Café: Brasil ainda exporta mais matéria-prima do que produto com valor agregado apesar de ser maior produtor mundial
Apesar de ser o maior produtor e exportador de café do mundo, o Brasil ainda está engatinhando no processo de agregar valor ao grão antes de ser exportado. Alguns especialistas do mercado, inclusive, não acreditam que o país tenha forças para reverter esse quadro pelo menos no médio prazo. Em 2016, apenas 10% das mais de 34 milhões de sacas de 60 kg de café exportadas pelo país tiveram alguma forma de processamento antes de serem embarcadas.
A Alemanha tem produção zero de café, mas foi em 2016 a segunda maior compradora do grão brasileiro atrás dos Estados Unidos, e é uma tradicional "reexportadora" do produto processado, com valor agregado. O país europeu fabrica cerca de 40 mil toneladas (670 mil sacas) ao ano de café solúvel e chega a comprar mais produto já processado a granel de outros países e até mesmo do Brasil. A Alemanha exporta mais de 65 mil toneladas (1,08 milhão de sacas) do produto anualmente, isso sem contar o café torrado e moído.
O Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), vinculado ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, já fez pesquisas para tentar entender essa característica de exportação do Brasil com café e encontrar alternativas para melhorar a comercialização do grão no país. No entanto, soluções estão descartadas pelo menos no médio prazo.
"A capacidade para acessar mercados já ocupados por países desenvolvidos exige fôlego, muito investimento e inteligência. É uma coisa que leva bastante tempo e não é nada garantido. Os tradicionais países exportadores de produtos com valor agregado também se defenderão ao sentirem-se ameaçados. Eles já têm canais de distribuição e fornecedores bem estabelecidos", disse o técnico de planejamento e pesquisa do Ipea, Rogério Freitas.
Freitas pondera que o Brasil já exporta alguns produtos com processamento interno, com valor agregado. Dentre eles, açúcar refinado e suco de laranja. "O Brasil é um tradicional exportador, mas compete com países importantes e com potencias agrícolas em geral", reitera.
No complexo café, o solúvel tem se destacado na pauta de exportação nos últimos anos, mas ainda assim com volume muito baixo se comparado com o total exportado. Em 2016, o Brasil embarcou 34 milhões de sacas com receita de US$ 5,40 bilhões/FOB (30,15 milhões de café verde), de acordo com dados do Cecafé (Conselho dos Exportadores de Café do Brasil), e o produto industrializado representou cerca de 10% disso (3,83 milhões de sacas). Ainda assim, é o 12º produto com maior receita na pauta com R$ 615,99 milhões. Nesse montante total dos cafés verdes também entram os cafés especiais.
"No ano passado, o Brasil exportou volume recorde de café solúvel, quase 4 milhões de sacas, mesmo com problemas na safra. O país se especializou em comercializar o produto a granel para outras origens que o processam e revendem. Apenas cerca de 10% do café solúvel exportado pelo Brasil foi vendido com marca", explica o diretor de Relações Institucionais da ABICS (Associação Brasileira de café solúvel), Aguinaldo José de Lima.
O consumo de café solúvel no mundo cresce cerca de 3% ao ano, mais do que o de torrado. As principais indústrias de solúvel do Brasil tem capital estrangeiro.
"Hoje existem grandes conglomerados no mundo que compram café do Brasil e reexportam. A indústria de torrefação é muito forte e nós somos um importante fornecedor de mercadoria. O mundo precisa do café brasileiro e já temos também alguns cafés com valor agregado", pondera Lima.
O presidente do Cecafé (Conselho dos Exportadores de Café do Brasil), Nelson Carvalhaes, reforça a existência de empresas no mundo que já ocupam importante market share e defende a condição do Brasil. "Hoje existem grandes conglomerados no mundo que compram café do Brasil e reexportam. A indústria de torrefação é muito forte e nós somos um importante fornecedor de mercadoria. O mundo precisa do café brasileiro e já temos também alguns cafés com valor agregado", afirma.
Especialista em agregar valor
A Colômbia, terceira maior produtora de café do mundo e segunda de arábica, está bem à frente do Brasil quando o assunto é agregar valor ao café. O país tem investido muito em marketing desde a década de 1950, inclusive com a criação de Juan Valdez, um personagem que representaria centenas de milhares de cafeicultores colombianos. Essa e outras estratégias fez com que o mundo pagasse mais pela marca.
"O Brasil tem a maior produção mundial de café, mas o brasileiro acha que bom mesmo é o café da Itália, que não produz quase nada", disse em entrevista ao Portal UOL o barista Emílio Rodrigues, proprietário da Casa do Barista, no Rio de Janeiro.