O Dicionário da Língua Portuguesa/Acordo Ortográfico informa que apagão quer dizer “interrupção provisória do fornecimento de eletricidade a uma dada região”. Na madrugada de sexta-feira, sete Estados do Nordeste atravessaram a madrugada na escuridão. Foi um apagão, certo? Errado, repetiu nesta segunda-feira o ministro Edison Lobão. Cabelos e sapatos engraxados com igual capricho, voz de apresentador de circo, o canastrão maranhense recitou a fala que lhe coube no ato mais recente da ópera dos farsantes: “Não foi apagão. Houve interrupção provisória de energia elétrica”. Quer dizer: embora tenha ocorrido seu significado, o substantivo não aconteceu.
O que ainda esperam os jornalistas para atirar pilhas de dicionários sobre a figura bizarra?, estaria perguntando Nelson Rodrigues. O que há com a imprensa que finge enxergar um ministro de Minas e Energia onde existe o atual capataz do latifúndio mais produtivo da capitania explorada pela Famiglia Sarney? Num país sério, um Lobão seria despejado do gabinete no meio da primeira frase cretina. No Brasil da Era da Mediocridade, é outro reincidente sem medo ─ e cada vez mais atrevido. Já não gagueja quando conta que, entre tantos assombros, o apagão foi expulso por Lula e proibido por Dilma Rousseff de dar as caras por aqui.
Submisso a todos os governos desde que se apaixonou pela ditadura militar, Lobão estreou no papel de doutor em eletricidade em outubro de 2009, escalado por Lula para explicar o blecaute que afetou metade do Brasil. Numa entrevista coletiva inverossímil, procurou tranquilizar a nação com a versão espantosa: ocorrera apenas a paralisação da usina de Itaipu, provocada por trovões que ninguém ouviu e raios que não caíram. Até então preocupada com possíveis estragos na imagem da candidata, Dilma Rousseff, ministra de Minas e Energia entre 2003 e 2005, animou-se a entrar no picadeiro. “Nós também temos uma outra certeza de que não vai ter apagão”, declamou. E o apagão da véspera?, intrigou-se uma jornalista. “Não confunda apagão com blecaute, minha filha”, irritou-se a especialista no assunto. Também merecia uma tempestade de dicionários. Eles ensinam que apagão e blecaute são sinônimos.
“Apagão foi o do Fernando Henrique”, disse Dilma. Errou de novo. Em 2001, o que houve foi racionamento de energia, decretado para evitar um apagão sem prazo para terminar. Ao compreender que a insuficiência de água nos reservatórios, a falta de chuvas e a escassez de investimentos se haviam conjugado para levar o sistema à beira do colapso, FHC fez um corajoso pronunciamento em rede nacional de TV. Reconheceu os erros cometidos pelo governo, não se intimidou com o desgaste político resultante do racionamento, transformou a questão em prioridade absoluta e resolveu o problema. Dilma recebeu na penumbra o país que FHC entregou aceso ao sucessor falastrão.
A escuridão que castigou 46 milhões de nordestinos iluminou a face enrugada de um governo que já nasceu velho. Ele tem tanto apreço pela verdade quanto Lula, e está ficando ainda mais parecido com Sarney. A exemplo do registrado em outubro de 2009, o apagão deste fevereiro avisou, aos berros, que o sistema elétrico está em decomposição. Os equipamentos são obsoletos, faltam investimentos, sobram administradores ineptos. Se fosse mais que um apêndice de Lula, Dilma já teria internado o paciente na UTI. Em vez disso, ratificou a opção preferencial pela mentira feita pelo padrinho há oito anos. E reencenou o espetáculo da vigarice, protagonizado pelo mesmo ministro que Sarney nomeou,
“O sistema é robusto, é muito bom e é moderno”, fantasiou Lobão. “Não há no mundo nada mais moderno que o sistema brasileiro”. Não pode ser robusto nem muito bom um sistema que, segundo dados oficiais, registrou 91 apagões de menor calibre só em 2010 ─ um aumento de 90% em relação a 2008. Não pode ser moderno um setor controlado pela Famiglia que há 50 anos atormenta o Maranhão com o recorrente assassinato do futuro.
Em 2009, ao cumprimentar-se pela erradicação dos apagões, Dilma resumiu o segredo do milagre. “É que nós, hoje, voltamos a fazer planejamento”. Na sexta-feira, ela consumou o que vinha planejando faz tempo. Depois de prometer valer-se do critério do mérito para compor o primeiro e o segundo escalões, resolveu afastar do setor elétrico o que restava da turma do deputado Eduardo Cunha. E entregou ao bando de José Sarney o controle completo do Ministério de Minas de Energia.
Foi como trocar o Comando Vermelho pelo PCC.