Food Service x Varejo: setor de ovos conseguiu se ajustar rapidamente
Com a quarentena imposta pela Covid-19 e a semiparalisação das atividades econômicas dependentes do food service no abastecimento de ovos (aqui inclusa até mesmo a merenda escolar), as empresas do setor tiveram como única saída redirecionar suas vendas para o varejo.
À primeira vista isso foi ótimo, pois a quarentena gerou forte e inesperada demanda de ovos pelo varejo (fato que se repetiu mundialmente), permitindo que a atividade alcançasse resultados bem superiores aos obtidos naturalmente em um período de Quaresma. Mas isso implicou, também, em adequações. Pois a logística dos dois sistemas – varejo e food service – é totalmente diferente: no tipo de embalagem, na forma de distribuição, até mesmo no transporte.
A propósito, o AviSite ouviu alguns integrantes do setor – dirigentes, executivos, técnicos. Eis seus depoimentos:
Segundo Leandro Pinto, Presidente do Grupo Mantiqueira, maior complexo produtor de ovos da América do Sul, a mudança de serviços de alimentação a varejistas não trouxe impacto direto para as linhas de produção do Grupo Mantiqueira. “A empresa adequou e reestruturou rapidamente sua produção, redirecionada para o varejo. E parte deste food service acabou migrando para a produção de ovos para indústrias e supermercados que fazem linhas próprias. Com isto, a empresa conseguiu conter impactos diretos em logística e embalagens”, explicou.
Para o Diretor Técnico da Associação Paulista de Avicultura, médico veterinário José Roberto Bottura, a logística não é tão diferente, mas os produtores enfrentaram algumas dificuldades no estado de São Paulo: “Os ovos só puderam ser escoados para supermercados, padarias, açougues e outros estabelecimentos que estivessem funcionando. E isso, num segundo momento, acabou gerando sobras de produto. Mas o setor já está descartando uma quantidade maior de poedeiras mais velhas”, diz Bottura. Ele ainda lembra que, além do segmento de food service, também estão paralisadas ou operando em ritmo reduzido as indústrias de processamento de ovos. “Também em algumas cidades ainda existe o comércio de ovos nas ruas, de porta em porta. É o chamado ‘carro do ovo’. Esse tipo de comércio também está paralisado. Ou seja, mais ovo sobrando”, diz.
Em Pernambuco, Edival Veras, Vice-presidente administrativo da Associação Avícola do Estado (AVIPE), ressalta a coincidência da chegada do novo Coronavírus a Pernambuco com o período de quaresma, “um dos momentos de maior consumo de ovos no ano”. E acrescenta: “com relação à mudança da cadeia de distribuição, o setor sofreu um impacto maior na ‘freada’ de vários pontos de vendas e um direcionamento maior para os supermercados. A tendência é que isso vá se acomodando passo a passo e que tenhamos, de forma muito rápida, a reorganização do canal normal de vendas”.
Nélio Hand, Diretor Executivo da Associação dos Avicultores do Espírito Santo (AVES), observa que a pandemia do Coronavírus afetou e vem afetando todo e qualquer setor da economia, inclusive aqueles que são considerados essenciais para a população. “Não está sendo diferente com o setor de avicultura de postura comercial, que vem de um período relativamente tranquilo, em razão da quaresma, mas que já sentia os efeitos do problema global”, diz.
Hand explica que o produtor capixaba teve que se ajustar aos reflexos das restrições provocadas pelo contingenciamento social, direcionando seu produto efetivamente para o consumidor final. “O ovo líquido foi um dos segmentos mais prejudicados, já que as indústrias de massas e derivados destinados especialmente para bares, lanchonetes e todos aqueles inseridos no food service, tiveram que – literalmente - fechar as portas”, afirma.
“A própria indústria do ovo desidratado (ovo em pó) também está com o pé no freio, pois já prevê que o segundo semestre deste ano não será tão dinâmico quanto se esperava. A saída do produtor local foi direcionar seu produto com maior intensidade para os estabelecimentos do atacado e varejo, ou seja, mais oferta de produto para o consumidor final. E aí acabou ocorrendo o bom momento da proteína, entre as mais preferidas do consumidor”, conta.
Esse consumidor, de acordo com Nélio Hand, por sua vez, está cada vez mais exigente, observando qualidade e condições de embalagem e armazenamento. “Há muitos relatos de produtores destacando a alta na demanda por embalagens filmadas (crivo com 30 ovos, com uma tampa em PVC e envolvido em plástico filme). E neste caso quem produz buscou se adaptar rapidamente a essa realidade, que já vinha de algum tempo e que agora está mais forte”, afirma.
Gilson Tadashi Katayama, Diretor Comercial do Grupo Katayama, explica que para falar dos impactos causados pela pandemia do novo coronavírus na comercialização dos ovos da Katayama Alimentos, que hoje possui quase 4 milhões de aves entre recria e postura, é importante separar as áreas de atuação da indústria avícola em três segmentos distintos: os ovos de galinha in natura vermelhos, brancos e enriquecidos; os industrializados, que são os ovos líquidos pasteurizados e em pó; e os ovos de codorna. “A nossa produção dos ovos de mesa destinada ao food service não é representativa, pois nosso principal canal de vendas é o varejo. Então, no momento da crise devida ao fechamento de restaurantes e bares, não fomos afetados de forma significativa. A pequena parte da produção destinada a este segmento foi redirecionada ao varejo e atacarejo, onde houve um pico de consumo no início da crise, hoje já superado”, aponta.
No segmento de ovos de codorna, conta Katayama, o consumo caiu em torno de 60 a 70% com os desdobramentos da pandemia, pois a maior parte da produção do setor se destina aos restaurantes, seja na forma in natura ou processados (cozidos e descascados em conserva). “Apesar de a Katayama Alimentos não atender diretamente o food service, sentiu bastante a movimentação de concorrentes que atendiam os restaurantes e hotéis e passaram a direcionar seus produtos para o varejo, aumentando a disponibilidade dos ovos de codorna nos supermercados. Com a oferta em alta, os preços caíram bastante a ponto de gerar grande perda financeira a todos que produzem este produto, desde os pequenos produtores até os grandes”, conta.
Gilson Katayama explica ainda que, quando se trata do segmento dos industrializados, compostos pelos ovos líquidos pasteurizados e em pó, as vendas caíram em torno de 70% para food service e 30% para as grandes indústrias alimentícias. Neste caso, fizemos uma adequação em nossa produção aumentando o estoque dos produtos em pó, que possuem um shelf life maior do que os ovos líquidos.
“Gostaríamos de destacar que existe um trabalho muito bem feito por parte da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, por meio do Secretário Gustavo Junqueira, que tem se preocupado com a situação do agronegócio no Estado e consulta constantemente toda a cadeia para saber sobre a logística e os gargalos que podem estar afetando a produção de alimentos, e cujo papel é essencial para manter o bom atendimento à população”, conta e finaliza: “Para enfrentar a crise decorrente da pandemia, implementamos na Katayama Alimentos várias ações de prevenção e segurança seguindo todas as recomendações e orientações dos órgãos de saúde e autoridades competentes (OMS, Secretárias de Saúde Estaduais e Municipais, entre outros). Estamos operando com capacidade plena para contribuir com o país, com a garantia de fornecimento de alimentos essenciais neste momento, principalmente o ovo que é considerado um alimento completo e muito prático nas receitas do dia a dia”.
Por fim, a palavra de um operador que atua exclusivamente no varejo, Sebastião Kamimura, há 30 anos dedicado em fazer a ponte entre o produtor de ovos e grandes redes supermercadistas. Ouvido na semana passada pelo AviSite, Kamimura observa que o setor de postura não foi diretamente impactado pela crise da Covid-19: “As aves que estavam produzindo, continuam produzindo. As granjas de médio e grande porte tomaram todos os cuidados com os funcionários e não houve desabastecimento de ovos. O setor sentiu bem menos o impacto da crise. O comércio que está aberto foi atendido”, detalhou.
Mas deixou um alerta: “As próximas semanas serão decisivas. Sentir bem menos não significa que estejamos imunes. Alguns estoques reguladores nos ajudaram a passar até o momento, mas é preciso ter cautela e consciência para a melhor atuação no mercado”, destacou. “Essa alteração da recolocação de ovos não foi sentida porque houve uma natural – e rápida – adequação do mercado”, disse.