Nova praga da manga é identificada no Rio de Janeiro
O besouro Sternochetus mangiferae (broca-da-manga ou gorgulho-da-manga) já foi identificado em nove municípios fluminenses, todos na região metropolitana da capital: Belford Roxo, Duque de Caxias, Magé, Mesquita, Nilópolis, Niterói, Paracambi, Rio de Janeiro e Seropédica. Ainda não há relatos da presença da praga em outros estados brasileiros e a preocupação dos especialistas é evitar que ela se aproxime das regiões de produção comercial para consumo nacional, como São Paulo e Minas Gerais, e daquelas que produzem para exportação, como Bahia e Pernambuco.
A pesquisadora da Embrapa Agrobiologia (RJ) Alessandra de Carvalho explica que a manga é a fruta com maior valor nas exportações brasileiras, tendo a União Europeia como maior cliente, seguida dos Estados Unidos. A presença da broca pode colocar esse setor em risco, pois há restrições à exportação de frutas e vegetais com a presença de pragas quarentenárias, como é o caso do Sternochetus. “A nossa balança comercial poderia ser afetada se perdêssemos essas exportações por causa da praga”, frisa a cientista que orienta: “Se os produtores notarem sinais da presença do besouro, o ideal é procurar os órgãos de defesa fitossanitária estaduais ou a Embrapa, por meio do Serviço de Atendimento ao Cidadão (SAC). Isso é muito importante,” recomenda a especialista ao informar que a Embrapa lançou uma publicação explicativa para a identificação do inseto.
Atualmente, os municípios onde a praga foi detectada são considerados zona interditada, com trânsito de mangas proibido para áreas livres do problema. Além disso, a movimentação de frutos produzidos no Rio de Janeiro está condicionado à apresentação de permissão de trânsito de vegetais com Certificação Fitossanitária de Origem (CFO), emitido pela Coordenadoria de Defesa Sanitária Vegetal.
O que é a broca-da-manga
Conhecido como broca-da-manga, gorgulho-da-semente-da-manga, gorgulho-da-manga, besouro-do-caroço ou besouro-da-manga, o Sternochetus mangiferae é uma praga exclusiva dessa fruta e o seu ciclo de vida engloba três fases: larva, pupa e adulto. As formas jovens se desenvolvem silenciosamente dentro do endocarpo (caroço), o que dificulta muito a sua descoberta.
Fora do fruto, o besouro adulto costuma realizar suas principais atividades, como locomoção, alimentação e acasalamento, durante a noite, o que também reduz as chances de ser encontrado pelo agricultor no campo. Na fase adulta, chega a medir 9,5 milímetros e é capaz de sobrevoar distâncias curtas, se alimentando exclusivamente de folhas, galhos e frutos da mangueira quando não está em repouso (diapausa), sem causar danos expressivos. Durante o dia, fica escondido nos troncos das mangueiras, na copa ou debaixo de folhas caídas no chão. Em períodos em que a planta não produz frutos, o inseto entra em diapausa e nesse período não se locomove e nem se alimenta.
Monitoramento e controle da praga
A pesquisadora explica que sabendo que a praga está restrita à região metropolitana do Rio de Janeiro, é necessário conhecer o nível de infestação para adotar medidas de contenção e evitar a proliferação da praga para as regiões produtoras de manga no Brasil. Com esse objetivo, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) firmou um Termo de Execução Descentralizada (TED) com a Embrapa Agrobiologia (RJ) para realizar um levantamento detalhado da ocorrência da praga nos nove municípios, capacitar técnicos dos serviços de defesa vegetal federal, estadual e municipais para reconhecimento da praga em campo, produzir material gráfico para campanhas de educação fitossanitária, avaliar formas de controle, entre outras ações. Esse trabalho está sendo coordenado por Alessandra Carvalho e procura entender o nível de proliferação do besouro, capacitar técnicos, ampliar o conhecimento sobre a presença da praga em território nacional e subsidiar o Mapa com informações para definir a melhor forma de contenção ou erradicação da praga.
A cientista também lidera um projeto da Embrapa que tem como objetivo pesquisar os aspectos da bioecologia desse besouro, além de desenvolver e avaliar táticas de monitoramento e controle sustentáveis para as condições em que a praga ocorre atualmente no Brasil. Tanto o TED como o projeto são formados por pesquisadores e analistas da Embrapa Agrobiologia e da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia (DF).
Segundo a pesquisadora, as duas ações se complementam, uma vez que o TED visa ações emergenciais de suporte ao Mapa, enquanto o projeto busca avanços que podem superar os conhecimentos existentes, trazer inovações e a aplicabilidade deles em condições brasileiras “Nesse momento, todo conhecimento adquirido no projeto ou nas ações de campo tem grande validade, pois nada se sabe sobre esse inseto nas condições brasileiras e nem sempre as soluções propostas em outros países podem ser usadas aqui ou são realmente efetivas na contenção do S. mangiferae”, detalha Carvalho. Segundo ela, há carência de informações sobre o controle da praga no mundo todo, mesmo ela já tendo sido detectada em muitos países.
De acordo com Antônio José de Araújo Moreira, da Superintendência do Mapa no Rio de Janeiro, todo o esforço para contenção, controle e erradicação da praga tem o objetivo de impedir que ela inviabilize a produção de mangas no País e prejudique seu comércio interno e externo. “É uma fruta cultivada em quase todo o Brasil. Um negócio que movimenta mais de US$ 200 milhões por ano”, ressalta. Ele informa que assim que o gorgulho foi detectado no Rio de Janeiro, o Ministério da Agricultura determinou a realização de um levantamento fitossanitário emergencial para conhecer a extensão da área infestada.
De acordo com a pesquisadora da Embrapa, resultados preliminares do levantamento apontam que o nível de infestação é variável nos municípios em que a praga ocorre. “Após saber mais sobre a distribuição da praga na região onde ela está restrita atualmente, será possível determinar a ação mais adequada. Se ela estiver amplamente distribuída, é recomendada uma ação de contenção; se estiver restrita, podemos pensar em erradicação”, informa a pesquisadora.
Enterrar os caroços
Ainda não há registros de produtos químicos ou biológicos que combatam a praga no Brasil, por isso, o controle cultural deve ser adotado. Neste momento, a melhor forma de conter o avanço do Sternochetus é coletar os frutos caídos ou os caroços das frutas consumidas e enterrá-los.
Essa é uma medida preventiva que já é adotada na fruticultura comercial por causa da mosca-das-frutas, e deve ser adotada também nos quintais, uma vez que a praga não ocorre somente em áreas rurais, mas também nas urbanas”, frisa a especialista. Outro alerta feito pela pesquisadora diz respeito ao trânsito de frutos: “Muito cuidado ao levar frutos de mangueiras da região onde a praga ocorre para outros municípios. Existe uma Instrução Normativa (IN 34, de 05/09/2017) que declara como zona interditada os municípios onde a praga ocorre e proíbe o trânsito das mangas neles produzidas para áreas indenes”.
O tamanho dos prejuízos
A praga não oferece riscos à saúde humana, mas causa prejuízos no cultivo e ameaça as exportações. Sua presença reduz a capacidade de germinação das sementes e também afeta o desenvolvimento da manga, diminuindo seu comprimento e circunferência. Os frutos costumam cair precocemente, o que ocasiona perdas e danos à sua estrutura.
Frutos menores não são interessantes para comercialização, mas os prejuízos vão além. A venda da manga para a indústria de processamento de sucos e polpas também é prejudicada, já que o processo pode expor a praga. Além disso, nas variedades tardias, o orifício causado na fruta pela saída do besouro pode facilitar a proliferação fúngica ou de outros microrganismos não desejados, comprometendo a qualidade do fruto.
Conscientização e comercialização
O besouro causador da broca-da-manga não voa grandes distâncias, mas ocorre tanto em áreas rurais quanto urbanas, em grandes plantações ou quintais. Por isso, a conscientização da população é primordial no processo de controle, uma vez que a manga cultivada dentro do estado do Rio de Janeiro não pode ser transportada, sob o risco de proliferação da praga para outras regiões.
Em tese, nenhuma mangueira está condenada por conter a praga, mas frutos de árvores que tenham broca não devem ser comercializados. “As medidas de contenção devem ser tomadas com base na localização da propriedade, pois caso ela esteja dentro ou próxima às áreas de produção, os cuidados certamente serão maiores”, explica Carvalho. Por isso, é importante o trabalho da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural fluminense (Emater-Rio) junto aos agricultores e a atuação dos técnicos da Secretaria de Estado da Agricultura, Pecuária, Pesca e Abastecimento do Rio de Janeiro (Seappa) na fiscalização nas fronteiras.
Mais de 40 técnicos da Emater-Rio e da Seappa já foram capacitados para reconhecimento da praga. Também foi realizado em 2019 um curso para emissão de CFO no Rio de Janeiro. No estado, esses profissionais estão aptos a orientar produtores e comerciantes sobre o problema, seus riscos e as soluções viáveis para cada caso. “Todos os envolvidos na rede de produção, comercialização e fiscalização devem ficar atentos, pois somente a junção de esforços e expertises poderá garantir os resultados positivos esperados”, ressalta a cientista
Ajude a combater a praga
Não compre mudas ou sementes sem certificação. Jamais plante sementes cuja procedência é desconhecida.
Não leve sementes ou mudas de mangueiras de um município para outro dentro ou fora do estado do Rio de Janeiro.
Se estiver viajando e comprar mangas em cabanas instaladas na rodovia, ou visitar amigos ou parentes no estado do Rio de Janeiro e eles lhe oferecerem mangas, consuma lá mesmo. Não transporte frutos ou sementes.
Não comercialize frutos de mangueiras que tenham a broca-da-manga.
Se os frutos da mangueira do seu quintal ou sítio têm a broca-da-manga, colete os frutos caídos e enterre-os. Enterre também os caroços dos frutos consumidos.
Se quiser comercializar mangas do estado do Rio de Janeiro para outros estados, é necessário obter o CFO (Certificado Fitossanitário de Origem) emitido por um técnico qualificado, credenciado pela Secretaria de Agricultura. Contate a Coordenadoria de Defesa Sanitária Vegetal do estado.
Se notar qualquer presença da praga em qualquer estado, procure os órgãos de defesa fitossanitária estaduais ou municipais ou a Embrapa (SAC).
Capacitação em outros estados
No TED estão previstas para 2020 capacitações em Pernambuco, Bahia, São Paulo e Minas Gerais, nos moldes do que já foi realizado para a Emater-Rio em 2019. “Os treinamentos para emissão de CFO também são necessários para que os técnicos possam emitir certificados para unidades produtoras de mangas, atestando a ausência da praga e a possibilidade de comercializar a fruta e um desses estava agendado para março em Pernambuco, mas foi adiado por causa das limitações de trânsito impostas pela pandemia do novo coronavírus”, destaca a pesquisadora da Embrapa.
A descoberta da praga no Brasil
O S.mangiferae está presente em vários países da Ásia, da Oceania e da África e em algumas ilhas do Caribe. No Brasil, foi descoberto em 2014, quando uma moradora do bairro de Campo Grande, no Rio de Janeiro, entrou em contato com o Serviço de Atendimento ao Cidadão (SAC) da Embrapa solicitando ajuda a respeito de insetos encontrados dentro de uma manga colhida em seu quintal. Após o pedido de fotos e a análise das imagens do fruto, a pesquisadora Alessandra de Carvalho reconheceu ali a possibilidade de ser uma praga quarentenária ausente no Brasil. Ela foi até o local colher amostras, constatou os danos aos frutos, enviou exemplares dos insetos recolhidos para taxonomista e, uma vez constatada a presença da praga quarentenária, seguiu os trâmites recomendados e reportou oficialmente a situação ao Ministério da Agricultura.
A partir daí, com o auxílio do Mapa, os técnicos da Seappa passaram por um treinamento na Embrapa Agrobiologia antes de realizarem uma investigação da possível presença da praga em todos os municípios do estado do Rio de Janeiro. Seguindo esses passos técnicos, os demais estados da Região Sudeste e todos do Nordeste foram treinados e realizaram levantamento semelhante. “A princípio era importante constatar somente a presença ou ausência da praga para saber onde as ações do Mapa deveriam se concentrar”, explica a cientista. Em 5 de setembro de 2017, o Mapa divulgou a Instrução Normativa nº 34, que reconhece a ocorrência da praga em nove municípios fluminenses e proíbe o trânsito de frutos neles produzidos para áreas indenes.