É do Brasil: Entenda como a sustentabilidade deu origem a um dos cafés mais raros e caros do mundo

Publicado em 29/01/2023 09:47 e atualizado em 30/01/2023 17:18
Café que chega a ser negociado a R$ 6.000,00 o kg no exterior, teve início despretensioso e nasceu a partir de um "problema" no Espírito Santo

Você sabia que um dos cafés mais caros do mundo é produzido com exclusividade em uma fazenda no Brasil? O famoso "café Jacu" tem endereço certo por aqui, no estado do Espírito Santo, é produzido de forma inusitada e que é só possível através sustentabilidade e preservação ambiental acontecendo na prática.
 

Mas, para entender a história de um dos cafés mais exóticos do mundo é preciso voltar no tempo já que a trajetória da Fazenda Camocim teve início em 1962 em um projeto de recuperação de florestal. Olivar Araújo foi quem deu o pontapé inicial nos trabalhos da fazenda. Conhecido como "colecionador de árvores" durante 30 anos realizou o trabalho de plantio de árvores, proteção de nascentes e recuperação do solo. 

Olivar Araújo: O "colecionador de árvores" 


Ainda sem saber, foi com essa iniciativa que Olivar começou os trabalhos de um dos mais diferenciados do mundo. Antes do café, as terras, em alta altitude e com temperaturas amenas, eram destinadas para o cultivo de madeira. Foi apenas em 1996, sob o comando de Henrique Sloper que o café começou a ser implementado na Fazenda. 

"Meu avô queria diversificar a produção e não ficar só com madeira. Plantamos frutas e o café veio junto nessa época. Aqui, o café já nasceu com o viés da qualidade", afirma o empresário, relembrando ainda que na época o Espírito Santo já era fortemente reconhecido pela produção, mas ainda com destaque apenas com o café commoditie. 

O viés da qualidade, cultivado em uma área que já nasceu com preocupação ambiental, também partiu de um projeto que visava a produção de um grão sem agroquímico, que fosse 100% orgânico. Alguns anos depois a fazenda passou a colocar em prática o cultivo de café biodinâmico, que apresenta mais qualidade, resistência a pragas e enriquece o solo onde está cultivado. 
 

Café e projeto agroflorestal: Combo perfeito para um dos cafés mais valorizados do mundo

"Meu avô sempre teve essa cabeça de não usar agroquímico na terra. Aqui tem muita matéria orgânica, o solo é diferente. Meu avô era cearense que foi até 101 anos de idade e que tinha uma visão de empreendedor. Nós tivemos muito suporte de agrônomos e do próprio Incaper", comenta. 

Com informação limitada há mais de 20 anos e com o foco de alcançar os padrões de qualidade e sustentabilidade, o início do café foi marcado por uma série de tentativa e erro na fazenda. Pelo menos nove cultivares foram testadas.

Processo de pós colheita exige ainda mais cuidado com o café Jacu​​​​​


"A ideia no começo era sempre ter uma produção mais espaçada, não concentrada pela dificuldade da colheita já que aqui é tudo manual, não tem como mecanizar. E também para ter um fluxo de caixa mais estendido durante o ano", explica. Por lá, a colheita da safra vai de abril até meados de novembro. 

As primeiras certificações da Fazenda chegaram logo nos primeiros anos de café. Em 1999, a Camocim foi certificado pelo Instituto Biodinâmico (IBD), que tem como principal objetivo garantir a autenticidade da produção sem nenhum aditivo químico. 

Mas e o Jacu, quando começou?

O café super especial é uma resposta do trabalho da agrofloresta. "Foi totalmente sem querer. O pássaro já habitava essa região, ele tem essa característica de morar na floresta e como aqui era uma agrofloresta, com café dentro, virou o ambiente ideal para ele procriar. Então a gente tem um trabalho de preservação do animal", comenta. 

Sem querer o pássaro também passou a ser um "alerta de colheita", já que onde ele está comendo os frutos, significa que o café está maduro. "Serve para espalhar café pela região toda. E aqui, por ser um cultivo orgânico, você não está introduzindo nenhum químico no pássaro, o que é importante para preservação da espécie", acrescenta. 

O indicativo de colheita no começo foi na verdade um problema. Henrique percebeu que os ataques do Jacu aconteciam frequentemente e sempre nos melhores frutos. A solução chegou quando Henrique lembrou de um café produzido na Indonésia, o Kopi Luwak, também de grãos extraídos das fazes de um outro animal, o civeta. 


Foi a partir deste momento que ele passou a buscar como trazer a prática até sua fazenda, minimizar os impactos, manter o jacu no seu habitat natural e ainda garantir mais rentabilidade. 

Como se trata de uma colheita extremamente seletiva, o volume é limitado. Segundo o empresário, são colhidas de três a quatro toneladas deste tipo de café. A primeira exportação saiu com destino a Londres e na época, o Ibama precisou emitir um certificado comprovando as boas práticas e principalmente a preservação do animal para o cultivo de café. 

Henrique Sloper durante prova de café na Camocim

"A diferença da Indonésia é que aqui eles ficam livres, o espaço virou uma área de reprodução da espécie", comenta. O pássaro que está presente em toda Mata Atlântica aparece na fazenda no período de inverno, para reprodução, o que acabou coincidindo com a época de maturação. 

Antes de chegar até a xícara, o grão extraído das fezes do Jacu passa por alguns passos. Primeiro os grãos passam por processo de secagem em uma estufa, sempre com temperatura elevada.  Na sequência, o processo é de seleção e higienização, sendo selecionados pelos trabalhadores. Após a higienização, o grão é armazenado e passa pela torrefação - esse processo também é feito na Camocim atualmente. 

O café Jacu tem como principal destino o mercado internacional com valor agregado que chama atenção. No Brasil, o quilo do café é negociado na casa dos R$ 1.000,00, mas na Europa a venda pode chegar a R$ 6.000,00. O café Jacu hoje em dia é encontrado nas melhores cafeterias do mundo. 

Henrique também já foi presidente da BSCA, representando o Brasil mundo afora

À frente da Fazenda Camocim, Henrique Sloper há anos está envolvido diretamente com o mercado de cafés especiais do Brasil. O empresário, que também já foi presidente da Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA) reforça que atualmente esse é o caminho para o país continuar conquistando espaço no cenário atual: boas práticas agrícolas e resultado da xícara. 

Henrique reconhece o avanço do país na produção de qualidade, ressaltando mais uma vez que esse consumidor de fato está cada vez mais exigente. Rastreabilidade, certificação e comunicação transparente mais do que nunca são fatores essenciais para que o produtor consiga espaço e principalmente valor agregado ao produto.

"O caminho é esse, boas práticas e produção consciente, não tem outro. Hoje somos uma referência na região e estamos de portas abertas para quem quiser conhecer nosso trabalho sério de sustentabilidade, qualidade e valorização da cadeia cafeeira", finaliza. 

 

 


 

 

Por: Virgínia Alves
Fonte: Notícias Agrícolas

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