Resistência de patossistemas a fungicidas na cultura da soja no Brasil

Publicado em 04/12/2019 11:31
Por Eng. Agr.º MsC. Ayrton Berger Neto – Coordenador de Estação Experimental UPL

A cultura da soja (Glycinemax) se constitui hoje como a mais importante para a agricultura brasileira, com uma área cultivada próxima a 35,8 milhões de hectares na safra 2018/19, representando 57% da área destinada a produção de grãos (CONAB, 2019).

Dentre os vários limitantes de se atingir o potencial máximo de produtividade da cultura da soja, estão as doenças, onde no Brasil já foram identificadas mais de 40 causadas por fungos, bactérias, nematoides e vírus (Embrapa Soja, 2013).

Anteriormente a safra 2001/02, o sojicultor realizava, em geral, uma a duas aplicações de fungicidas para controle de doenças foliares, as quais consistiam principalmente de oídio (Erysiphediffusa) eDFCs (doenças de final de ciclo - Septoriaglycines e Cercosporakikuchii). Em maio de 2001 foi detectada pela primeira vez a ocorrência de ferrugem asiática da soja (Phakopsorapachyrhizi) no Brasil (Jaccoud Filho et al., 2001 e Yorinori, 2001), o que alterou drasticamente o cultivo e manejo da soja no território brasileiro.

Devido ao alto potencial de redução de produtividade deste patossistema e por produzir esporos em alta quantidade, os quais são disseminados pelo vento, fez-se e faz-se necessário a adoção de diferentes métodos de controle de forma conjunta em todo o país e países vizinhos. Dentre estes métodos cita-se: vazio sanitário, para se evitar presença de soja durante o inverno, reduzindo inóculo para a safra seguinte; calendarização de semeadura; utilização de variedades precoces semeadas com semeadura no início do período ideal a cultura da soja; uso de variedades com genes de resistência; e controle químico.

Triazois, ou inibidores da demetilação (IDM), foram os primeiros fungicidas a ser utilizados no controle desta doença. Estes se ligam e inibem especificamente a atividade de uma única enzima (citocromo P450 14α-desmetilase - cyp51) a qual é necessária na rota de biossíntese de ergosterol em fungos, o qual desempenha funções essenciais para a organização e estrutura da membrana celular do fungo.

Por se tratarem de fungicidas com sítio específico de ação (apenas uma enzima em uma única rota metabólica), menor sensibilidade de P. pachyrhizi aos produtos IDM foi oficialmente relatada em 2008 no Brasil. Sendo confirmado que esta redução de sensibilidade é devido a presença de 6 mutações no gene da enzima cyp51 (F120L, Y131F/H, K142R, I145F e I475T), além de uma super expressão da enzima alvo (Schmitz et al., 2013).  

Estas mutações, quando presentes na população do fungo, tem um custo adaptativo, ou seja, a população com mutação tende a ter desvantagens em relação a população do fungo sem as mutações (Klosowski et al., 2016). Com isso, quanto maior o período de não utilização de fungicidas a base de triazois durante o ano (vazio sanitário e calendarização de semeadura), menor será o aumento dessa frequência de mutações.

O segundo grupo de fungicidas a ser utilizado para controle de ferrugem asiática foram os Inibidores da Quinona externa (IQe), ou estrobilurinas. Estes fungicidas através da ligação em um único site (Qesite do citocromo b), inibem a respiração mitocondrial do fungo, o que impede a produção de energia para desenvolvimento do patógeno.

Estrobilurinas também apresentam sítio específico de ação e, após 10 anos de uso destes ingredientes ativos, isoladamente ou em misturas com triazois que já apresentavam redução de eficácia, foi reportado menor sensibilidade de P. pachyrhizi a este grupo de fungicidas (FRAC, 2014). Em estudo publicado em 2015, foi comprovado a presença da mutação F129L no gene do citocromo b (Klosowski et al., 2015). Para essa mutação não há custo adaptativo, de acordo com Klosowski et al. (2016), onde a população com a presença da mutação F129L no gene do citocromo b se desenvolveu igualmente a população sem a presença da mutação.

Mais recentemente, a partir de 2013, quando o Brasil já passava de 30 milhões de hectares cultivados de soja, foram lançados os primeiros fungicidas a base carboxamida, ou ISDH (Inibidor da SuccinatoDesidrogenase). Estes fungicidas também agem na inibição da respiração, porém atuam no complexo II, se ligando a enzima succinatodesidrogenase, interrompendo o processo.

Estes ingredientes ativos do grupo ISDH foram lançados no mercado primeiramente em mistura com estrobilurinas. Como já abordado, desde 2014, populações de P. pachyrhizia presentavam menor sensibilidade a estrobilurinas, o que levou a uma pressão de seleção muito grande nas carboxamidas, acarretando, em apenas 3 anos de uso, o aparecimento de populações de ferrugem asiática com menor sensibilidade a estes ingredientes ativos, com uma mutação na subunidade C da enzima (C-I86F) (FRAC, 2017).

Além da ferrugem asiática, outras doenças têm ganhado destaque, principalmente as quais sobrevivem em restos culturais e sementes de uma safra a outra. Com a intensificação da agricultura brasileira, com ao menos 2 safras ao ano em grande parte das áreas agrícolas do Brasil, a rotação de culturas tem diminuído progressivamente, beneficiando os fungos necrotróficos, como por exemplo Septoriaglycines(mancha parda), Corynesporacassiicola (mancha alvo), Colletotrichumdematium var. truncata (antracnose), dentre outros.

De acordo com dados publicados por diferentes instituições de pesquisas, para áreas com sintomas iniciais ou histórico com doenças necrotróficas, a pulverização de fungicidas no vegetativo tem mostrado vantagem. Como o terço inferior é responsável por ao menos 30% da produção de cada planta de soja nas variedades atuais, a conservação e proteção destas folhas antes do fechamento das entre linhas é de extrema importância para manutenção de altas produtividades.

Dentre as doenças foliares causadas por fungos necrotróficos, a mancha alvo vem ganhando destaque. Esta doença hoje está inserida nos cultivos de soja no Centro-Oeste brasileiro, principalmente no estado do Mato Grosso. Esta doença é de difícil controle químico, pois apenas alguns ingredientes ativos dentro do grupo dos triazois e carboxamidas apresentam um bom controle, pois para estrobilurinase MBCs ou benzimidazois (carbendazin) já foram relatados perda de sensibilidade deste patógeno (mutação G143A no gene do citocromo b para estrobilurinas e mutações E198A e F200Y no gene da β-tubulina para benzimidazois - FRAC 2016).

Uma das únicas carboxamidas que promovia um bom controle de mancha alvo em soja, também é amplamente utilizada em algodão para controle de Ramulariaareola. Como a mancha alvo incide na soja e algodão, o mesmo ingrediente ativo está sendo utilizado em soja e algodão em 5 ou mais aplicações durante um ano todo, promovendo uma pressão de seleção de populações resistentes de C. cassiicola. Devido a este intenso uso, em 2018, o FRAC comunicou a detecção de duas mutações (B-H278Y e C-N75S) no gene da enzima succinatodesidrogenase, levando a redução de sensibilidade do fungo as carboxamidas.

Desta forma nota-se que para ferrugem asiática, com exceção das morfolinas, todos os grupos de fungicidas sítios específicos registrados até julho de 2019 já têm redução de eficiência no controle da doença. Para mancha alvo, o fungo já apresenta perda de sensibilidade a estrobilurinas, benzimidazois (carbendazin) e carboxamidas, restando somente triazois como fungicidas eficazes de sítio específico registrados até julho 2019, de acordo com Tabela 1.

Devido ao fato de uma extensa área com a cultura da soja nas últimas safras e uso de pelo menos 2 pulverizações de fungicidas sítio específico em toda área, selecionou-se populações de fungos resistentes a fungicidas. De acordo com as doenças ocorrentes em cada região, diferentes fungicidas foram utilizados em maior escala. Isto culminou a uma seleção de populações resistentes, com diferentes porcentagens de frequência de cada mutação em cada região do país, principalmente para o caso P. pachyrhizi, Com isso o uso de um mesmo programa de aplicações de fungicidas, mesmo que alternando diferentes modo de ação de sítio específico, mostraram diferentes resultados de controle em diferentes regiões do país, de acordo com figura 01A.

O uso de fungicidas multissítios, uma das medidas antirresistência, se mostra atualmente mais do que essencial. A associação de mancozebe (Unizeb Gold), um fungicida multissítio, com fungicidas sítio específicos traz uma maior segurança no resultado final de controle de ferrugem asiática (figura 01B) e outras doenças. Com o cenário atual de resistência e a dificuldade de se prever qual será a resposta de cada fungicida sítio específico nas safras seguintes, o uso de fungicidas multissítios ajudam a garantir patamares mais altos de controle, garantindo a manutenção de altas produtividades.

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Com projeções publicadas em 2019 pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, a cultura da soja continuará a crescer em área e produção nos próximos dez anos, atingindo 45 milhões de hectares na safra 2028/29. Com uma área tão ampla, em um ambiente tropical, com um cenário de resistência de fungos a fungicidas, recomenda-se que todo sojicultor siga a rigor recomendações do FRAC (FungicideResistanceActionCommittee) para que os riscos de perdas de produtividade por doenças sejam reduzidos ao máximo e para que se preserve a manutenção da eficácia dos fungicidas, uma tecnologia indispensável para o cultivo da soja no Brasil. Estas recomendações são:

•   Esteja atento ao monitoramento constante das doenças da soja, especialmente a ferrugem, e realize as aplicações em intervalos adequados seguindo as recomendações do fabricante;

•   Realize a aplicação dos fungicidas de forma preventiva, sempre em associação com fungicidas multissítios;

•   Utilizar sempre misturas comerciais formadas por dois ou mais fungicidas com mecanismos de ação distintos;

•   Rotacione fungicidas com diferentes mecanismos de ação (Triazóis, Estrobilurinas, Carboxamidas, Morfolinas e Multissítios);

•  Não ultrapasse o número máximo de 2 (duas) aplicações de fungicidas de mecanismo de ação específico no mesmo ciclo de cultivo;

•  Utilize tecnologia de aplicação adequada;

•  Não plante soja “safrinha”;

•  Respeite o vazio sanitário e elimine as plantas voluntárias remanescentes em lavouras e beiras de estrada (guaxas);

•  Procure realizar o plantio na época recomendada, utilizando variedades de ciclo mais curto e se possível, com tolerância genética frente à doença;

• Realize a rotação de culturas.

Sobre a UPL

A nova UPL é líder na cadeia de produção de alimentos global e, com a aquisição da ArystaLifeScience, torna-se uma das 5 maiores empresas de soluções agrícolas do mundo. Com receita de aproximadamente US$ 5 bilhões, a nova UPL está presente em 76 países, com vendas para mais de 130 nações. A empresa conta com mais de 10.800 pessoas em todo o mundo. Com acesso ao mercado global para a cadeia de alimentos e focada em regiões de alto crescimento mundialmente, objetivo da empresa é transformar a agricultura através do propósito OpenAg, uma rede agrícola aberta que alimenta um crescimento sustentável para todos. A nova UPL oferece portfólio integrado de soluções agrícolas patenteadas e pós-patente para diversas culturas, incluindo produtos para proteção de cultivos, soluções biológicas e tratamentos de semente para toda a cadeia agroalimentar. Para mais informações sobre a nova UPL, visite: https://br.uplonline.com

Fonte: UPL

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