser consumido assado ou cozido para evitar uma suposta transmissão não apenas do novo coronavírus, mas de várias outras doenças comprovadamente veiculadas por leite e derivados.
AEN – Quanto ao leite pasteurizado? O processo de pasteurização destrói o vírus?
MRS – A pasteurização é feita para isso, destruir todos os tipos de contaminantes. Logo, o leite pasteurizado não transmite a Covid-19. O vírus pode sobreviver a baixas temperaturas, mas é sensível ao calor. Pesquisas realizadas na China, durante a epidemia em Wuhan, mostraram que, a 4°C, houve uma pequena redução até o dia 14 de acompanhamento do número inicial de vírus experimentalmente testado em amostras clínicas. Mas, com a incubação a uma temperatura de 70 °C, o tempo de inativação do vírus foi reduzido a 5 minutos. Enfim, a pasteurização de produtos lácteos inativa o vírus, de modo que não há perigo de os consumidores contraírem a doença enquanto consomem produtos lácteos pasteurizados.
AEN – Na fazenda, o produtor de leite ou o ordenhador podem contrair a Covid-19 durante o trabalho?
MRS – A doença é altamente contagiosa e é perfeitamente possível que isso ocorra. As regras de higienização valem para todos, no campo e na cidade, e não custa repeti-las aqui: mantenha a distância de no mínimo um metro entre as pessoas; intensifique a rotina de higiene pessoal e lave sempre as mãos; evite tocar os olhos, nariz e boca e, se não for possível, higienize as mãos antes; pratique a higiene respiratória; utilize somente lenços de papel; cubra a boca e o nariz ao tossir ou espirrar com os lenços, descartando-os no lixo imediatamente; na falta de lenço de papel, cubra com o antebraço e não com as mãos. Fique atento ao estado geral da própria saúde e siga as instruções da Unidade de Saúde em seu município.
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