Com redução no fornecimento a restaurantes agroindústrias focam no mercado chinês
Enquanto boa parte dos setores da economia está enfrentando quedas drásticas da receita com o pico do novo coronavírus, o mesmo não se aplica às empresas de alimentos. Especialmente os frigoríficos que têm a China como principal destino de suas exportações: JBS,BRF, Marfrig e Minerva viram a demanda de restaurantes (food service) despencar em março, porém, a retração deve ser compensada pela recuperação do consumo chinês.
O primeiro movimento de queda do setor foi verificado no início de março nos restaurantes, diante das medidas de isolamento adotadas por estados e municípios para combater a propagação da covid-19.
O fluxo de demanda migrou para o delivery e, com isso, as vendas do segmento conhecido como food service recuaram mais de 65% em março, conforme apurou a reportagem da EXAME com os frigoríficos.
Um dos reflexos do coronavírus foi o impacto no poder de compra do brasileiro, principalmente entre os informais. Historicamente, em tempos de crise, há uma migração do consumo de carne bovina para proteínas mais baratas, como frango e ovos, por exemplo.
Diante do cenário de mudanças rápidas e acentuadas do consumo, as empresas estão se adaptando. É o caso da Marfrig que, embora tenha no food service apenas 5% da sua receita, vem adequando seu portfólio à demanda do mercado.
“Este vai ser um ano desafiador, mas nossa estrutura e unidades habilitadas a exportar para a China permitem que tenhamos um desempenho bastante competitivo”, afirma Miguel Gularte, diretor-presidente da Marfrig, em entrevista à EXAME.
No Brasil, cerca de 29% da produção da companhia é destinada ao mercado doméstico e, o restante, exportado. Segundo Gularte, a Marfrig tem flexibilidade para se adaptar em meio à crise. Como exemplo, ele cita o aumento das remessas de enlatados para a Europa.
“Os europeus têm uma cultura de guerra. Eles costumam estocar alimentos enlatados. Crescemos muito no segmento.”
Conforme o executivo, os processados têm margens maiores e vêm apresentando bom desempenho no canal de delivery. Neste sentido, a Marfrig está lançando uma linha de hamburguer para food service. “Já percebemos um movimento incipiente de restaurantes adaptando suas operações para entregas.”
Já o Minerva tem grande parte da sua operação doméstica voltada para o food service – embora as exportações continuem representando 70% da receita total da companhia. Segundo apurou a reportagem da EXAME, a queda das vendas da empresa no food service foi compensada pelo crescimento no varejo, que inclui mercados de pequeno e médio porte, supermercados e hipermercados.
“As vendas do Minerva cresceram, em março, quase 50% no varejo”, afirma uma pessoa próxima à companhia.
De acordo com Lygia Pimentel, diretora da Agrifatto consultoria especializada, hoje o mercado de carne bovina está estagnado. “Os frigoríficos só vão comprar se o varejo tiver feito pedido.”
Segundo ela, os estoques da indústria estão baixos e o abate foi reduzido pela metade no país. Com o pânico do coronavírus, o brasileiro passou a consumir menos e, neste cenário, a Agrifatto calcula uma queda média do resultado operacional dos frigoríficos de 17% a 24% em março sobre o mês anterior.
“A maior retração vai ser verificada entre os frigoríficos voltados para o mercado interno, que não exportam principalmente para a China”, diz Lygia.
Negócio de gente grande
As gigantes do setor de carne, principalmente aquelas que têm unidades habilitadas a exportar para a China, vão se beneficiar da recuperação do consumo do país asiático. JBS, Marfrig e Minerva estão na lista.
“As três empresas vão se beneficiar desse momento. A demanda por carne segue relativamente firme, assim como a de grãos. O diferencial está no quão internacionalizado é o frigorífico”, afirma Bruno Lima, analista de renda variável da EXAME Research.
Segundo ele, quase metade das exportações da JBS vai para a Ásia, sendo a maior parte para a China. Além disso, as operações do grupo vão bem nos Estados Unidos, onde o spread da proteína segue positivo.
O mesmo também ocorre com a Marfrig. “A empresa está nadando de braçada no mercado americano”, avalia Lima.
Mas é na China que as gigantes do setor vão encontrar a salvação para a crise que se instalou nas economias do mundo todo. O país asiático passou por um grave problema sanitário no ano passado, a chamada peste suína, que liquidou quase 70% do rebanho suíno do país.
Com isso, a China passou a demandar não só esse tipo de carne para recompor seus estoques, mas elevou as compras de frango e carne bovina.
JBS e Marfrig têm, no Brasil, sete unidades habilitadas a exportar para a China; Minerva tem três. Isso sem contar as plantas instaladas em outros países e que também estão autorizadas a embarcar para o país asiático.
E enquanto o Brasil e outros países do mundo atravessam o pico da covid-19, a China e algumas nações da Ásia, como o Japão, começam a retomar gradualmente suas rotinas.
“Os chineses vão voltar a comprar carne bovina e aumentar muito a demanda por aves e suínos. Neste cenário, JBS, Marfrig, Minerva e BRF estarão bem posicionadas”, afirma Pedro Galdi, analista da corretora Mirae Asset.
Papéis
O pânico gerado pelo novo coronavírus tomou conta do mercado financeiro global em março. No Brasil não foi diferente. A bolsa de valores (B3) enfrentou quedas sucessivas no período, com seis paralisações temporárias das negociações (circuit breaker).
Os papéis dos frigoríficos não foram poupados. Em março, as ações da Marfrig caíram cerca de 26% sobre fevereiro; da Minerva, 31,8% e, da JBS, 10,4%. O índice Ibovespa recuou 29,9% na mesma base.
Para Bruno Lima, entretanto, o horizonte é positivo para estas empresas não só pela demanda estável por proteína. A valorização do dólar também traz grandes vantagens aos exportadores. “O setor, de forma geral, vai sai vencedor na crise”.