Fazendo história: A 1ª mulher assumir a BSCA teve como propósito fazer qualidade, mas principalmente transformar vidas através da cafeicultura

Publicado em 04/12/2022 10:18 e atualizado em 02/01/2023 13:26

 

Cada nova história que encontro nas Entrelinhas do Cafezal fica mais evidente de que em cada xícara de café existe muita história, muita paixão pela produção e mais do que isso, um amor que ultrapassa gerações.

E o Brasil, maior produtor e exportador de café do mundo teve sua história literalmente escrita por famílias que se dedicam há muitos anos.  Para muitos produtores e produtoras o café vai muito além de só ter o próprio sustento com a cafeicultura, mais do que isso, encontraram propósito que mudam histórias na produção da segunda bebida mais consumida no mundo. 

A parada de hoje do Entrelinhas é em Três Pontas, microrregião produtora no sul de Minas Gerais para contar a história de Carmem Lucia Chaves de Brito, carinhosamente conhecida e reconhecida como Ucha por todo setor cafeeiro do Brasil. 

A história da primeira mulher assumir a presidência da Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA) vai muito além do trabalho eficiente na produção de qualidade e de representatividade do setor. Um dos principais nomes femininos no café do Brasil carrega também uma característica ímpar dos cafeicultores: de não deixar o legado de uma família para trás. 

Mas, para entender como Ucha se tornou uma das principais vozes do café brasileiro é preciso voltar no tempo. A família produz arábica há mais de 100 anos e ela cresceu embaixo de um pé de café, as lembranças da infância estão todas relacionadas à produção, mas com 16 anos optou em se mudar para o Rio de Janeiro para estudar. 

Por lá, escreveu a própria história dentro da vida acadêmica, se formando em professora de Educação Física e posteriormente em Psicologia também. E entre as pesquisas e construindo a carreira como professora, foi em 2006 que Ucha resolveu voltar para Minas Gerais. 

Após a morte do pai ela resolveu voltar para evitar que o legado da família fosse perdido. Para ela, depois de ver todo o esforço da família na produção de cafés, era questão de honra seguir a sua trajetória nas Entrelinhas do Cafezal

A volta para o campo, apesar do momento díficil para a família foi também marcada por muitos sonhos e vontade de fazer acontecer. Em uma época de crise para a cafeicultura nacional e de endividamento de boa parte dos produtores, o propósito dela era muito mais que só produzir: O grande objetivo era manter a família unida com afeto e segurança na produção, mas mudar a cara da produção passando de commoditie para os especiais. 

"Resolvi voltar para que junto com meus irmãos a gente desenhasse um novo projeto para que a gente não dividisse a fazenda, porque isso tradicionalmente faz parte da cultura ali do lugar. E aquilo foi muito impactante para mim, eu pensei: meu Deus, não é possível que a gente não dá conta de continuar esse legado", comenta. 

Ucha e os irmãos aceitaram a continuar na produção, mas algumas mudanças foram executadas. "A proposta era diferenciar e sair da linha de commoditie, agregar valor. Isso começa em 2007 quando eu retorno, já se vão 15 anos que estou a frente do negócio da gente", complementa contando ainda que os cinco irmãos até hoje trabalham juntos na produção de cafés de alta qualidade. 

"É uma história gostosa que traz muita realização, envolve muita gente. 15 anos para o café não é nada, mas o que a gente já conseguiu avançar nesse período foi impressionante", comenta. 

A virada para o especial 

Atualmente falamos quase que diariamente sobre a produção de cafés especiais no Brasil, mas há 15 anos o cenário era completamente o oposto. Além da crise que abalou a vida de muitos produtores, Ucha relembra que quem se "aventurava" nos cafés de qualidade quase não encontrava  informação. 

"Eu acho que esse projeto até virou muito pelo grande parceiro ter sido meu irmão, o Nando. Se não fosse ele, talvez eu nem tivesse vindo. Eu achei que com ele a gente conseguiria fazer um negócio bacana demais e tudo o que eu posicionava ele aceitava. Foi sensacional, tem sido sensacional trabalhar com ele", relembra. 

Estar junto de Nando e de toda a família foi fator crucial para  a virada de chave para a produção de Três Pontas. Ucha lembra que foi preciso estruturar uma cultura praticamente do zero, romper alguns paradigmas e mudar até mesmo processos até então muito bem estabelecidos. 

"Na verdade eu tinha um sonho, que era esse negócio de agregar valor, de nos conectar com nosso cliente, promover para as pessoas aquilo o que elas gostariam de encontrar. Eu cheguei no momento que a cafeicultura estava fazendo SOS cafeicultura e falei pro irmão que para viver a vida desse jeito não dava não, precisava virar esse jogo porque realmente a gente vinha de uma crise muito grande", conta. 

Sem dinheiro para fazer grandes investimentos, Ucha começou o trabalho na fazenda construindo novas narrativas, pensando em que história a família gostaria de contar dali em diante. "A gente não tinha dinheiro para investir em muita coisa não, mas a gente podia começar pelas pessoas que é coisa mais importante que a gente tem", comenta. 

A partir de então Ucha passou a trabalhar em cima dos valores considerados essenciais para continuar tocando os negócios da família e passou a investir nos colaboradores da fazenda, construindo com todos os novos passos da sua então nova fase. Junto a isso, as novas práticas no pós colheita também começaram a fazer parte da nova realidade. 

"Começamos a criar um ambiente mais capacitante para as pessoas, pensar mais criativamente em um ambiente de trabalho bacana e acolhedor, que todo mundo se sentisse bem. Dar oportunidades iguais dentro da fazenda, chamar as mulheres para perto da gente. Os jovens, para que eles entendesse que não precisava sair para ser feliz. Isso foi muito grandioso, o que acabou sendo maior que as dificuldades. A gente começou dentro de casa, melhorando de fato a vida de todo mundo que estava envolvido com a gente, revalorizando quem estava e está no campo até hoje", comenta. 

 

Nas fazendas da família, Caxambu e  Aracaçu, ambas administradas por Ucha, o café também é tratado com muito carinho e afeto. Por lá, os grãos descansam em uma área com pouca luz e ao som de música classes. Segundo a cafeicultora, o objetivo é realmente dar descanso aos grãos após o período de estresse da colheita. 

"Eu acredito que o grão dessa bebiba que é apaixonante merece esse carinho. É um momento de pausa e valorização desse grão que dá a vida da segunda bebida mais consumida no mundo", comenta. 

Para os próximos anos, Ucha continua acreditando no sucesso que as boas relações trazem para todo o elo da cadeia. Hoje em dia se fala muito em práticas ESG, mas as ações sustentáveis são adotadas pela família desde a virada de chave na produção.


Com propósito e planos traçados, a cafeicultora que é referência também já está deixando um grande legado para as próximas gerações: De lembrar sempre e valorizar que o café é feito por gente, histórias e conquistas. Mais do que isso, que foco e persistência são capazes de transformar a vida de todos que estão envolvidos com o café, dentro ou fora da porteira. 

 

Por: Virgínia Alves
Fonte: Notícias Agrícolas

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