Trinta anos de Lula: Os Homens Admiráveis
Os trechos que vocês lerão em vermelho são fortes, sim. Não fosse o Brasil, hoje, amigo de todas as ditaduras que há no planeta; não tivesse o governo Lula estendido o tapete vermelho para o um delinqüente como Mahamoud Ahmadinejad, censurado na ONU uma semana depois, com os votos de Rússia e China, mas sem o voto do Brasil; não tivesse flertado o Itaramaty, por vias oblíquas, até com o terrorismo das Farc, e a fala de Lula de 30 anos atrás não teria relevância. Mas, infelizmente, tem. Vamos lá.
(…)
Playboy – Há alguma figura de renome que tenha inspirado você? Alguém de agora ou do passado?
Lula [pensa um pouco] - Há algumas figuras que eu admiro muito, sem contar o nosso Tiradentes e outros que fizeram muito pela independência do Brasil (…). Um cara que me emociona muito é o Gandhi (…). Outro que eu admiro muito é o Che Guevara, que se dedicou inteiramente à sua causa. Essa dedicação é que me faz admirar um homem.
Playboy – A ação e a ideologia?
Lula – Não está em jogo a ideologia, o que ele pensava, mas a atitude, a dedicação. Se todo mundo desse um pouco de si como eles, as coisas não andariam como andam no mundo. (…)
Playboy – Alguém mais que você admira?
Lula [pausa, olhando as paredes] - O Mao Tse-Tung também lutou por aquilo que achava certo, lutou para transformar alguma coisa.
Playboy – Diga mais…
Lula – Por exemplo… O Hitler, mesmo errado, tinha aquilo que eu admiro num homem, o fogo de se propor a fazer alguma coisa e tentar fazer.
Playboy – Quer dizer que você admira o Adolfo?
Lula – [enfático] Não, não. O que eu admiro é a disposição, a força, a dedicação. É diferente de admirar as idéias dele, a ideologia dele.
Playboy – E entre os vivos?
Lula [pensando] – O Fidel Castro, que também se dedicou a uma causa e lutou contra tudo.
Playboy – Mais.
Lula – Khomeini. Eu não conheço muito a coisa sobre o Irã, mas a força que o Khomeini mostrou, a determinação de acabar com aquele regime do Xá foi um negócio sério.
Playboy – As pessoas que você disse que admira derrubaram ou ajudaram a derrubar governos. Mera coincidência?
Lula [rápido] – Não, não é mera coincidência, não. É que todos eles estavam ao lado dos menos favorecidos.
(…)
Playboy – No novo Irã, já foram mortas centenas de pessoas. Isso não abala a sua admiração pelo Khomeini?
Lula – É um grande erro… (…) Ninguém pode ter a pretensão de governar sem oposição. E ninguém tem o direito de matar ninguém. Nós precisamos aprender a conviver com quem é contra a gene, com quem quer derrubar a gente. (…) É preciso fazer alguma coisa para ganhar mais adeptos, não se preocupar com a minoria descontente, mas se importar com a maioria dos contentes.
Voltei
Que coisa, não? O único do grupo que não é um facínora, um assassino contumaz, um homicida frio, é Gandhi. Mas Gandhi, convenham, é a Portuguesa de Desportos das figuras ilustres da humanidade. Se a Portuguesa está em campo, e o adversário não é o nosso time, a gente torce pra quem?
Os outros… A referência a Hitler se presta a uma ironia sinistra: “O Hitler, mesmo errado, tinha aquilo que eu admiro num homem, o fogo de se propor a fazer alguma coisa e tentar fazer”. Sem dúvida, o homem era o senhor do fogo…
Lula mudou? Digamos que alguns facínoras foram acrescentados à sua galeria: Ahmadinejad, Khadafi, Omar Hassan Ahmad al-Bashir (o genocida do Sudão)… Fidel, bem…, a múmia, rejeitada até pelo diabo, continua objeto de culto…
De todas as admirações, esta que diz pouco se importar com ideologia é, sem dúvida, a mais perigosa. Afinal, 30 anos depois daquela entrevista, indagado se não se incomodava em receber Ahmadinejad, que nega o holocausto dos judeus, promovido por Hitler – aquele que “tinha o fogo de se propor a fazer alguma coisa”, Lula respondeu:
“Muito pelo contrário. Não estou preocupado com judeus nem com árabes. Estou preocupado com a relação do estado brasileiro com o estado iraniano. Temos uma relação comercial, queremos ter uma relação política”.
O sindicalista, como se vê, era mesmo o pai do presidente.
PETRALHADA REVOLTADA… QUE BONITINHO!
Ah, que bonitinho!
Petralhada revoltada porque relembrei a entrevista em que Lula cita os vultos históricos que admira — Mao Tse-Tung, Hitler e Khomeini estão no grupo. Juntando tudo, temos uns 100 milhões de cadáveres. Lula pode responder pelo que disse há 30 anos? Depende!
Há 30 anos, eu era trotskista, contei aqui ao escrever aquele texto anteontem sobre o livro Moral e Revolução, de Trotsky. Mudei? Mudei radicalmente. Lula mudou?
Há coisa de uma semana, a ONU censurou o Irã por desenvolver um programa nuclear secreto. Até a China e a Rússia votaram contra o país. O Brasil havia acabado de receber Ahmadinejad e se absteve. Um dos principais ministros do presidente iraniano está envolvido no atentado terrorista à Amia, uma entidade assistencial judaica da Argentina, ocorrido em 1994. Morreram 85 pessoas.
Isso significa que Lula continua com as suas “admirações” a despeito do que os façam os “admirados”. Ademais, é mentira que não haja clivagem ideológica nas suas escolhas. Continua a atacar as eleições hondurenhas, democráticas e legítimas. Mas endossou o pleito fraudulento no mesmo Irã.
Uma banana para vocês, macacos! Há 30 anos, Lula fala e faz bobagens e conta com o beneplácito de uma imprensa, na média, basbaque, incapaz de apontar seus cretinismos porque, afinal, vocês sabem, ele é um “operário”. Operário uma ova!
Lula é um político como qualquer outro. E tem de arcar com a responsabilidade por aquilo que diz. Ou vai agora aparecer algum Silvio Tendler para dizer que ele estava brincando em1979, quando expressou sua admiração por Hitler ; em 1994, quando disse ter tentado violar um companheiro de cela, e ontem, quando defendeu, a exemplo de um chavista qualquer, uma Constituinte?
PASSAVA O DOMINGO NA “GANDAIA” OU NO CEMITÉRIO?
Que sentido faz relembrar o passado de Lula? Ora, perguntem isso a Fábio Barreto, o diretor de “Lula, O Filho do Brasil“. Perguntem isso a Barretão, o produtor. Perguntem isso à equipe de propaganda do Planalto. Quem é que está criando a imagem de um santo?
Escreve um leitor:
Reinaldo,
No filme, Lula é quase um celibatário: as únicas mulheres com quem se envolve são a Lurdes, que morreu, e dona Marisa. A cena do táxi, com o futuro sogro, está lá, mas Lula aparece como uma melancolia de poema do Poe: pede para o motorista desligar o rádio porque a música do Tim Maia o faz lembrar da mulher que morreu. Depois, o motorista mostra a foto de Marisa e seu filho, e Lula, como um profeta da auto-ajuda, diz que ela ainda vai ser muito feliz.
Retomo
Ainda não vi o filme, mas me contaram que é assim mesmo. Lula, já disse alguém, é um grande ator. Em entrevista recente, parte do trabalho hagiográfico de seus amigos, falando sobre o período que sucede à morte de sua mulher, o homem chorou e contou:
“Foram três anos de muito [sofrimento]… Eu comecei a ficar um cara chato porque, no Natal, eu começava a jogar a culpa em todo mundo. Então, na minha casa era assim: todo mundo alegre, Natal, Ano Novo, e, de repente, eu fica lembrando e me sentia vítima da humanidade (…) Eu ia no cemitério todo domingo. Todo santo domingo, DURANTE TRÊS ANOS, eu ia no cemitério levar flores.
É vida privada, certo? Certo! E por que está num programa de televisão? A versão que vai acima é aquela talhada para um filme que é peça inequívoca de propaganda política. MAS QUAL É A MEMÓRIA QUE LULA TINHA DO MESMO EVENTO EM 1979? ESTA, QUE ELE RELATA NA FAMOSA ENTREVISTA À PLAYBOY:
“Eu gostava muito da Maria de Lurdes. Vivi com ela só dois anos, de 1969 a 1971. Ela morreu de parto, e eu fiquei muito chocado. Perdi a vontade de tudo. Fiquei UNS SEIS MESES bem fodido na vida. Então percebi que estava vivo, não estava morto, não, porra! Aí comecei a cair na gandaia. Meu Deus do céu! Antes de conhecer a Marisa, FORAM TRÊS ANOS DE GANDAIA. Eu queria sair com mulher de segunda a domingo.”
Voltei
Qual é a verdade? O celibatário pressuroso e choroso, que passa três anos indo todo domingo ao cemitério levar flores, ou o que cai na gandaia? Nada disso seria importante não estivesse em curso um processo de culto à
EU CUIDO DE HISTÓRIA, NÃO DE HAGIOGRAFIA
E para concluir o capítulo de hoje “Lula e seu passado” — mas posso voltar ao assunto a qualquer momento, é claro —, não me venham dizer que os dois artigos de Cesar Benjamin tratam apenas de uma “baixaria” privada, algo sem relevância, que está fora da política.
Os que pensam assim, acho eu, pouco importa se de boa ou de má-fé, acabam integrando a tropa do culto à personalidade. Não tenho por que dialogar com os de má-fé. Minha conversa é com os decentes. Respondam, então.
As mentiras contidas em “Lula, O Filho do Brasil” — filme que nasce de uma complexa engenharia, inclusive financeira, envolvendo o governo e o setor privado — SÃO UMA QUESTÃO PÚBLICA OU UMA QUESTÃO PRIVADA?
Acho que a honestidade intelectual abriga uma única resposta, não? SÃO UMA QUESTÃO PÚBLICA. E o Lula de mentirinha só pode ser contestado pelo Lula de verdade.
Não espero que o leitor acredite necessariamente nos meus juízos de valor sobre o homem. Aliás, nestes cinco ou seis posts em que trato do assunto, opinei muito pouco. O que fiz foi recorrer a Lula para demonstrar que Lula e a verdade vivem em divórcio.
Reitero: quando alguém falar da “baixaria” de Cesinha ou da “baixaria” do Reinaldo em lembrar a entrevista à Playboy, indaguem: “O filme é uma questão pública ou uma questão privada?”
Eu trato de história. Outros fazem hagiografia.
personalidade.
Ninguém toca nesses assuntos? Eu toco! Ninguém está interessado em Lula como uma construção política e ideológica? Eu estou. E lhes digo que, entre os dois Lulas, acho que a verdade está com o de 1979. O de 2009 já é a encarnação de interesses que vão muito além das dores particulares.
Não preciso recorrer a ninguém para demonstrar que Lula e a verdade podem ser incompatíveis. Recorro ao próprio Lula.