Produtor de café migra parte da produção para grãos em busca maior rentabilidade

Publicado em 24/03/2021 15:08 e atualizado em 24/03/2021 16:08
Segundo analista, tendência é que cada vez mais produtores de grande porte busquem por essa alternativa

A produção de café no Brasil é histórica e anda lado a lado com o avanço da economia do país. Mais do que uma produção de café, a cultura tem como característica ser considerada um trabalho no campo que ultrapassa gerações. Nos últimos anos, no entanto, buscando por maior rentabilidade, produtores de médio e grande porte começaram a implementar a produção de grãos em áreas antes reconhecidas apenas como região do parque cafeeiro. Com o avanço dos preços para o mercado de grãos e a subida mais lenta do café, analista ouvido pelo Notícias Agrícolas destaca que a ação já é uma tendência de mercado.

José Carlos Grossi é produtor pioneiro na produção de café no Cerrado de Minas Gerais. Grossi chegou na cidade de Patrocínio/MG em 1973 e há 48 anos avança na cafeicultura, tornando-se ao longo dos anos um grande exportador de cafés especiais do Brasil.

Além do café, o produtor também é pioneiro na produção de grãos no Cerrado Mineiro. Com a oscilação dos preços da commodity e o retorno apenas no longo prazo, implementou na propriedade o cultivo de soja, milho, sorgo e até trigo. Segundo Grossi, o principal motivo para a decisão foi a facilidade de fazer mais de uma safra de grãos no período de um ano, enquanto no café, é possível fazer apenas uma produção, lidando ainda com a bienalidade da cultura do arábica e as adversidades climáticas, considerando que o café é mais sensível aos extremos climatológicos.

Outro ponto crucial para a tomada de decisão, é o comparativo de custo de produção entre os dois mercados. Segundo Grossi, atualmente, o produtor de café tem um custo entre R$ 15 e R$ 18 mil por hectare, enquanto na produção de grãos, os preços ficam entre R$ 3 e R$ 4 mil, considerando a produção de soja. Se tratando de sorgo, o valor cai ainda mais, ficando em R$ 2 mil por hectare.


Grossi é pioneiro na produção de cafés e grãos no Cerrado Mineiro
Foto: Alto Cafezal

Em relação à produção na região, Grossi destaca que principalmente o produtor de grande porte, que consegue mecanizar a produção de cereais, vem aderindo ao cultivo de grãos. "As pessoas estão fazendo contas. No café, os custos estão subindo muito e o café nem tanto. Nos últimos 30 dias, o preço em Nova York deu uma subida. Então, muita gente, por exemplo, acabou vendendo a preços mais baixos na safra do ano passado, então não aproveita essas altas que têm", comenta.

Fazendo a comparação entre as duas culturas, outro ponto que chamou atenção do produtor é que na produção de grãos utiliza-se uma menor infraestrutura, além dos encargos trabalhistas que também são mais elevados. "O café exige muita mão de obra e mão de obra é muito difícil de trabalhar com ela. Os encargos trabalhistas são muito grandes, além dos encargos ambientais que também são enormes. Tudo isso são coisas que acabam dando muito problema", comenta Grossi.

De acordo com o produtor, quando comparamos as máquinas e tecnologias disponíveis entre as culturas, o mercado de grãos também apresenta certa facilidade ao produtor. Na conta de Grossi, o cálculo mostra que um trator cafeeiro na adubação, por exemplo, é feito quatro ou cinco vezes no ano, enquanto nos cereais um trato grande agiliza o processo. "Um trator cafeeiro para cada 50 hectares, hoje com os tratores grandes para cereais o rendimento é muito grande. Um operador de máquina faz muita área, então você trabalha com menos gente. E tudo isso são custos que vão aumentando e você tem muito mais problema", acrescenta.

O cafeicultor comenta ainda que a ação tende a ser uma tendência na área do Cerrado Mineiro, principalmente para produtores de café em grande escala e que ainda assim mantém a prioridade na produção cafeeira. Pioneiro nos dois cultivos, Grossi orienta que o produtor esteja atento aos custos de produção, estar atento ao mercado e às oportunidades que surgem com a oscilação, mas sempre com cautela para não comprometer ainda mais a rentabilidade em períodos de baixa para os preços. 

VISÃO DO ANALISTA 

Para o analista de mercado Eduardo Carvalhaes, do Escritório Carvalhaes, a tendência é que cada vez mais produtores de café se interessem em outros tipos de produção, mas destaca que não acredita que isso signifique uma redução de café, levandod em consideração que o Brasil é o maior produtor e exportador de café do mundo. 

"O Grossi teve a coragem de ir para o Cerrado em uma época em que se dizia não ser possível o cultivo de café e ele provou que era. Com o mercado de grãos é a mesma coisa, estão olhando com muitos bons olhos para a produção de grãos, visando justamente mais rentabilidade", acrescenta. 

É uma tendência crescente para Eduardo, que avalia ainda que não acredita em uma redução na área cafeeira, mas que também não aposta em um avanço expressivo na área de produção de café do Brasil, como aconteceu nos últimos 20 anos. "Duvido muito que a produção suba na velocidade como subiu nos últimos 20 anos, hoje o Brasil tem concorrência, nos anos 80 ou você produzia café ou produzia café. Naquela época o Brasil era importador de soja", comenta. 

Voltando ainda mais na história, Eduardo relembra que nos anos 60, 50% da receita cambial do Brasil era proviniente do café. E atualmente, mesmo batendo recorde de produção e exportação, o café fica atrás da soja, carne, açúcar e mandeira. "O sentimento que a gente tem é que os produtores consideram que não é mais um bom negócio ficar só em café. Acho que é uma tendência, o clima está cada vez mais incerto, a tendência é de continuar uma demanda alta de soja e os riscos começam a diminuir porque são duas sacas no ano. O café, se você tem uma seca, é uma só ano", pondera. 

Comenta ainda o avanço da produção de trigo no cerrado, que deve ter como tendência um aumento significado na região. Falando em preços, Eduardo destaca que os preços não podem ficar abaixo do negociado neste momento na Nova York, considerando a quebra expressiva para o Brasil. "Abaixo disso não remunera o produtor. Todo mundo tiver terra plana e colheita mecanizada, pode ir para o grão", acrescenta. O que vai definir tudo isso, no longo prazo, vai ser a rentabilidade do café daqui pra frente", acrescenta. 

Destaca mais uma vez que a qualidade do café brasileiro é expecional, o que deveria ser um indicativo importante para avanço dos preços. "Se pagarem bem, nós vamos passar os 40% de abastecimento mundial de café. Acho que o café deveria valer mais, pelo menos 1,5 dólar por libra-peso. Eu acho que só vai mudar quando começar acabar café e não acho que já estamos nesse ponto", finaliza.  

DADOS HISTÓRICOS 

Segundo dados coletados no site Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), a produção de soja no Cerrado Mineiro ultrapassou o café na safra 2013/14.Nos anos 2000, os dados indicam que a produção de café era 64,49% acima da produção de soja em Minas Gerais.

As duas culturas avançaram juntas no estado, e a partir de 2013, o avanço da soja aconteceu de forma gradativa, com 2,97% acima da produção de café. Mas, na safra de 2014/15 a área cafeeira parou de subir, enquanto a área de soja teve um avanço de 54,86%.

Confira o gráfico abaixo: 

PRODUÇÃO BRASILEIRA DE CAFÉ NOS ÚLTIMOS 20 ANOS


Fonte: Cecafé/CONAB

Os números do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé) comprovam o quanto a cafeicultura brasileira avançou nos últimos anos, mostrando inclusive incremento nos anos de ciclo baixo para o café arábica.

Na safra 00/01 o Brasil produziu 31,100 milhões de sacas de 60kg, considerando a produção de café conilon e café arábica. No ano passado, por exemplo, segundo os números da Conab, a produção brasileira bateu recorde com 63,078 milhões de sacas, ou seja, um avanço de 102,82%.  

Os anos de ciclo baixo para o café também chamam atenção. Na safra 01/02 a produção foi de 28,137 milhões de sacas, contra 49,309 milhões na safra 19/20, incremento de 75,25% na produção brasileira.

A safra 21, até o momento, é estimada entre 43,8 milhões e 49,5 milhões de sacas, indicando uma redução entre 30,5% e 21,4% em comparação com a safra passada.

A queda no café arábica foi mais expressiva, considerando o ano de bienalidade da cultura e a intensa seca e altas temperaturas que atingiram as principais áreas produtoras do país durante o período de florada, no ano passado. Com isso, a Conab estima uma redução entre 32 e 39% para a cultura.

Já para o café conilon, o cenário é mais confortável com indicativo de aumento na produção. Calcula-se uma produção recorde para a espécie conilon, se atingir o limite superior de 16,6 milhões de sacas de café beneficiado, com um incremento de 16% em relação a 2020. Pelo limite inferior, a previsão é de pouco mais de 14 milhões de sacas.

O levantamento destacou ainda que, por outro lado, ao contrário da área em produção que é a menor dos últimos 20 anos, a área em formação é a maior desse período, reflexo da grave seca que assolou os cafezais e induziram os produtores a aproveitar o ano de bienalidade negativa e destinar uma maior área para realizar tratos culturais nos cafezais. A área de produção indicada é de 1,76 milhão de hectares, com uma redução de 6,8% frente a 2020.

- Minas Gerais, estado com a maior produção nacional, deve alcançar entre 19,8 milhões e 22,1 milhões de sacas.

- São Paulo reduz a produção e alcança entre 4 milhões e 4,2 milhões de sacas;

- Bahia há perspectiva de aumento de até 4,3%, situando-se entre 4 milhões e 4,1 milhões de sacas;

- Rondônia também há probabilidade de aumento e deve alcançar entre 2,3 milhões e 2,4 milhões de sacas;

- Paraná, da mesma forma, pode ter aumento, variando entre 906 mil e 943 mil sacas

- Rio de Janeiro segue o movimento de queda na produção e deve situar entre 270 mil e 281 mil sacas;

- Goiás também há previsão de baixa, situada entre 222 mil e 231 mil sacas;

-  Mato Grosso, com previsão de aumento, situando entre 194 mil e 200 mil sacas.

*Colaborou Jhonatas Simião

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Por: Virgínia Alves
Fonte: Notícias Agrícolas

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