Produtores gaúchos serão beneficiados com o status de zona livre de aftosa sem vacinação

Publicado em 27/05/2021 09:10
Parte das 800 cabeças de gado Angus da Estância Santa Eulália

A Estância Santa Eulália, localizada na zona rural de Pelotas, impressiona pelos 2.500 hectares de terras e pela opulência do casarão principal. Construído em 1888, em estilo colonial espanhol, ele abriga, desde 1919, a família do produtor Joaquim Francisco Bordagorry Assumpção Mello. Hoje, ele, a esposa e uma filha vivem no local. A grandiosidade da propriedade e o nome tradicional, porém, contrastam com a simplicidade do engenheiro agrônomo. Ele e demais produtores rurais do Rio Grande do Sul devem ser beneficiados pela conquista do certificado de estado reconhecido internacionalmente como zona livre de febre aftosa sem vacinação, concedido pela Organização Mundial da Saúde Animal (OIE), nesta quinta-feira (27), em Paris. A secretária da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural, Silvana Covatti, vai acompanhar a cerimônia virtual em Brasília, junto com a ministra da Agricultura, Tereza Cristina.

Mello convive com criação de gado desde que nasceu. O negócio de família teve origem em terras uruguaias, lá pelos idos de 1800, com o avô materno, que importou gado da rainha da Inglaterra. “Hoje temos 800 cabeças de gado Angus, além de 120 cavalos crioulos. Mas o número do gado varia conforme a época, uma vez que trabalhamos com integração lavoura/pecuária. Plantamos soja e arroz também”, explica.

O pecuarista, que já foi presidente da Associação Brasileira de Angus e diretor do programa Carne Angus (o maior programa de certificação de carnes no Brasil), assumiu a Santa Eulália quando era recém-formado, no início da década de 1970. “Comecei plantando soja e arroz e melhorando o solo para adquirir animais de qualidade. Na década de 1980, introduzi a raça Angus. Busquei e escolhi vaca por vaca. Foi um longo caminho, mas consegui manter a tradição de sucesso da família”, diz com orgulho. E, segundo ele, a sucessão familiar está garantida, pois os quatro filhos já atuam na propriedade e em mais duas, uma em Tapes e outra em Pedras Altas, todas integradas.

Mas Mello também presenciou a febre aftosa na década de 1970. “O gado sofria muito. As patas inchavam, e as vacas não conseguiam se manter em pé. Perdiam peso, ficavam abatidas, tinham bicheiras. O recurso na época era laçar e curar. Perdi cerca de 15% do gado. Depois vieram as vacinas, muito importantes”, relembra.

Agora, conforme o produtor, que exporta cerca de 70% de carne para a China, com o status de zona livre de aftosa sem vacinação, o Estado terá a chance de expandir mercados, buscar uma remuneração mais cara. “Vamos atingir mercados como Japão e Coreia do Sul, que remuneram melhor os produtores. O Rio Grande do Sul possui clima que permite produzir carne de alto valor agregado”, acredita.

Outro que viu de perto os estragos da febre aftosa no Rio Grande do Sul foi o auxiliar de Serviços Rurais aposentado da SEAPDR, Adail Novo Fernandes. Morador do município de Cerrito, uma das funções que exerceu foi de vacinador de gado. “Na década de1980, a gente andava com um balde de alumínio para levar as vacinas. A pé ou a cavalo em alguns locais. Eu saía às 4h e voltava à tardinha”, conta. Conforme ele, alguns proprietários não queriam vacinar seu gado, pois havia perda de peso, febre e diminuição de leite como reações.

“Depois, na década dos anos 2000, vi casos da febre em Rio Grande e em Joia. O gado berrava de dor. E era triste quando tinha que ser abatido a tiros. “O pessoal era apegado aos bichos. As crianças gritavam: minha vaquinha não. Uma vez um gurizinho, em Ijuí, de tão assustado pelas histórias de abate que escutava, achou que iam levar sua vaca e saiu chorando e gritando: vão levar minha vaquinha pra matar. Mas essa não abateram”, recorda Fernandes. Ele diz que “o pessoal (produtores) tá gostando que não vai mais ter vacina, porque vão poder exportar carne”.

Para a diretora do Departamento de Defesa Agropecuária da SEAPDR, Rosane Collares, a certificação consolida um trabalho de 20 anos da secretaria, realizado por médicos veterinários, auxiliares rurais, técnicos agrícolas, diretores, administrativos e demais colaboradores que vieram, ao longo desse tempo, trabalhando em prol da sanidade animal no Rio Grande do Sul. Conforme ela, a decisão da retirada de vacina é reconhecidamente uma decisão do Estado, porque foi construída com todos os entes da cadeia do agronegócio: entidades representativas de produtores rurais, da indústria e também serviço veterinário oficial da SEAPDR e do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa/RS).

“Ficamos muito satisfeitos com esse reconhecimento e, com certeza, os produtores rurais terão grandes benefícios a partir do momento em que poderão ampliar seus negócios com outros países e até mesmo com outros produtos que hoje não são exportados”, comemora Rosane. “A nossa expectativa é a melhor possível; estamos felizes e orgulhosos de tudo que o povo gaúcho conquistou e vai conquistar agora como área livre de aftosa sem vacinação reconhecida internacionalmente”.

O que pensam as entidades do setor produtivo

Segundo o presidente da Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul), Gedeão Pereira, o Estado livre de aftosa sem vacinação é um avanço muito forte no status sanitário, o que leva o Rio Grande do Sul a uma situação ímpar na América do Sul. “Estamos em uma localização geográfica bastante privilegiada, juntamente com Paraná e Santa Catarina- que já é livre de vacinação há mais de 18 anos – e não temos mais atividade viral. Mas isso também nos traz uma grande preocupação, que é a responsabilidade de fiscalização, por parte do produtor e pelo ente público. Estamos protegidos pelo Oceano Atlântico por um lado e, por outro, pelos estados de São Paulo e Mato Grosso, além de países como Paraguai, Uruguai e Argentina, que seguem vacinando. Isso nos traz uma certa segurança, porque é uma região que não tem atividade viral. Mas temos que ter vigilância muito forte no trânsito de animais e nos portos e aeroportos, por exemplo”.

Ele salienta que a vigilância, de grande responsabilidade do produtor rural, só será eficiente se houver um fundo vigoroso para indenização de qualquer eventualidade que possa ocorrer em caso de foco de febre aftosa. “Por isso estamos trabalhando fortemente o Fundesa, que tem a agilidade que o estado brasileiro não tem, para acudir o produtor”.

Na opinião de Pereira, em relação às vantagens, no curto prazo, a área mais beneficiada será a suinocultura. “Porque hoje o grande mercado é a China, e ela ainda não importa do Brasil carne suína com ossos, nem vísceras. Temos a possibilidade também, a médio prazo, de atingir mercados como Japão e outros países da Ásia”,  espera.

O presidente do Fundo de Desenvolvimento e Defesa Sanitária (Fundesa), Rogério Kerber, por sua vez, pensa que o certificado coloca o Rio Grande do Sul, junto com Paraná, Acre, Rondônia e alguns municípios do Mato Grosso e do Amazonas, em uma condição diferenciada. As produções desses estados passam a ser avaliadas de forma diferente para os mercados mais desenvolvidos que exigem esse status. “Como por exemplo, centros consumidores aos quais os estados brasileiros ainda não têm acesso como Chile, Japão, Coreia do Sul, Filipinas, União Europeia, Estados Unidos, Canadá e México. Temos acesso parcial à China, que é o maior destino de carne bovina e suína”.

No setor de suínos, comenta Kerber, há uma estimativa de que o Rio Grande do Sul deixa de exportar para a China, cerca de 4 mil toneladas por mês, tanto de carne com osso, quanto de miúdos, deixando de faturar U$ 14 milhões aproximadamente.

Porém, ele é cauteloso ao afirmar que o aumento de preço pago ao produtor, o acesso a esses mercados se dará de forma paulatina. “Não será de uma hora para outra. Só a cadeia da suinocultura do Rio Grande do Sul é que tem mais possibilidade de começar a fazer negócios imediatamente”.

Já para o presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Rio Grande do Sul (Fetag-RS), Carlos Joel da Silva, o novo status, para a pecuária familiar, é muito importante, pois vai igualar o RS aos estados do Paraná e Santa Catarina. “Não vamos mais ficar isolados. E o grande benefício é que vamos conseguir acessar alguns mercados novos, que podemos agregar valor ao produto”, acredita.

“A nossa expectativa é que a gente consiga exportar mais. Mas claro que teremos uma responsabilidade muito grande como produtor e como poder público de tomarmos os cuidados necessários para não corrermos o risco de o Estado voltar a ter focos de febre aftosa, uma vez que estaremos mais expostos sem a vacinação”, conclui.

A Federação Brasileira das Associações de Criadores de Animais de Raça (Febrac) saúda este “importante passo que o RS dá”, segundo o presidente Leonardo Lamachia. “Quando a Febrac deliberou em assembleia geral por ampla maioria apoiar essa iniciativa, eu afirmei e reafirmo que se trata seguramente da decisão mais importante da agropecuária gaúcha nos últimos 30 anos. E digo também que o binômio que pode representar esse passo é o da oportunidade e da responsabilidade. Por um lado, temos a certeza de que novos e importantes mercados irão se abrir, fruto do trabalho competente, dedicado e de alta qualidade do produtor rural, do pecuarista gaúcho. A pecuária do RS se destaca pela qualidade da carne que é produzida a partir das raças britânicas, pela forma de produção. Seguramente os mercados que se abrirão na Europa e no Japão irão demandar uma carne de qualidade, premium, e o RS tem para oferecer esta carne”.

Lamachia destaca a decisão do governo argentino que acredita favorecer o Rio Grande do Sul para a conquista desses novos mercados. “No momento que recebemos esse novo status, a Argentina fecha as exportações de carne durante 30 dias. Isso irá amplificar a possibilidade de acessarmos de uma maneira mais rápida esses novos mercados. Esses mercados irão agregar valor ao produto, à carne produzida no RS sem dúvida alguma. E agora nos cabe, além de olharmos para as oportunidades, termos também muita responsabilidade, estarmos unidos – poder público, entidades e produtores - para mantermos e aprimorarmos o sistema de defesa do Estado”.

Para Lamachia, o novo status significará desenvolvimento, geração de emprego e renda, não só para o pecuarista, mas também para o estado como um todo. “Já existem notícias de investimentos em plantas frigoríficas e outras espécies de investimentos. É uma data que merece muita comemoração e, daqui para a frente, muito trabalho. Porque o patrimônio genético bovino do Rio Grande do Sul, o patrimônio genético da pecuária gaúcha é o mais importante, o mais qualificado do Brasil e tem um valor incalculável”.

Fonte: Sec. de Agricultura do RS

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