"A cadeia pode fazer de Lula um mártir", alerta REINALDO AZEVEDO
Vamos ser claros? Nem em seus melhores sonhos, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva esperava contar com o resultado que colheu no Datafolha.
Todas as pessoas com as quais conversei estão surpresas: à direita, à esquerda, ao centro… Há até as que estão perplexas.
E, bem, cumpre torcer para que todos os pré-candidatos à Presidência façam uma análise criteriosa dos dados.
E não me refiro à intenção de voto no líder petista no primeiro turno, entre 35% e 37%. Os dados mais relevantes são outros.
Se estou surpreso? Não! Ando a bater de frente com o que chamo “direita xucra”.
A razão essencial: essa gente só conhece “povo” de ouvir falar; para essa turma, trata-se de uma abstração; ela o entende apenas como o vulgo. E não! Não direi que a voz do povo é a voz de Deus. Há momentos na história em que foi a voz do capeta.
Meu ponto é outro: Lula não se tornou Lula porque foi retirante, tem a língua presa, perdeu um dedo, foi pobre. Um pouco mais do que isso — vale dizer: muito mais do que isso — o liga às expectativas de milhões de pessoas. Seu partido fez um mal imenso ao Brasil. Mas cumpre ter um pouco de apreço pela história. Aos números.
Metade dos brasileiros acha que Lula deveria disputar a eleição: 47%; a outra metade, 51%, acha que não. A diferença está na margem de erro. Há empate técnico. Convenham: se há coisa que não conta com resistência na imprensa é a Operação Lava Jato. Ao contrário: infelizmente, coleguinhas aceitam ser porta-vozes passivos desse estranho mundo de procuradores, em que a condenação precede até a apresentação da denúncia. Ou não vimos alguns valentes que pertencem à operação a defender nas redes sociais que o senador Aécio Neves (PSDB-MG) fosse preso? Ademais, exorbitam de suas funções ao fazê-lo, o que é um despropósito.
Depois de tudo o que se disse, depois de tudo o que se noticiou, depois de tudo om que se proclamou, depois da quase unanimidade conquistada pela Lava Jato na imprensa, haver metade do eleitorado a dizer que Lula tem de ser candidato, bem… É preciso refletir a respeito. Seria o caso de dizer que o povo não presta? Seria o caso de mandar o populacho para a Papuda? Seria o caso de fazer como Stalin fez com a Chechênia? Vamos esvaziar Banânia dessa gente chinfrim. Precisamos, afinal, de um povo à altura da nossa grandeza, não é mesmo?
Será que não há aí um juízo sobre a Lava Jato e seus métodos, ainda que assim a coisa não seja vocalizada? Não estaria em curso um certo enfaro de tudo isso?
Há outros números favoráveis a Lula. Dizem que sua condenação em segunda instância foi justa 50% dos entrevistados. Para 43%, foi injusta. “Ah, está longe da metade!” Nem tanto. Afinal, podem ser 45%. Digo que o resultado é espantosamente favorável a Lula porque é evidente que há certa crença reverencial na Justiça. Como me disse dia desses um taxista: “Não é possível que os juízes dissessem que ele é culpado se ele é inocente.” Mais: conhece-se o peso de uma informação devidamente editada nos telejornais, oriunda de senhores tão vetustas, grão-cavaleiros e cavalheiros da Ordem. A tendência natural é acreditar. Quem de nós nunca se flagrou, ao ver alguém enrolado com a polícia ou com a Justiça, a pensar, mesmo desconhecendo o caso: “Ah, alguma coisa, essa pessoa fez”.
Pois bem, 43% atravessam essa camada de glacê do senso comum para considerar que a condenação foi injusta. E, por óbvio, há nesse meio muita gente que nada tem a ver com o PT. O partido está longe de contar com a adesão de quase a metade do eleitorado.
As boas notícias para a Lula, em meio ao desastre, não terminam aí. Sim, a maioria acha que ele deveria ser preso: 53%. Mas é imensa a massa que pensa o contrário. E olhem que a guerra petista contra a decisão tomada pela Justiça está apenas no começo. Vai se intensificar e chegará ao auge na campanha eleitoral. Portanto, aquele que encarnar o antipetismo — não me parece que a estratégia de um candidato “anti” seja exatamente esperta — corre um sério risco de ter contra si uma já maioria.
“Ah, Lula não resistirá ao vídeo ou à fotografia sendo conduzido para a prisão…” Pois é… Ele não resistiria à denúncia, às delações, às acusações de Palocci, à condenação, à confirmação da condenação.
O que estou a dizer aqui, meus caros, é que o caldo de cultura para criar a figura do mártir já está dado. E não se trata de uma tramoia do PT. O que está a falar é vontade do povo, é a sua percepção.
Sim, há dados negativos para o ex-presidente. Nada menos de 54% dizem que ele sabia da corrupção e deixou rolar solta; 29%, que sabia, mas não tinha como impedir; só 13%, que ele a ignorava. Nota: 27% dizem que votariam com certeza num candidato indicado por Lula. É mais do que o dobro dos que acreditam na inocência. Pergunte-se de novo: será parcela do povo um bando de gente sem-vergonha?
O ponto não é esse. Sempre se considera que os poderosos ou sabem de tudo ou, ao menos, sabem mais do que dizem. Caso se indague se as pessoas acham que sucessivos papas sempre souberam dos casos de pedofilia, é provável que a maioria diga que sim. Afinal, um é presidente; os outros eram papas. Como não saber?
Não vejo como Lula possa ser candidato. A chance de o petismo falar e fazer bobagem quando se consolidar o impedimento é grande. Uma coisa é certa, no entanto: os números, hoje, conspiram a favor do partido e estão prontos para dar à luz um mártir. Se for decretada a prisão do ex-presidente, ele não vai fugir nem vai se entrincheirar. Irá para a cadeia e pedirá um habeas corpus. A chance de sair de lá está na esfera do direito.
O PT contará com milhões de eleitores já hoje sensíveis à sua leitura política dos fatos.
O que foi mesmo que escrevi no dia 17 de fevereiro do ano passado, na Folha? “Se todos os políticos são iguais, então Lula é melhor”.
A Lava Jato e a direita xucra, com sua burrice de seus preconceitos odiosos, ressuscitaram Lula. E ele está mais vivo do que se supunha. A cadeia, se vier, pode é turbinar a sua influência na eleição.
Na FOLHA: Moro tem imóvel em Curitiba, mas recebe auxílio-moradia
Três quilômetros separam a sede da Justiça Federal de 1º Grau do Paraná da residência do juiz Sergio Moro, responsável pelo julgamento dos processos da Lava Jato.
É este o trajeto percorrido pelo magistrado desde 2003, quando assumiu a primeira vara especializada em crimes contra o sistema financeiro, em Curitiba. No ano anterior, comprou um imóvel de 256 m² no bairro do Bacacheri, de classe média.
Em junho de 2002, Márcio Antonio Rocha, juiz federal do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região), vendeu o apartamento para Moro por R$ 173.900 (R$ 460 mil em valores atualizados).
Como dono de imóvel próprio na capital paranaense, Moro fez uso de decisão liminar de setembro de 2014, do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Luiz Fux, para passar a receber auxílio-moradia no valor de R$ 4.378.
BENEFÍCIO
Fux estendeu o benefício a todos os juízes do país. O ministro argumentou que diversos tribunais já ofereciam o auxílio, o que estaria criando uma diferenciação entre os magistrados.
Ele também citou o artigo 65 da Lei Orgânica da Magistratura, que prevê que podem ser oferecidas aos juízes algumas vantagens, como "ajuda de custo, para moradia, nas localidades em que não houver residência oficial à disposição do magistrado".
Na resolução 199, de outubro de 2014, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) regulamentou que cada juiz ficaria responsável por requerer o próprio auxílio-moradia.
"A referida ajuda de custo vem sendo paga por diversos tribunais em patamares díspares, acarretando injustificável tratamento diferenciado entre magistrados", diz o texto do CNJ.
Somente no fim do ano passado, Fux liberou a liminar para ser julgada pelos 11 ministros do STF.
A presidente da corte, Cármen Lúcia, afirmou que pretende pautar o assunto em março.
VENCIMENTOS
O recebimento de auxílio-moradia por um juiz que possui imóvel na cidade onde trabalha não é ilegal, mas levanta questionamentos.
Nesses casos, na prática o valor do benefício é incorporado ao salário do magistrado, mas não conta para o teto constitucional dos vencimentos do setor público, de R$ 33.763.
A prática é comum no Poder Judiciário. Como mostrou a Folha nesta quinta (1º), 26 ministros de tribunais superiores, em Brasília, recebem auxílio-moradia mesmo tendo imóvel próprio na cidade.
Moro começou a receber o auxílio-moradia em outubro de 2014. Acrescentado o auxílio-alimentação de R$ 884, as indenizações totalizam R$ 5.262 por mês.
Com salário-base de R$ 28.948, sua remuneração bruta chega a R$ 34.210, se somados os benefícios —acima do teto, portanto.
Em determinados meses, o valor pode ser ainda maior. Em dezembro de 2017, Moro ganhou gratificações no total de R$ 6.838, elevando o salário para R$ 41.047. Os benefícios corresponderam a 30% de toda a remuneração.
Dos 494 magistrados da 4ª Região, que compreende Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, só 74, ou 15%, não recebem auxílio-moradia. O gasto mensal com o benefício chega a R$ 1,84 milhão. Em 2017, o gasto anual foi de R$ 21,4 milhões.
Desde a liminar de 2014, o auxílio-moradia aos magistrados da 4ª Região já custou R$ 71,3 milhões.
Segundo a ONG Contas Abertas, desde 2014 já foram empenhados R$ 5,4 bilhões com o benefício para membros do Judiciário e do Ministério Público em todo o país.
Outro responsável pela Lava Jato, Marcelo Bretas, do Rio, e sua mulher, também juíza, recebem o benefício em dose dupla —situação vetada pelo CNJ. A AGU pediu que a Justiça do Rio remeta à análise da segunda instância a decisão que autorizou o auxílio.
A discussão sobre auxílio-moradia
Liminar
Em setembro de 2014, o ministro do STF Luiz Fux decidiu, em caráter liminar (provisório), dar auxílio-moradia a todos os juízes federais. Foram três liminares com teor semelhante
Ações
Fux atendeu aos pedidos de AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) e Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho)
Definitivo
Segundo auxiliares, a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, pretende pautar em março o julgamento definitivo de todas as ações relativas a auxílio-moradia.
OUTRO LADO
O TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região), responsável pelo pagamento ao juiz Sergio Moro, disse, em nota, que cumpre "determinações legais" em relação ao auxílio-moradia.
Resoluções do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e artigo da Loman (Lei Orgânica da Magistratura Nacional) foram citados no texto. Entre as resoluções, foram mencionadas a 199, que regulamenta o recebimento e permite o auxílio para juízes com imóvel próprio, e a 13, que exclui o auxílio-moradia do teto remuneratório constitucional.
Segundo entendimento de 2006 do CNJ, benefícios como auxílio-moradia, ajuda de custo para mudança e transporte, diárias, auxílio-funeral, auxílio pré-escolar e assistência médica, entre outras verbas, não devem ser contadas como salário.
A resolução 199, de 2014, diz que "a ajuda de custo para moradia no âmbito do Poder Judiciário (...) é devida a todos os membros da magistratura nacional".
O auxílio-moradia, de acordo com esta resolução, só fica vetado quando houver residência oficial à disposição do juiz, ainda que não a utilize; quando o servidor for inativo; quando estiver licenciado sem percepção de subsídio e quando a pessoa com quem reside receber vantagem da mesma natureza de qualquer órgão da administração pública.
A Folha entrou em contato com Sergio Moro. Segundo a assessoria da Justiça Federal do Paraná, a nota do TRF-4 foi feita de forma conjunta e contempla a posição do titular da Lava Jato.
Juízes e membros do MP em ato contra reforma da Previdência e fim da mamata-moradia
Ah, nada como um dia depois do outro, não é mesmo? Há quanto tempo, meus caros, afirmo aqui que esse surto moralista que une o Ministério Público e setores consideráveis do Poder Judiciário tem como raiz não mais do que interesses corporativos das duas categorias? Quantas vezes afirmei que parte da perseguição — e a coisa não merece outro nome — a que foi submetido o presidente Michel Temer era também uma reação à determinação do governo de pôr fim a privilégios inaceitáveis? Quantos foram os textos no blog e os comentários em rádio e televisão em que afirmei que os que se apresentavam como paladinos da moralidade e heróis no combate à corrupção tinham como horizonte primeiro a defesa de seus próprios privilégios?
Agora, como queria Eça de Queiróz, não resta nem mais o manto diáfano da fantasia a cobrir a nudez crua da verdade. Daqui a pouco, nesta quinta-feira, ora vejam, procuradores da República, promotores e juízes vão promover uma patuscada em frente ao Supremo, no primeiro dia da volta do tribunal ao trabalho. Lá estarão membros dessas categorias e os líderes da miríade de entidades que os representam — há mais associações de juízes no Brasil do que queijos na França.
Eles têm uma pauta e algumas denúncias. Prestem atenção!
A pauta:
– contra a reforma da Previdência — sim, os valentes se opõem à já moderadíssima proposta do governo; é que ela acaba com a aposentadoria integral da turma. Sabem como é? Esses heróis sem mácula precisam de uma boa vida, sustentada pelos desdentados, para poder cuidar da moralidade do país dos desdentados;
– contra o fim do auxílio-moradia, aquela prática indecente que consiste em pagar a todos os membros dessas categorias a bagatela de R$ 4.377,73 mensais, precisem eles ou não. Recebem o benefício, por obra e graça do ministro Luiz Fux, mesmo os que são proprietários de imóveis nas cidades em que trabalham. Os muito exigentes, como o casal Bretas de juízes — Marcelo e sua mulher — recebem o benefício em dobro.
O auxílio-moradia é apenas um dos benefícios que estão livres do Imposto de Renda e não contam para efeitos de teto salarial: há ainda auxílio-livro, auxílio-paletó, auxílio-creche, auxílio-mudança, auxílio-lanche, auxílio pós-graduação. Em suma, basta que essa gente suspire de alegria ou de melancolia, e os cofres públicos arcam com a conta. Uma beleza!
Pois bem. Eles vão fazer uma chacrinha hoje em frente ao Supremo e vão entregar um documento à ministra Cârmen Lúcia, sua aliada de primeira hora. Durante o recesso, ela impediu a posse de Cristiane Brasil no Ministério do Trabalho. Tal nomeação está no âmbito da reforma da Previdência porque busca atrair o apoio do PTB para a mudança.
Os doutores também vão dizer, vejam vocês, que estão sendo vítimas dos terríveis políticos, coisa que era endossada até outro dia pela idiotia oportunista de alguns ditos “movimentos de rua” — alguns deles convertidos em caça-níqueis e em caça-votos. E quais seriam as evidências de que os políticos os perseguem? Ora, o projeto que muda a lei que pune abuso de autoridade seria uma delas. A outra: a própria reforma da Previdência. Mais uma: o fim do auxílio-moradia.
Vejam como é difícil reformar o Estado brasileiro, acabando com os cidadão de primeira e de segunda classes. Os primeiros a levantar contra a mudança são aqueles que detêm o poder, em seu próprio interesse, de impedir as… mudanças!
Em troca do combate à corrupção, 60 dias de férias, auxílio-moradia, auxílio-livro, auxílio-paletó, auxílio-creche, auxílio-mudança, auxílio-lanche, auxílio pós-graduação…
Representantes de entidades que vão promover o ato de juízes e membros do Ministério Público nesta quinta falaram com a imprensa.
A presidente da Conamp (Associação Nacional dos Membros do Ministério Público), Norma Cavalcanti, tem a coragem de perguntar: “Por que só nós? Porque estamos combatendo a corrupção?” Como assim? Que “só nós” é esse? A reforma da Previdência é para todos. Ademais, combater a corrupção não é um favor que o MP faz ao país, mas o cumprimento de uma obrigação.
Para o presidente da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), Jayme de Oliveira, há “movimentos coordenados que tentam enfraquecer a democracia no país”. Eu só não consegui entender em que medida a reforma da Previdência enfraquece a democracia. Pensei que ela saísse fortalecida à medida que não teremos mais brasileiros de primeira e de segunda classes.
Já Roberto Veloso, presidente da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil), cita o que considera a grande obra das duas categorias nestes tempos: a prisões de Eduardo Cunha, de Sérgio Cabral e a condenação de Lula. Entendi. Por isso, então, eles merecem os mais altos salários da República, 60 dias de férias, auxílio-livro, auxílio-paletó, auxílio-creche, auxílio-mudança, auxílio-lanche, auxílio pós-graduação…
Daqui a pouco alguém ainda tem a coragem de defender também a condenação sem provas…
Querem saber? Agradeço a toda essa gente. Quando eu dizia que boa parte do esforço para destruir a classe política era só uma tentativa de setores do Judiciário e do Ministério Público de se colocar como o “Poder dos Poderes” da República, alguns acusavam meu exagero.
Aí está. Vejam quanto custa por ao ano ao país só o auxílio-moradia — R$ 1,6 bilhão — e depois pensem quanto tem nos custado, considerando a aposentadoria integral, entre outras benesses, a dedicação dessa gente ao combate à corrupção.
Essa turma perdeu a noção do ridículo. Mas, aos menos, as coisas estão postas agora no seu devido lugar.