Há mais de um ano com "mercado invertido", café passa por reajustes, mas liquidez deve demorar mais um tempo para voltar
Há pelo menos um ano e meio o produtor de café está convivendo com um mercado completamente adverso do que era visto nos últimos anos. Com "mercado invertido", ou seja, com o presente mais caro do que no futuro, o mercado tem sido pautado no dia a dia e com negociações limitadas.
As cotações do café arábica, em baixa nos últimos dez dias, chegaram a ser negociadas acima dos 220 cents/lbp na Bolsa de Nova York (ICE Future US), mas com poucos compradores, o mercado quase não apresentou liquidez. Com as baixas dos últimos dias o produtor se retraiu ainda mais vendo as negociações ficando abaixo de 218 cents/lbp.
"Essa inversão do mercado não foi benéfica para o produtor porque perdemos os grandes compradores do mercado de café, o mercado financeiro, que traz liquidez, bons preços para nós. Essa inversão de mercado, em vez de ser benéfica para o produtor, ela foi maléfica ", afirma Lúcio Dias, Superint. comercial da Cooxupé.
Comenta ainda que depois de uma safra frustrada pelas condições climáticas em 2022, o produtor aguardava o retorno das chuvas para começar o planejamento para o ano que vem, mais um fator que tirou o cafeicultor no mercado. As chuvas já levaram alívio nas principais áreas de produção do país e para o analista os fatores macroeconômicos que afetam todo o contexto global é o principal fator de peso para o mercado de café nas últimas semanas.
"Não foi por causa da chuva que caiu. É o contexto mundial que fez o mercado cair e com isso os fundos saíram vendendo com a alta de juros no mercado mundial fez com o que os fundos que estavam comprados começassem a vender a posição comprada, e isso pressiona o mercado mesmo. Quem vai comprar esse café principalmente com o mercado mais caro no "curto" do que no futuro? Aí o mercado cai mesmo até se ajustar", comenta.
Para o analista da maior cooperativa de café do mundo, o mercado de café ainda passa por momentos de ajustes, mas afirma que é difícil estipular quando a liquidez voltará a normalidade, apesar do movimento estar acontecendo mais cedo do que era previsto.
"Há pouco tempo o mercado estava quase 1100 pontos invertido, mercado de dezembro mais caro que o março e hoje chegou a 200 pontos, está acontecendo rapidamente. Para esse mercado talvez voltar, os presentes ficarem mais baratos que os futuros e começar essa movimentação nova do grande comércio do mundo pode acontecer até antes do que nós esperávamos e isso dá um dinamismo no mercado", explica.
Veja a variação do contrato março/23 nos últimos três meses em Nova York:
A tendência, segundo o especialista, é que se o mercado voltar a sua normalidade, mais compradores estarão disponíveis para negociação. "O mercado está muito restrito, extremamente restrito. Não sei se vai demorar 40,60,90 dias, mas tenho a expectativa que esse mercado volte a funcionar do jeito que a gente sempre teve. Ele voltar "em carrego" como a gente chama, é um mercado mais atuante, onde nós tenhamos mais diversidade de comprador, hoje eles são restritos", afirma.
Se no campo as adversidades climáticas que há muitos anos não eram registradas, como a geada por exemplo, assustaram os produtores, do outro lado, Lúcio comenta que os operadores também tiveram que aprender a lidar com um mercado de café totalmente adverso ao habitual.
"O que aconteceu nesse mercado foi uma mudança que os operadores, nós todos na história, tivemos pouquíssimas vezes que isso aconteceu. E que a maioria dos operadores não entendem muito bem o reflexo e o reflexo foi esse, uma paralisação muito grande do mercado e o produtor resistente em vender", comenta.
Os fatores globais continuarão no radar do mercado de café, o que pode manter certa volatilidade acentuada apesar do cenário de reajuste nos preços. Entre eles, se destacam o risco de uma recessão global e os impasses logísticos que ainda podem trazer novas dificuldades para o setor exportador mundial.
Com relação à recessão, as preocupações do mercado de café seguem sendo o consumo no exterior. Os dados de inflação nos Estados Unidos, crise enegética e guerra na Europa, podem impactar diretamente no poder aquisitivo do consumidor final.
"Todas as commodities caíram, as vezes o produtor fica pensando só na fazenda dele e não vê o todo. Há uma venda de ativos no mercado financeiro mundial, está saindo dos ativos que estava comprado para poder entregar os recursos dele para governos, bancos centrais, que estão pagando melhor. O próprio mercado financeiro mundial protege o patrimônio dele da inflação, ele não precisa estar comprado em commoditie", explica.
A Organização Internacional do Café (OIC) já está monitorando o consumo na Europa. De acordo com informações divulgadas ao Notícias Agrícolas, na semana passada.
"Estamos com uma preocupação com um nível de preocupação bastante elevado neste momento principalmente aqui na Europa, que começa a viver uma crise extremamente certa com problemas com gás, energia de uma forma geral e também uma questão muito séria de inflação", disse Vanusia Nogueira.
As crises anteriores, no entanto, mostraram que o café se mostra resiliente, mas também indicam mudança no tipo de café. Segundo lideranças do setor, os cafés especiais, assim como na pandemia, podem sentir os impactos de forma mais expressiva.
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Com relação à logística, Lúcio comenta que nos últimos 15 dias a competição por navios e containeres no Brasil voltou a aumentar, cenário que está sendo monitorado por todo setor exportador do país. É importante lembrar que desde a Covid-19 o setor exportador de café do Brasil vem driblando a falta de espaço para novos embarques, inclusive adotando novas modalidades de envio, como "break bulk" para garantir as entregas.
O cenário hoje é mais positivo, mas no auge da crise o café brasileiro estava demorando até quatro meses para chegar nos Estados Unidos, por exemplo. No mês passado o Brasil exportou 3,4 milhões de sacas de café, volume que surpreendeu o mercado. Apesar do bom desempenho para o mês, tanto Lúcio, como o Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé) afirmam que as condições precisam ser avaliadas no mês a mês e novos atrasos não estão descartados.