Além do BR: Crise no café ultrapassa fronteiras, aumenta preocupação com oferta e quase ninguém aproveita valorização
“A crise desse ano é histórica na cafeicultura, nunca vimos algo parecido antes”, afirma Eduardo Carvalhaes, analista referência no mercado de café, que acompanha de perto os dramas do setor tentando decifrar para o produtor o que deve acontecer daqui para frente.
Em poucos meses, o Brasil saiu de um ano extraordinário quando se fala em produção, consumo e exportação, para um período marcado por desafios, sejam eles climáticos, logísticos e principalmente de dúvidas para o produtor. A preocupação com a oferta global de café é latente e apesar do avanço dos preços na Bolsa de Nova York (ICE Future US), poucos elos do setor conseguem fazer bons negócios neste momento.
O especialista destaca ainda que os problemas atuais vão muito além do Brasil. “Nós temos seca prolongada, geadas e pela primeira vez durante uma crise, não temos estoque governamental e pouco café na mão do produtor. E tudo isso acontece em meio a um problema climático que atinge todos os países produtores e o impasse logístico que parece estar longe do fim”, afirma.
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Relembrando outros anos desafiadores, Carvalhaes destaca as geadas de 1975 e 1994 como episódios que marcaram a história do maior produtor e exportador de café do mundo. “A grande diferença é que antes quando acontecia algo desse tipo, os concorrentes faziam a festa. Hoje nenhum país tem café suficiente para substituir o nosso café. O cenário é nebuloso e o que tenho certeza é que temos um problema atrás do outro”, comenta.
Nos últimos meses, o mercado respondeu de certa forma aos problemas enfrentados pela cadeia. Há um ano o contrato de referência era negociado abaixo de 1,50 de centavos de dólar por libra-peso e na última semana as negociações voltaram a ultrapassar a casa dos 2,0 cents/lbp.
Mesmo com a expressiva valorização, as negociações seguem travadas e o produtor aguarda para entender os reais impactos do clima adverso na produção do ano que vem. Após longo período de seca intensa, as chuvas começaram a retornar no parque cafeeiro, mas ainda de forma muito tímida e irregular.
O analista destaca que as precipitações dos últimos trazem certo alívio, mas apenas paralisam os danos na planta, sem recuperar o potencial produtivo já perdido no último ano. “Voltou a chover, mas isso ainda não significa nada, continuamos precisando de chuva. A florada abriu, mas abre todo ano. O cenário segue muito incerto e as condições climáticas para os próximos meses ainda preocupam muito o produtor. É uma situação ímpar, os fundamentos são firmes e de valorização, mas não conseguimos desenhar no longo prazo o que deve acontecer com o mercado”, afirma Carvalhaes.
PROBLEMA LOGÍSTICO LONGE DO FIM, MAS BRASIL DRIBLA GARGALOS E FAZ LIÇÃO DE CASA
Os números apresentados pelo Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé) confirmam os impactos nos embarques do Brasil. No mês de setembro o país exportou 3.111.905 sacas de 60 kg, número que representa queda de 26,5% em relação ao mesmo período do ano passado. Já quando o assunto é receita cambial, o relatório aponta avanço de 0,05%, refletindo a valorização do café no mercado externo.
“Nós ainda estamos no contexto da grave crise internacional do transporte marítimo, falta de espaço nos navios, todo esse contexto permanece”, afirmou Marcos Matos, diretor executivo do Cecafé, em entrevista ao Notícias Agrícolas.
Matos comenta ainda que sem os problemas atuais, o Brasil poderia estar exportando mais, destacando que a redução nos embarques se trata unicamente de uma questão logística e não de falta de café, como especulado em algumas ocasiões.
Com a recuperação das economias globais a demanda pelo transporte de mercadorias aumentou e os recentes problemas com a Covid na China pressionaram ainda mais a logística global. Apesar dos problemas, Marcos ressalta que o setor exportador vem buscando driblar os problemas, consegue cumprir os contratos e mantém o Brasil à frente dos demais países produtores.
As informações são confirmadas quando se observa o aumento da participação do café brasileiro nos estoques certificados da ICE, por exemplo. O volume chegou ao nível mais baixo dos últimos 20 anos no ano passado, mas desde sua recuperação o Brasil assumiu a posição de principal fornecedor de cafés na ICE.
Atualmente com pouco mais de 1,9 milhões de sacas, 54,69% deste montante é proveniente do Brasil. Logo em seguida, Honduras aparece representando 40,10% dos estoques. Os dados fazem parte do levantamento feito pela Pharos Consultoria para o Notícias Agrícolas.
Haroldo Bonfá, analista de mercado da Pharos, comenta que apesar da participação brasileira ser uma realidade dos últimos meses, continua chamando atenção do setor. “O Brasil de fato aprendeu a fazer a lição de casa. Aprendeu a produzir o café com características de bolsa e mais do que isso, aprendeu a fazer dinheiro com esse café e vem se capitalizando”, afirma o especialista.
Questionado sobre o avanço do Brasil, Haroldo reforça que o ciclo anterior foi um grande aliado, mas destaca que além disso, a desvalorização do real deixou o café brasileiro mais competitivo no mercado. “Houve uma ligeira queda porque o preço subiu demais e de agora em diante vai ser determinante para manter a posição do Brasil, é o que vai ditar o jogo”, afirma.
Veja a evolução do Brasil nos estoques certificados da ICE:
DIMINUIÇÃO DA PARTICIPAÇÃO DE HONDURAS É REFLEXO DO CLIMA E ALTO CUSTO DOS FRETES
Confirmando a visão do setor cafeeiro no Brasil, as condições atuais de produção em Honduras mostram que o clima adverso também tira o sono do produtor na América Central. De acordo com Omar Funez - secretário geral da CONACAFE Honduras, o país se recupera de dois furacões que atingiram a região no ano passado.
Com o excesso de chuva, a produção local enfrenta uma alta incidência de pragas e doenças, como por exemplo, a ferrugem. "A produtividade média que temos aqui é de 17/18 sacas de 46kg por hectare. Quando se tem impacto desses fenômenos climáticos temos muitos desafios. Estamos começando a colheita e o que também gera preocupação é o aumento do custo de frete", comenta em entrevista ao Notícias Agrícolas.
De acordo com o Omar, o custo do frete tem aumentado significativamente, chegando a estar até 10 vezes mais elevado quando comparados com os anos anteriores, além dos problemas enfrentados para conseguir embarcar o café, já que a logística a nível global está comprometida.
Honduras também enfrenta problemas de mão de obra. Omar comenta que a maior parte dos trabalhadores na cadeira cafeeira do país é proveniente de países vizinhos e a condição ficou mais crítica com a Covid.
"Nós temos um grande desafio quando falamos em trabalho. O produtor colhe um pouco para aproveitar quando os preços estão bons, porque há uma motivação maior para colher e vender internamente", acrescenta.
COLÔMBIA: COM ONDA DE PROTESTO E VIOLÊNCIA, PROBLEMAS COMEÇARAM AINDA NO PRIMEIRO SEMESTRE
No segundo maior produtor de café tipo arábica do mundo o cenário não é muito diferente. Os problemas logísticos começaram a afetar a Colômbia antes mesmo que no Brasil, consequência da onda de protestos e violências vivenciada pelo país no primeiro semestre de 2021. Na época, a Colômbia deixou de embarcar quantidades expressivas de café ao mercado, gerando ainda mais incerteza para o setor.
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De acordo com a Federação Nacional dos Cafeicultores, os problemas logísticos são, neste momento, os maiores desafios do país. “2021 tem sido um ano particularmente complexo em termos logísticos, situação que tem gerado desafios para mantermos a operação de exportação de café continuamente e com o menor impacto possível”, comenta a FNC ao Notícias Agrícolas.
A FNC reconhece ainda que a limitada disponibilidade de reservas em navios, e contêineres para a embalagem e exportação de café, tem causado atrasos nas entregas de café. A FNC, no entanto, afirma que os atrasos por enquanto são considerados de curto prazo.
“A logística do café na Colômbia é muito particular e diferente das de outros países produtores de café, como o Brasil. Transportamos nosso café das plantas para o porto de exportação por terra e em carga solta. Isso significa que o café é armazenado nos diferentes terminais portuários esperando para ser embalado nos contêineres habilitados por cada linha de transporte marítimo.
Diante da escassez de contêineres ou de um impacto nos itinerários e chamadas de navios como estamos vivenciando atualmente, é evidente que um problema de congestionamento é gerado automaticamente nos terminais portuários que, por sua vez, são representados em maiores volumes de café armazenados nos diferentes portos”, afirma.
De acordo com as informações enviadas pela FNC, a logística interna do país é outro desafio que o produtor enfrenta diariamente, sobretudo com o frete terrestre para levar a mercadoria até os portos onde o problema fica ainda maior, já que o setor também sente no bolso a elevação dos custos.
“De acordo com as informações que temos de nossos clientes e aliados, o frete de Buenaventura e Cartagena para diferentes destinos no exterior, principalmente na Europa e ásia, aumentou entre 20% e 30%. No entanto, estamos cientes dos casos em que os custos de frete dobraram, como é o caso dos destinos para a América do Norte”, conclui.
CONILON NO VIETNÃ: CHUVAS PODEM ATRASAR COLHEITA E COMPROMETER QUALIDADE DO CAFÉ
Para a produção de café conilon o cenário também é de oferta justa. Enquanto no Brasil, o produtor de conilon sentiu menos os impactos climáticos e conquistou mercado no último ano, no Vietnã - maior produtor de café tipo conilon do mundo, os problemas logísticos e o excesso de chuva tiram o sono do produtor.
De acordo com informações do analista de mercado Fernando Maximiliano, da Stonex Brasil, o ciclo 21/22 está na reta final de enchimento dos grãos no Vietnã, com a colheita prevista para iniciar em novembro, mas as previsões mais recentes indicam a possibilidade de excesso de chuva na região justamente neste período, o que pode atrasar os trabalhos no campo e com risco potencial de afetar a qualidade do café.
"Até agora o clima tem sido favorável, em alguns momentos com excesso de chuva, mas o que chama atenção é que a previsão mostra que a estação chuvosa pode se estender até a colheita. Além disso, já sabemos que com a confirmação do La Niña uma das características do fenômeno é o volume de chuva mais expressivo na Ásia", comenta.
O Brasil ganhou espaço no mercado internacional no ano passado, quando se tornou mais competitivo e avançou nas exportações. Em contrapartida, o Vietnã pouco participou do mercado, diminuiu os embarques e quando o assunto é logística o país já estava em alerta ainda no mês de março, com o bloqueio do Canal de Suez impactando diretamente os embarques de café tipo conilon, já que se trata da principal rota marítima que liga Ásia e Europa.
Para os próximos meses, Fernando comenta que a tendência é da permanência dos volumes mais baixos nos embarques de café vietnamita, sobretudo pelo momento de entressafra que o país está entrando.
"É um cenário muito complexo, preocupante. Hoje o Vietnã é o país competitivo, mas está limitado pelos gargalos logísticos. Não esperamos que os embarques cresçam até o final do ano. Ano que vem podemos ter uma melhora com a entrada da nova safra, porém sem previsão de melhora, estamos no pico do problema", comenta o analista.
Sem conseguir realizar os embarques, o produtor vietnamita tenta introduzir o café no mercado interno, mas com o consumo limitado no país, a mercadoria acaba ficando parada. "Esse é outro ponto positivo do Brasil. O brasileiro faz a lição de casa da produção ao consumo. Os números do USDA mostram que apenas que o consumo no Vietnã representam apenas 10% da produção (de 30.8 milhões de sacas), e com isso o produtor vai ficando cada vez mais descapitalizado", finaliza Fernando.
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