A epidemia chinesa de peste suína e o Brasil, por Marcos Yank
Família e fortuna são valores fundamentais da cultura chinesa. Na história milenar do país, um dos símbolos desses valores é o porco. O ideograma chinês para a palavra “lar” é um suíno embaixo de um teto, simbolizando que família, prosperidade e suínos vivem juntos, simbioticamente.
Estamos no ano zodiacal do porco na China. O país responde por metade da produção mundial de carne suína, ao consumir incríveis 54 milhões de toneladas.
Porém, desde agosto a China enfrenta uma terrível epidemia de peste suína africana, que já dizimou 17% do seu plantel de quase 700 milhões de cabeças, chegando a 20% no abate de matrizes. A epidemia avança no Vietnã e começa a chegar a outros países do sudeste da Ásia.
Trata-se da doença suína mais temida no planeta, cuja contaminação se espalha rapidamente por meio do trânsito de animais vivos (incluindo porcos selvagens), pessoas, carnes, rações e subprodutos da indústria. Não há risco para seres humanos, mas o vírus é letal e incurável no rebanho suíno.
Estima-se que a oferta doméstica chinesa deva cair cerca de 8,5 milhões de toneladas em 2019 (15% da produção), o equivalente ao volume total de exportações do mundo nesse momento e a mais do que o dobro da produção total brasileira. No relatório alarmista que o Rabobank divulgou essa semana, a produção chinesa pode cair de 25% a 35% até 2020.
Certamente veremos uma alta importante dos preços chineses no segundo semestre e em 2020, não apenas na carne suína mas também em aves, bovinos e pescados.
Essa alta só não aconteceu ainda porque os produtores estão abatendo seus rebanhos, com medo de serem atingidos pela doença. E também porque as empresas estatais chinesas saíram “varrendo” a América do Sul, a Oceania e a Europa para formar estoques estratégicos e evitar o desabastecimento.
A crise atingiu principalmente o rebanho suíno de “fundo de quintal” das pequenas propriedades (20% do total), segmento que tende a desaparecer em razão dos recorrentes problemas de controle sanitário e, agora, da falta de crédito que impedirá que pequenas e médias renovem o seu plantel. Mas ela já atinge também as grandes propriedades verticalizadas, que respondem por 60% da oferta chinesa.
África e Rússia também foram vítimas da peste suína na última década. A situação no Leste Europeu e na Bélgica é dramática. Portanto, a solução para a crise chinesa nas três proteínas está nas Américas, principalmente nos EUA e no Mercosul.
O Brasil é o país com maior potencial de expansão sustentável da oferta, graças aos s excedentes de soja e milho. Para tanto, é preciso entender o contexto como um todo e jogar direito nesse tabuleiro. Precisamos mapear e acompanhar o que está acontecendo no campo chinês, conversar com os envolvidos e analisar os impactos da crise na oferta, demanda e preços de principais commodities envolvidas na equação —soja, milho, rações, suínos, aves, bovinos, pescados, etc.
É hora de fortalecer a parceria Brasil-China nas áreas técnica e comercial, apoiando nosso maior cliente e investidor neste momento difícil.
Além disso, é imprescindível reforçar os controles de fronteira, de forma a impedir a entrada desse terrível vírus no Brasil.
O Brasil vinha perdendo mercado em todas as carnes nos últimos anos e ainda corria o risco de ser impactado pelo acordo EUA-China, que sairá nas próximas semanas. Mas de repente essa crise pode virar o jogo em nosso favor, a exemplo do que aconteceu há alguns anos com a epidemia de grive aviária, que poupou o Brasil.
Um momento crucial dessa partida será jogado em maio, quando a ministra Tereza Cristina e o vice-presidente Hamilton Mourão estarão em Pequim.
(*) Marcos Sawaya Jank é especialista em questões globais do agronegócio.