Pecuária de corte na Bolívia e Colômbia tem se tecnificado, mas ainda carece investimento para melhorias em sistema de produção

Publicado em 12/08/2024 07:00 e atualizado em 12/08/2024 09:14
Para especialistas, adoção de biotecnologia em grãos, sanidade, e constância na produção ainda são gargalos para crescimento no atendimento de mercados externos

Quando se fala em carne bovina, o Brasil segue com ampla vantagem na produção, exportação e competitividade da proteína, sendo o segundo maior produtor, atrás somente dos Estados Unidos, e o líder global nas exportações. Entretanto, outros países vêm correndo por fora neste páreo para conseguir sua fatia neste mercado promissor.

Informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) dão conta de que o abate de bovinos no Brasil em 2023 e chegou a 34,06 milhões de cabeças, um aumento de 13,7% em relação a 2022, o segundo maior resultado da série história da pesquisa, atrás apenas do registrado em 2013. A produção de 8,95 milhões de toneladas de carcaças foi recorde, acompanhando também o recorde de exportação de carne bovina brasileira in natura, que chegou em 2,01 milhões de toneladas em 2023.

Fatores econômicos, pandemia, crises sanitárias (Peste Suína Africana na China) têm contribuído para o redesenho do mercado global de proteínas animais, que vem se acentuando e ganhando novos contornos, seja no consumo, ou na produção e exportação. 

Um artigo publicado na Revista Política Agrícola, da Embrapa, do segundo trimestre de 2021, aponta uma mudança na concentração na produção de carne bovina, trazendo à luz países antes considerados irrelevantes para o setor, como a Colômbia, por exemplo. Outro deles, citado pelo sócio e consultor da Boviplan, André Aguiar, é a Bolívia. 

“O aumento da produção (destes demais países ‘de fora do radar’) recebeu forte contribuição dos ganhos de produtividade decorrentes de boas práticas de gerenciamento, de processos de produção otimizados e de novas tecnologias, enquanto a desconcentração também foi influenciada pelas dificuldades observadas na China e por políticas adotadas em países como Turquia e Rússia, que estabeleceram o abastecimento de carnes como questão estratégica”, aponta o artigo.

Segundo explica Aguiar, os dois países (Colômbia e Bolívia) querem melhorar a disponibilidade interna de carnes e também incrementar as exportações, melhorando também a qualidade da carne.Os países que buscam o produto colombiano para importar, buscam carne de alta qualidade, e em relação à Bolívia, os importadores estão em busca de cortes específicos para nichos.

“O mercado de carne mundial é muito grande, e a quantidade e o que estes mercados poderiam afetar a exportação brasileira, não vejo como um perigo. Vejo muito mais como novos mercados. Eles já têm a avicultura e suinocultura muito desenvolvidas, e os grandes já buscam a pecuária de corte já com gestão e precisão”, disse Aguiar.

O ponto trazido por Aguiar converge com o de Icce Garbellini, consultora na área de pecuária internacional, que pontua que Colômbia e Bolívia estão buscando qualidade semelhante do Brasil. “Eles têm zonas tropicais semelhantes à áreas do Brasil, e compreendem que a genética zebuína e as nossas tecnologias podem ser aplicadas nestes países. A Bolívia tem muito mais nelores, e a Colômbia apesar de ter mais tradição no brahman, tem inserido o nelore ta,bém”, afirmou. 

A especialista conta também que o Brasil, há algumas décadas, já auxilia alguns países através das genéticas e tecnologias nacionais. “Agora estamos começando a ver essa melhoria de um rebanho destes países se efetivar. A Bolívia já tem autorização para que algumas plantas exportam para países asiáticos, a Colômbia também já faz exportações para mercados que também são atendidos pelo Brasil. Entretanto, ainda há entraves em relação a volume, constância e em questão de sanidade para exportar para alguns países específicos”, afirmou Icce.

A consultora reitera que, para colombianos e bolivianos, ainda difícil investir em confinamento, para além do que se vê no Brasil. Existe a dificuldade de produzir o alimento para a produção do alimento, oscilações de mercado. 

“Precisam seguir incrementando a produtividade com constância, porque um comprador quer ter constância, eles precisam ter a condição de entregar a condição de qualidade, volume e preço”, encerrou Icce.

Para o  médico veterinário e diretor da HN Agro, Hyberville Neto, em geral, o gado está sendo vendido na Colômbia ainda bastante ‘erado’, não é um gado que está sendo produzido, de forma geral, com muita tecnificação. 

“Os sistemas mais tecnificados são mais pontuais. Não é um sistema de produção que em curto prazo possa incomodar o Brasil. A carne deles fica, principalmente, no mercado interno, porque paga melhor do que as exportações. As exportações pagam menos do que o próprio mercado interno. Em relação à negociação, o varejo compra este gado direto dos pecuaristas e terceiriza em pequenos abatedouros, no geral, com algumas exceções. Em relação ao potencial para incomodar o Brasil, não está no radar”, disse Neto. 
 

NÚMEROS FALAM

Colocando na ponta do lápis, percentualmente, o rebanho colombiano cresceu mais do que o boliviano entre 2016 a 2023. Neste período, o número de cabeças de gado na Colômbia cresceu 28,12%, saindo de 22.689.420 animais  em 2016, para 29.071.892 em 2023, conforme dados do Instituto Colombiano Agropecuario (ICA). Já na Bolívia, segundo informações do Instituto Nacional de Estadisticas (INE), o crescimento entre 2016 a 2023 foi de 18,74%, com 976.224 cabeças registradas em 2016 para 1.159.211 em 2023. (CONFIRA AS TABELAS ABAIXO)

De acordo com informações da Agência Boliviana de Informação, veículo de comunicação estatal, a Bolívia alcançou uma produção histórica de carne bovina em 2023 com 244.019 toneladas, das quais exportou 28.178 toneladas, revela o relatório Estatísticas de Mortalidade de Bovinos 2022-2023 do Instituto Nacional de Estatística (INE).

O valor superou os indicadores alcançados nos últimos sete anos anteriores, sendo os maiores em 2022 (230.090 toneladas) e 2018 (218.932 toneladas). Em 2023 foram abatidas 1.159.211 cabeças de gado, superando também os recordes de 2022 de 1.086.917 e de 2018, que atingiu 1.061.990.

Número de cabeças bovinas e produção de carne - Instituto Nacional de Estatística (INE) da Bolívia
Produção de carne bovina bolívia - Instituto Nacional de Estatística (INE) da Bolívia

No caso da Colômbia, no ano de 2023, as exportações de carnes e miudezas tiveram uma queda em relação a 2022 de -32,6% em toneladas (passaram de 43.419 para 29.273 t) e -40,3% em valor FOB (passaram de US$ 192,4 milhões para US$ 114,8 milhões). 

A lista de destinos da carne bovina colombiana em 2023 se manteve semelhante à dos anos anteriores. Somente em cortes de carne, 12.729 toneladas por US$ 48,4 milhões (45,8%) chegaram à Rússia, seguido pelo Chile com 4.198 toneladas por US$ 21,5 milhões (20,4%), Egito com 2.803 toneladas por US$ 9,6 milhões (9,1%), Líbano com 1.626 toneladas por US$ 8,6 milhões (8,2%) e a Líbia fecha o top cinco com 1.104 toneladas por pouco mais de US$ 4 milhões (3,8%).

Em entrevista ao site CONtexto Ganadero, da Colômbia, Óscar Cubillos Pedraza, chefe do Gabinete de Planeamento e Estudos Económicos de Fedegan (Federação Colombiana de Pecuaristas, na sigla em português), explica a queda das exportações do país, citando motivos como a queda dos preços internacionais contribuiu para esta diferença, bem como a perda de competitividade, além do fechamento da Minerva entre agosto e setembro, que opera duas plantas de processamento na Colômbia e representa mais de 90% das exportações de carne na Colômbia. 

Número de cabeças bovinas - Federación Colombiana de Ganaderos (Fedegan)
Exportações de carne bovina pela Colômbia - Federación Colombiana de Ganaderos (Fedegan)

CENÁRIO NA BOLÍVIA POR QUEM VIVE O SETOR

Martin Gutierrez, empresário pecuária, terminação, criação, confinamento e da produção animal com empreendimento na Bolívia, afirma que o setor no país, de fato, olha o Brasil como referência quando se fala em pecuária. 

“Sabemos que o Brasil está muito mais à frente da Bolívia na pecuária e usamos como a maior referência, mais do que a Argentina, porque a pecuária aqui é mais parecida com o Brasil, com nelore mocho. Nos últimos anos, a pecuária está melhorando, principalmente as empresas privadas e associações, que buscam fazer palestras e atividades para melhorar”, disse Gutierrez. 

Do ponto de vista sanitário, conforme detalha Gutierrez, o Brasil vem sendo parceiro da Bolívia principalmente quando se fala na vacinação contra a febre aftosa, além da genética nelore, que foi doada pelo Brasil há cerca de 12 anos. 

O empresário destaca que a questão econômica é um entrave para investimento em sistemas de confinamento para a terminação, que seria uma boa estratégia para agregar valor. Ele explica que a terminação é um momento de alto custo, atualmente intensificado pelo fator cambial. “Agora, o custo diário de ração é uma média de US$ 1,50 por animal. Antes tínhamos entre 5% a 8% de lucro sobre o animal, agora está muito complicado, porque está tendo um grande problema por causa do dólar. Os pecuaristas estão tendo prejuízos, então estão tendo que fazer um manejo mais econômico”, afirmou.

“A Bolívia, com seus recursos econômicos, não tem muito a possibilidade de terminar em confinamento, porque apesar de ser uma boa estratégia, é muito caro. De uns dez anos para cá, nos últimos 5 anos, a terminação em confinamento não chega a representar 25% do total do gado criado no país”, disse Gutierrez.

Segundo o pecuarista boliviano, um dos pontos que minam a competitividade dos produtores do país é que, “até 2023 havia um sistema de negociação no qual que animais e a carne se negociavam em dólar, assim como o gado de reposição. Agora, reposição é vendida em dólar e a carne é vendida em boliviano (moeda local). Não se pode falar em pecuária boliviana porque é toda uma confusão com uma questão de governo”. 

Em relação às exportações da carne bovina boliviana, Gutierrez explica que o governo do país maneja as cotas de exportação, alegando a limitação de uma cota de até 12% do que é produzido localmente para garantir a soberania alimentar nacional, indo para destinos como Turquia (ainda incipiente), Peru, Chile e China (o maior comprador. “O restante é comercializado no mercado local, com preços baixos porque tem sobreoferta. A China é o maior cliente e gosta muito da carne boliviana, mas não temos capacidade de abastecer”.

Para Gutierrez, para haver mais avanços e competitividade na bovinocultura de corte, um dos pontos de partida é a liberação por parte do governo do uso de biotecnologia no cultivo de grãos para aumentar a oferta e melhorar os custos de produção. “E enquanto não houver liberação, não será competitivo, gasta muito e produz menos grãos”, finalizou. 

MAIS DE 40% DO GADO NA COLÔMBIA TEM ‘DUPLO PROPÓSITO’

Em solo colombiano, em torno de 43% do gado tem ‘duplo propósito’, ou seja, é criado com um futuro destinado tanto para abate e consumo da carne ou para o fornecimento de leite. As informações são da médica veterinária colombiana Diana Cifuentes Sanchez, que hoje atua no Brasil. 

“De forma geral, a produção de gado de corte na Colômbia era extensiva quase que na sua totalidade, e de um tempo para cá, estão tentando se tecnificar, se espelhando nos sistemas de produção brasileiros. Estão migrando as produções para serem sustentáveis, regenerativas. Tem a Federación Colombiana de Ganaderos (Fedegan), e eles fizeram um circuito pecuarista, vieram aqui no Brasil entre abril e maio e visitaram vários estados produtivos para acompanhar gado de corte, leite e bubalinos. Eles estão se aperfeiçoando com biotecnologia, melhorando a reprodução, melhorando a parte agrícola para incrementar a produção”, afirmou Diana.

A médica veterinária explica que, dos 32 estados na Colômbia, a criação de gado de corte se concentra no nordeste (em Córdoba e Antioquia), mas que há outros estados que estão ganhando participação, atualmente somando no país um rebanho de mais de 29 milhões de animais.  

“Se a gente for comparar com o Brasil, a diferença é absurda, temos 235 milhões de cabeças. Na Colômbia, o gado de corte, da totalidade do rebanho, 49% é destinado somente para corte, enquanto 43% tem dupla aptidão, que são cruzamentos que produzem leite e também carne, mas não são tão produtivos quanto gado que é destinado apenas para produção leiteira. Temos 8% do gado nacional que é gado propriamente de leite”, explicou. 

Diana ainda contextualiza que a maioria dos animais na Colômbia é criado a pasto, e que o confinamento ainda é muito incipiente. A negociação dos animais, todos os frigoríficos passaram por uma regulamentação há 15 anos, e muitos fecharam porque não cumpriam recomendações, e os que ficaram são os certificados. Para carnes processadas, o abate somente pode ser feito naqueles frigoríficos. 

“Hoje, quem está à frente do mercado é a Minerva Foods, em Santander, Bucaramanga. Eles têm agentes de compra de animais espalhados nos estados produtores. Nós estamos longe do potencial de exportação do Brasil. Ainda falta a conscientização dos produtores de corte, que são pequenos e médios produtores, e precisam modificar os sistemas de produção, sem ser somente extrativo, extensivo e pronto. Precisa de tecnificação, adquirir conhecimento”. Diana continua, citando ainda o fator econômico, como a necessidade de incentivo econômico para que os produtores consigam fazer modificação de pastagens, rebanho.

Por: Letícia Guimarães
Fonte: Notícias Agrícolas

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