Não faltaram poder simbólico e real ao Rio, que tem a nata do establishment; faltou vergonha (REINALDO AZEVEDO)
Não é só segurança pública que entrou em falência no Rio. O Estado também quebrou. Refiro-me às contas públicas mesmo. É curioso! Não é que tenha faltado à cidade e ao Estado representantes a transitar nas altas esferas. Ao contrário. Os fluminenses, em especial os cariocas, herança talvez dos tempos de capital federal, têm uma influência na vida pública que não guarda intimidade com o tamanho de sua economia ou de sua população. Querem ver? No Supremo, por exemplo, estão Marco Aurélio Mello, Roberto Barroso e Luiz Fux. A alta burocracia nacional está coalhada de fluminenses, de cariocas em particular.
Peguem uma instituição que não tem importância prática, mas que não deixa de ser uma medida de prestígio: a Academia Brasileira de Letras. São 40 membros. Sabem quantos nasceram no Rio? Nada menos de 21: 52,5%. E olhem que FHC está fora da minha conta. Afinal, fez carreira política em São Paulo. Mas atenção! O critério que fez excluir FHC da lista de fluminenses-cariocas me obrigaria a incluir, deixem-me ver, mais uns 10 entre os “cariocas de formação”. Que coisa, não? O Estado do Rio tem mais ou menos 8,5% da população, mas 52,5% da nata que pretende representar a inteligência nacional — ou 80% caso se levem em conta os cariocas por adoção.
Por que destaco esses números? “Paulista tem mania de fazer conta”. Não acho que seja vocação geográfica ou cultural. Até porque, infelizmente, nem sempre isso é verdade. Também não estou aqui a estabelecer relação de causa e efeito, claro! “Ah, como o Rio domina a academia, é super-representado no Supremo e na burocracia federal, entrou em colapso”. Claro, não foi por isso. Mas tem a ver com isso.
A cidade também é sede do maior grupo de comunicação do país, que atua em todas as pontas. A Hollywood caipira, hoje um bastião da diversidade — logo haverá quem reivindique que os que sentem um certo “crush” por rinocerontes também tenham seu lugar na novela… Faço uma referência coberta a um clássico da literatura progressista de esquerda: “Porcos com Asas”, de Marco Lombardo Radice e Lidia Ravera. Corrijo-me: o livro é do fim dos anos 70 e já ironiza as esquerdas. Com humor e inteligência, coisa que a esquerda de hoje perdeu e que a direita nunca encontrou. Mas volto: a única diversidade pouco explorada na Globo é o sotaque. Todas as sexualidades estão lá. Mas quase todas são do Rio. Todas as ideologias estão lá. Mas quase todas são do Rio. Todas as esquisitices estão lá, mas quase todas são do Rio.
Preconceito contra o Estado e a cidade? Uma ova! O Rio é a cidade mais linda do mundo. A geografia do interior do Rio é um encanto. O que demonstro aqui é que não faltou aos cariocas e fluminenses poder real e poder simbólico para responder aos desafios que se impunham. A desordem de agora é fruto direto da proteção dispensada ao senhor Sérgio Cabral, em conluio com o petismo, sim — o partido nem quis se meter no bantustão do seu amigão do peito. Ali, o homem fez e desfez: com as contas do Estado, com as empreiteiras, com a segurança pública.
E foi saudado como herói. Oh, não, não é culpa da Globo, mas a emissora sabe como tratou o senhor governador no primeiro mandato e em parte do segundo. Parecia que o Estado tinha governo pela primeira vez na República. Sim, Copa do Mundo e Olimpíada pela frente não combinavam com crítica, parece. Quem sabe se ganharia em negócios o que se perdia em realismo, né? Recorram aos arquivos para saber o tratamento que foi dispensado às UPPs, as tais Unidades de Polícia Pacificadora, que já trazem no nome a expressão da má consciência.
Aponto isso agora? Não! Vejam o que escrevi no dia 12 de setembro de 2011.
Muitos leitores me perguntam por que me meto em certos assuntos, especialmente quando estou na contramão da metafísica influente, e indagam se vale a pena brigar etc. e tal. Eu nunca me faço essa pergunta porque não escrevo uma bendita vírgula pensando no efeito que aquilo possa causar. Escrevo porque acho necessário e pronto. E o faço especialmente quando noto que a lógica está sendo afrontada, pouco importa o assunto. Não preciso ser especialista em física, química, matemática, economia ou segurança pública para detectar um raciocínio fraudulento.
Volto às UPPs do Rio, o “milagre” desses dois santos da lógica oca, chamados José Mariano Beltrame e Sérgio Cabral. O Centro de Justiça e Sociedade da Escola de Direito da FGV-Rio fez uma pesquisa com os moradores da favela Cantagalo, em Copacabana. Boa parte dos cariocas chama hoje favela de “comunidade” ou prefere substituir a palavra pelo acidente geográfico: “morro”. Daqui a pouco, só existirão favelas em outras cidades. O Rio terá extinguido as suas — será a cidade com 1.200… comunidades! Mas sigamos.
A FGV constatou — da próxima vez, podem encomendar a pesquisa pra mim, que faço aqui de casa, sem sair da cadeira… — que 70% dos moradores avaliam que a segurança melhorou com a presença da UPP! Depois da Nossa Senhora de Forma Geral, a santa de devoção de Dilma Rousseff (falo sobre sua entrevista ao Fantástico em outro post), temos a Nossa Senhora do Óbvio, padroeira da pesquisa. Imaginem se o contrário seria possível: “Para 70%, a segurança piorou…”
Ah, qual é??? A UPP significa levar uma unidade de polícia onde não havia. É claro que melhora. A questão é saber por que se chama uma ação com características de “polícia comunitária” (uma invenção que tem uns dois séculos) de “pacificadora”. Pacifica quem? Já chego lá. Por definição, a menos que o estado estivesse enviando bandidos fardados para as favelas, a segurança melhora. A pesquisa também aponta que 47% já passaram por revista policial ou tiveram alguém da família que passou. Corto o mindinho se isso não vai ser visto aqui e ali como o “lado negativo” da presença policial. Por quê? Reclamam de violência policial 29%. Isso, claro!, tem de ser apurado. Mas com cuidado. O narcotráfico, é óbvio como o dia que sucede a noite, tem interesse em satanizar a presença policial na área.
Agora vamos ao que interessa. É evidente que a polícia tem de estar presente nas favelas, ora essa! O estado tem de oferecer segurança onde o povo está. E, se a polícia faz direito o seu trabalho, vai ser aplaudida. O lado ruim da política de segurança do Rio, de que a instalação do posto policial é um aspecto, é deixar a bandidagem solta. Lamento: sem prender ninguém, em paz mesmo fica a bandidagem!
A FGV também fez a pesquisa na favela do Vidigal, onde não há o UPP, e o tráfico é comandado pela facção Amigo dos Amigos. A Nossa Senhora do Óbvio se fez presente: ali, a nota média da polícia foi 4,7; no Cantagalo, 6,2. Em ambas, disseram se sentir seguros mais de 50% dos entrevistados. A santinha, de todo modo, me diz que uma pesquisa num grupo dominado pelo terror do narcotráfico tende a não revelar um retrato muito fiel da realidade. Quem respondeu foi o medo.
Para encerrar: é claro que a polícia tem de chegar a todos os moradores do Rio. Se e quando acontecer, havendo um trabalho honesto, a população aprovará. Eu só não abro mão de continuar a afirmar o que me inspira a Nossa Senhora do Óbvio: com bandidos presos, em vez de flanando pelas belezas do Rio, a população estaria mais segura — muito especialmente aquela das áreas aonde as UPPs ainda não chegaram.
Encerro
Não! Nem os meus colegas da imprensa queriam prosa com esse negócio de criticar UPP. Era uma das minhas “loucuras”, né? Anos depois, eu viria a ser voz isolada nas críticas a uma outra sigla: o MPF.
Engraçado… O católico meio carola sou eu. Mas são eles a acreditar em milagres.
Renca: governo cede a lobby reacionário. O que essa gente fez mesmo com Raposa Serra do Sol? (REINALDO AZEVEDO)
Ele de chama Adauto da Silva, é índio e trabalha num lixão em Boa Vista. Quem o jogou ali foi a boa má-consciência
A coisa mais interessante do “causismo” — essa mania que “ozartista” e as celebridades têm de aderir a causas — é o descompromisso. Assumem uma opinião, saem propagando a dita-cuja por aí, demonizam os que pensam o contrário, posam de especialistas, alguns até vão a Brasília e se encontram com “parlamentares progressistas” e pronto! Qualquer que seja o resultado, missão cumprida! Encomendam outra causa a suas respectivas assessorias de imprensa ou de imagem. As consequências, como diria o célebre conselheiro, vêm depois. Mas aí os bacanas já abraçaram um novo ursinho — o branco e o panda são sempre os mais abraçáveis — para dormir com a consciência tranquila.
Vejam o caso da tal Renca (Reserva Nacional de Cobre e Associados) que esses liminares da ecologia descobriram existir depois que o governo decidiu mudar a legislação que regulava a área por meio de decreto. Nestes tempos, é preciso um cuidado danado com as palavras. A própria linguagem oficial recorreu ao verbo “extinguir” e ao substantivo “extinção”, e as bonitas, os bonitos, os patronos de formatura do Projac, as monstras e os monstros sagrados da representação, os apenas monstros, sem histórico de santidade, bem, toda essa gente resolveu arrepiar. De saída, entendeu-se que o governo estava extinguindo uma área… ambiental! Nem se procurou entender por que aquela região chama RENCA. De novo: Reserva Nacional de Cobre e Associados. Nunca foi nem será um santuário ambiental. Trata-se de reserva mineral.
A rigor, o que o decreto fazia era extinguir as regras antigas e definir as novas para a exploração mineral de uma área diminuta. Só. Com efeito, dentro da chamada “Renca”, há reservas ambientais e reservas indígenas, que seguiriam intocadas. O texto não autorizava exploração mineral nesses territórios. Ocorre que a grita aqui despertou o berreiro lá fora. E aí as milhares de ONGs se mobilizaram, com sua formidável capacidade mentir, omitir e influencias pessoas. O que se afirma é que o Brasil decidiu extinguir uma “reserva” — dando a entender que se trata de “reserva ambiental” — para permitir o garimpo.
Bem, o resumo da ópera é o seguinte: o Planalto recuou, no que fez muito mal, e resolveu que não vai baixar decreto nenhum. Fica tudo como está, e o debate será retomado em outra oportunidade. Pronto! As bonitas, os bonitos, os monstros e as monstras já podem se dedicar a uma nova causa. Ouvi dizer que o Minhocuçu do Anel Dourado corre sério risco de extinção. Onde ele existe? Não sei. Acabei de inventar. Estou em busca de uma causa permanente para essa gente.
Infelizmente, o governo cedeu ao lobby e à quantidade formidável de mentiras que se contaram aqui e lá fora sobre o tal “reserva”. Vocês acham o quê? Que esses descolados vão se preocupar com o que vem depois?
Raposa Serra do Sol
Se vocês querem uma medida da irresponsabilidade dessa gente e dessas ONGs que agora vomitam asneiras, façam uma breve pesquisa. Vejam o que aconteceu com a área Raposa Serra do Sol, em Roraima, onde só vivem índios já aculturados. As lavouras de arroz, que tinham uma produção formidável, ocupavam apenas 0,7% da área: 12 mil hectares de um total de 1.678.800. Lula é que havia decidido tornar as terras indígenas contínuas (2005), o que obrigaria a expulsão dos não-índios. Havia famílias de não-indígenas que ela estavam havia mais de 100 anos (clique aqui para ler mais a respeito).
Sim, os arrozeiros se foram. Parte considerável dos índios, que trabalhavam para eles, também tiveram de ir embora. Foram catar lixo em Boa Vista e morar em favelas. Índias caíram na prostituição (leia mais aqui).
Atenção! Quando os arrozeiros deixaram a área, eles respondiam por 70% das 152 mil toneladas de arroz produzidas em Roraima — 106.400 toneladas. Não, senhores! De lá se não se tira mais um grão. Vejam no alto a foto do índio Adauto da Silva num lixão de Boa Vista. Reproduzo trecho de reportagem da VEJA de 2011:
“Quatro novas favelas brotaram na periferia de Boa Vista, nos últimos dois anos. O surgimento de Monte das Oliveiras, Santa Helena, São Germano e Brigadeiro coincide com a demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol. Nesse território de extensão contínua que abarca 7,5% de Roraima, viviam 340 famílias de brancos e mestiços. Em sua maioria, eram constituídas por arrozeiros, pecuaristas e pequenos comerciantes, que respondiam por 6% da economia do estado. Alguns possuíam títulos de terra emitidos havia mais de 100 anos pelo governo federal, de quem tinham comprado suas propriedades. Empregavam índios e compravam as mercadorias produzidas em suas aldeias, como mandioca, frutas, galinhas e porcos.”
Miséria, favelização e prostituição. Eis as grandes contribuições, em Roraima, dos “preservacionistas” do STF e das ONGs de proteção aos índios e o meio ambiente. Estima-se que um número muito maior de índios teve de abandonar a reserva por falta de condições de sobrevivência do que de brancos e mestiços.
Ah, lembro bem da gritaria dos ongueiros em defesa da dita reserva. Perguntem se alguém se ocupou de saber o que veio depois. Que nada! Aí eles tentaram impedir Belo Monte, depois outra área qualquer, até descobrirem que havia um troço chamado “Renca”. O governo fez mal em ceder ao lobby do obscurantismo desses iluminados pela própria ignorância.
Ah, sim: por que chamei de esses cascateiros de “lobby reacionário”? Porque “reacionário” é tudo o que, ao voltar pra trás, torna pior a vida das pessoas e dos países. É o caso.
O PAÍS DO ALMOÇO GRÁTIS, por João Luiz Mauad, publicado pelo Instituto Liberal
A fanfarronice demagógica dos políticos tupiniquins parece não ter limites. Todos os dias eles inventam alguma forma de fazer caridade com o chapéu alheio, não importa quão estúpidas e inconstitucionais sejam as suas estripulias. O exemplo mais recente vem da Câmara de Vereadores da Cidade do Rio de Janeiro, que publicou no dia 19 de setembro, no Diário Oficial do Município, a seguinte gracinha:
LEI Nº 6.248, DE 19 DE SETEMBRO DE 2017.
Dispõe sobre a proibição de cobrança de valores para utilização de estacionamento de veículos nos hospitais, clínicas, prontos-socorros e estabelecimentos congêneres, na forma que indica, no Município do Rio de Janeiro.
Art.1º Fica proibida a cobrança de valores para utilização de estacionamento de veículos nos hospitais, clínicas, prontos-socorros, ambulatórios, laboratórios, associações e cooperativas médicas, públicas ou privadas, ainda que por serviço terceirizado, no âmbito do Município do Rio de Janeiro, para veículos de pacientes, acompanhantes e demais usuários diretos dos serviços de saúde, para realização de consultas, exames e outros atendimentos e procedimentos pertencentes à atividade principal de saúde do estabelecimento.
É óbvio que suas excelências não têm a menor ideia do que sejam custos de oportunidade – aquilo que o dono de um terreno destinado a estacionamento deixa de faturar por não destinar o terreno a outra atividade. Tampouco se importam com o (já) velho brocardo segundo o qual não existe almoço grátis.
Aqui no Brasil, principalmente no meio político, a crença no “almoço grátis” é generalizada. Poucos parecem ter alcançado discernimento suficiente para intuir que nada é de graça, tudo tem um preço que alguém acabará pagando, mesmo que não seja o consumidor ou usuário de um produto ou serviço. Nossos políticos ainda enxergam a iniciativa privada como uma fonte inesgotável de recursos, que eles podem sugar tanto quanto desejarem.
Pouca gente se lembra, mas esta não é a primeira vez que se tenta baboseira semelhante no Rio de Janeiro. Em 1992, ainda sob o governo do demagogo mor, Leonel Brizola, aprovou-se por aqui uma lei que proibia a cobrança de estacionamento não apenas em hospitais, mas em qualquer estabelecimento comercial do estado.
Aquela verdadeira estupidez econômica foi impugnada em várias esferas judiciais, até que a PGR resolveu promover uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 1.623 RJ), cujo fundamento óbvio era o atentado flagrante ao direito de propriedade, mantido como cláusula pétrea no art. 5º, XXII da Constituição Federal, e na exclusividade da União Federal para legislar sobre matéria atinente ao domínio econômico (art. 22, I da CF).
Evidentemente, o STF suspendeu a eficácia da famigerada lei em 1997, por medida liminar, e em 2011 confirmou por unanimidade a sua inconstitucionalidade. Não será diferente desta vez.
O fato de Suas Excelências ficarem brincando de inventar leis esdrúxulas não seria tão danoso, não fossem os custos e aborrecimentos que causarão aos cidadãos e empresas, não apenas enquanto a tal estrovenga legal permanecer em vigor, mas também por causa dos recursos materiais e humanos que serão demandados na busca da anulação da referida lei. O pior é que tudo isso poderia ser evitado com um mínimo de bom senso e uma assessoria jurídica decente.