De Norte a Sul, regiões certificam a origem dos produtos agrícolas
São Paulo – Em quatro cantos do País, novos produtos entraram para o Mapa das Indicações Geográficas do Brasil de 2019. O documento é feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) com o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) e reúne um total de 62 regiões certificadas até maio de 2019. As últimas produções a receberem o reconhecimento foram a banana de Corupá, em Santa Catarina, o cacau de Tomé-Açu, no Pará, os derivados de Jabuticaba de Sabará, em Minas Gerais, e o café verde do oeste da Bahia.
“A IG na Europa é proteção. Para nós, no Brasil, representa agregação de valor e a independência. Quando você parte para as comunidades, sejam elas de artesãos, ou produtores rurais, o valor agregado não fica na mão dos produtores, está na mão dos atravessadores. Nosso desafio é nos apresentarmos diretamente ao mercado consumidor. Nos especializamos para que a gente caminhe sozinho”, aponta Eliane Cristina Muller, diretora executiva da Associação de Bananicultores de Corupá (Asbanco).
A Indicação Geográfica (IG) funciona como um selo certificador e tem duas categorias: Indicação de Procedência (IP) e Denominação de Origem (DO). A IP reconhece um local pela produção, fabricação ou extração de determinado produto ou serviço. Já a DO identifica produto ou serviço produzido com interferência de fator climático ou ambiental e que não é possível se reproduzir em outros locais.
Se na Europa, regiões como Champagne – que produz os legítimos espumantes champagne – já têm reconhecimento, no Brasil a procedência dos produtos vem sendo debatida mais recentemente. A Instrução Normativa que regula a indicação geográfica, por exemplo, é de 2013.
A Asbanco gere a única região entre as novatas a obter Denominação de Origem. A banana de Corupá (SC) conquistou o selo em agosto de 2018, depois de 14 anos se estruturando para isso. A banana cultivada ali é conhecida como a mais doce do Brasil. Para ganhar essa fama, fatores climáticos jogaram a favor dos produtores. As baixas temperaturas – que deixam as cascas com tom amarelo pálido, menos atraentes ao consumidor – também fazem o processo de desenvolvimento da fruta mais lento, acentuando a doçura.
“Sempre sofremos com o preço baixo. Em 2006, conhecemos um pesquisador que disse que estávamos apresentando a banana de maneira errada. Nós tínhamos a mais doce! O inverno baixa o metabolismo da planta. O enchimento do cacho demora três ou quatro meses a mais. Quanto mais tempo na planta, maior o acúmulo de amido e, automaticamente, maior a conversão em açúcares naturais”, explica Muller.
A associação soma 980 famílias ligadas à agricultura familiar. E os produtores já veem o crescimento da cadeia local. “É um superproduto. Podemos transformar essa fruta em biomassa, banana chips, banana com chocolate, ketchup de banana, estamos desenvolvendo uma agroindústria. O projeto de DO traz para nós mais do que simplesmente [retorno] financeiro. Ele mexe com o orgulho da comunidade, que com criatividade vai desenvolvendo outros produtos que fazem menção à fruta”, aponta ela sobre as criações como as de artesãos, que produzem de almofadas a biojoias com a fibra de bananeira.
Para a diretora, o processo de IG desenvolve o território inteiro. “Ser produtor, estar na região que é produtora da banana mais doce do Brasil é um motivo de orgulho”, conclui Muller.
Motivação também ganharam os pequenos produtores de derivados de Jabuticaba de Sabará (MG). Dos mais de 50 derivados que produz, o selo de Indicação de Procedência foi dado aos cinco mais comercializados: molhos, geleias, compota (doce com a casca), licor de jaboticaba e casquinha cristalizada.
A Associação dos Produtores de Derivados da Jabuticaba de Sabará (Asprodejas) tem 11 anos e por um ano e meio reuniu documentos para conseguir a IP. “Sabará é conhecida como a cidade da jabuticaba, que é uma planta nativa da Mata Atlântica. É brasileira e, entre 47 tipos de jaboticaba, temos uma espécie com nosso nome. A Sabará tem o fruto que é considerado um dos mais doces”, explica Meire Ribeiro, presidente da Asprodejas.
O dossiê levantado pelos mineiros traz detalhes da importância da fruta para a economia local. A cidade vive há 33 anos da produção dos derivados e tem inclusive o Festival da Jabuticaba. A associação tem 27 produtores e 99% são mulheres. “Acreditamos que valoriza muito a questão de ter um selo, não só em aumento de valor, mas em credibilidade. O valor não necessariamente aumenta, mas as vendas sim”, pondera Ribeiro.
Em média, são processadas 60 toneladas da fruta por ano apenas na Asprodejas. A ideia é que o IP seja utilizado também por não associados. “Estamos começando com processo de regularizar os [produtores] que são muito pequenininhos. Ainda não exportamos. Acreditamos que com o selo isso vai abrir muitas portas. O mercado europeu valoriza muito produto com selo”, conclui Ribeiro.
Já a primeira indicação geográfica do Pará veio com o cacau. Em janeiro de 2019, foi aprovada a IP do cacau de Tomé-Açu. “Foram em torno de sete anos de muita luta, idas e vindas, reparos, emendas, supressões, pesquisas, declarações, embasamentos, para que chegássemos a essa conquista, que envolveu parceiros de várias entidades de nosso município”, explicou Silvio Kazuhiro Shibata, presidente da Associação Cultural e Fomento Agrícola de Tomé-Açu.
A cultura cacaueira já estava lá quando os japoneses desembarcaram no município de Tomé-Açu, há 90 anos. Os imigrantes iniciaram o plantio, mas tiveram dificuldades para se adaptar à cultura. Passados 20 anos, após se dedicarem a cultivos como da pimenta-do-reino, a comunidade local voltou a produzir cacau. Desta vez, com apoio de especialistas e novas técnicas para o plantio.
Mais do que isso, eles se espelharam em comunidades tradicionais locais. “Foram os isseis (primeiros imigrantes japoneses) que observaram seus vizinhos ribeirinhos, e perceberam que em uma pequena área conseguiam produzir vários frutos e dali tirar o seu sustento. Foi aí que começou a incentivar o plantio de várias espécies frutíferas, essências florestais, tipo cacau, açaí, taperebá, bacabi, andiroba”, pontou Shibata, citando a orientação de um pesquisador japonês, Masaki Yamada, sobre o sistema de plantio consorciado, que deu origem aos Sistemas Agroflorestais de Tomé-Açu.
Hoje, o município planta desde pimenta e cacau até frutas, e produz sucos e sementes, além de manteiga de cupuaçu e cacau. O trabalho despertou interesse da Meiji Holdings, empresa de chocolates do Japão, que passou a comprar o cacau e apoiar pesquisas de entidades como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). “Foi essa parceria que nos motivou a adquirir nossa IG, para ao mesmo tempo, fomentar a produção de cacau de boa qualidade, aumentar o ganho sobre as amêndoas, e poder dar ao nosso cliente a certeza de um produto com melhor qualidade”, contou Shibata. A associação agora trabalha em manuais das boas práticas na produção do cacau para compartilhar o conhecimento entre os produtores locais.
A experiência também promete bons frutos na região Nordeste, onde quem recebeu IP neste ano foi o café verde do oeste da Bahia. “Estamos no início da nossa indicação geográfica. Temos entusiasmo. Tem a parte econômica, mas é também uma maneira de criar relação mais sustentável com o outro. Estamos com essa expectativa de bom relacionamento com toda cadeia”, pondera o presidente da Associação dos Cafeicultores do Oeste da Bahia (Abacafé), José de Oliveira do Espírito Santo.
A Abacafé fica em Luís Eduardo Magalhães (BA). Os 20 associados, produzem a espécie arábica e tem em média 500 hectares cada um, área considerada grande para a cultura.
E o que torna este café diferente? “Tem a ver com a nossa região, que imprime algumas características na bebida. Contratamos uma equipe de provadores que com o laudo nos ajudaram a conquistar a IP”, pontuou o presidente sobre características como café de leve doçura, sabor agradavelmente frutado, gosto remanescente prolongado e aroma floral com boa densidade.
Há seis anos buscando a IP, a associação comemora agora a confirmação que recebeu em setembro sobre o selo. “Isso vai melhorar para a gente na liquidez no mercado. Ajuda na venda, agrega um pouco de valor. O comprador já não quer comprar qualquer café. Ele quer saber o contexto, se é legal e atende legislação trabalhista. A fazenda para receber o selo passa por vistoria da associação”, explica Oliveira.
Em valor agregado, Oliveira acredita que o selo deve render entre 10 e 15 reais por saca de café. “O que significa em torno de 700 reais por hectare, muito significativo. E o consumidor prefere comprar um café que tem selo, temos preferência na venda. E negociamos isso”, disse o presidente.
Além de sair na frente na hora da negociação, Oliveira acredita que a estrutura atrelada ao selo, eleva o nível tecnológico, administrativo e econômico. “Nós estamos envolvidos nisso há seis anos. E vemos que as relações de trabalho são melhores, o nível de escolaridade está mais alto. O uso de defensivo agrícola é mais fiscalizado. Uma série de coisas que vão melhorando. A quantidade de animais na fazenda aumenta. Tudo tem reflexo”, acredita o presidente da associação que já exporta para países como Alemanha, Estados Unidos, Japão e Arábia Saudita.