Itaú BBA: Dimensão dos impactos da vaca louca no mercado será determinada pela duração do embargo, o que é incerto e depende dos chineses
Com a confirmação pela Agência de Defesa Agropecuária do Pará (Adepará) de um caso de mal da vaca louca em uma propriedade em Marabá, a decisão do Ministério da Agricultura na 4a feira (22/fev) foi a suspensão das exportações de carne bovina à China a partir de 23/fev. Um acordo bilateral assinado entre Brasil e China em 2015 determina a necessidade de um “autoembargo” em caso de ocorrência desta natureza. O país também notificou ocaso à Organização Internacional de Saúde Animal (OIE).
Importante lembrar que o Brasil já teve ocorrências de vaca louca atípica em outras ocasiões, sendo as últimas duas em 2019 e 2021. A vaca louca atípica é um processo degenerativo cerebral que ocorre de forma espontânea em animais velhos, o que é bem menos preocupante que o tipo clássico, que o Brasil nunca teve e que tem relação com a ingestão de farinha de carne e ossos contaminados. O consumo da carne e derivados do animal contaminado na forma clássica pode levar ao desenvolvimento da doença de Creutzfeldt-Jakob (DCJ). O Brasil aguarda o resultado do exame em laboratório no Canadá que indicará se a ocorrência é atípica ou clássica. Pelas características do caso, em que o animal identificado se alimentava de capim e tinha nove anos, acredita-se ser atípico. Se assim for, o país não perderá o status de risco insignificante.
Em 2019 foram poucos dias de bloqueio, mas em 2021 foram mais de três meses, com graves prejuízos principalmente aos confinadores que tinham gado na engorda intensiva e amargaram resultados muito ruins pois o animal no confinamento não volta ao pasto, nem pode esperar a melhora do mercado para ser comercializado.
Os frigoríficos também foram impactados, com a intensidade sendo maior para aqueles com o mix de vendas mais concentrado na China. Entretanto, mesmo os que não eram expostos diretamente foram afetados pela queda de preço da carne nos outros mercados.
Para os players voltados ao mercado doméstico, o caso de 2021 mostrou uma melhora das margens (set e out/21) ancoradas em uma queda maior do preço do boi em relação à carne, o que elevou o spread momentâneo.
Implicações de curto prazo
- Sendo a China responsável por cerca de 60% das exportações de carne bovina in natura, o mercado futuro do boi gordo já sentiu, desde quarta, forte pressão negativa. É de se esperar que, enquanto a exportação não for reestabelecida, a curva futura siga enfraquecida.
- O mercado físico do boi também tende a sentir o menor apetite de compras dos frigoríficos.
- No caso da carne no varejo, o impacto deve ser menor que no boi, a menos que a reabertura seja demorada como em 2021, lembrando que nos próximos meses a oferta geralmente é maior.
Questões que podem minimizar o impacto
- Diferentemente do episódio de 2021, em que a demora na reabertura pode ter tido relação com o atraso na notificação, desta vez, a celeridade nos processos de identificação, notificação à OIE e aos chineses, junto do autoembargo pode ajudar no reestabelecimento.
- Sob a ótica dos produtores, o período do ano, de boa disponibilidade de pastos, permite o produtor segurar animais na propriedade durante algum tempo até que a China reabra ou haja a necessidade de caixa, o que obviamente não é o caso dos confinamentos que rodam o ano todo e terão que desovar os animais.
- A China poderá originar carne em outros países no curto prazo, mas é difícil substituir o Brasil num horizonte mais dilatado, sobretudo com a economia gradualmente reabrindo após os impactos da Covid-19 e com melhor perspectiva para o PIB. O USDA estima a importação chinesa de carne bovina em 2023 em 3,5 milhões de toneladas, o que, caso se confirme, será um novo recorde.
- Mesmo os EUA, maior produtor mundial e também importador brasileiro, a previsão é de queda de 6,5% da produção neste ano, o que equivale a 842 mil toneladas a menos. Os preços já estão bastante elevados por lá, de modo que, sob a ótica econômica, embargar o Brasil teria efeito inflacionário ainda maior.
Pontos de atenção
- Frigoríficos que têm maior exposição à China, sobretudo os de pequeno ou médio porte, devem ser cuidadosos na preservação da liquidez dada a incerteza do tempo até a reabertura.
- No caso daqueles voltados ao mercado interno, a situação pode até ficar mais favorável no curto prazo caso o boi caia e a carne se sustente. É importante estar ciente de que estamos atravessando um período de aumento estrutural da oferta de animais após anos de retenção de fêmeas.
- Produtores de gado de pasto que terão animais terminados no curto prazo e que não haviam fixado os preços de comercialização devem avaliar a possibilidade de segurar os animais nas propriedades, já que o custo é menor e o animal tende a seguir ganhando peso com os pastos em boa condição.
- Para os confinadores, a preocupação maior concentra-se nos casos que apresentam animais já em terminação sem a devida proteção de preços. Para os giros subsequentes, é importante considerar a fixação das relações de troca (fixar preços do boi gordo na aquisição da reposição) para minimizar tais riscos.