Subprocuradora-geral dá parecer favorável à suspeição de Moro em ações contra Lula; STJ decide
A Subprocuradora-Geral da República Aurea Lustosa Pierre, que atua no STJ, emitiu parecer favorável à defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para que aquele tribunal discuta a suspeição do juiz Sérgio Moro para julgar o petista.
O TRF4 negou que Moro tivesse perdido a isenção para julgar Lula, houve recurso, e a questão agora deverá ser analisada pelo STJ.
No parecer emitido — íntegra aqui —, a subprocuradora fez um longo histórico do caso, inclusive de fatos novos ocorridos durante a tramitação do pedido no TRF4.
Apontam-se como razões a justificar o pedido, entre outros
– a “linguagem de condenação” que teria sido empregada por Moro na ação penal que tratou do tal tríplex de Guarujá;
– o fato de Lula ter sido punido sem que sua responsabilidade tenha sido individualizada;
– o juiz ter participado de um evento numa revista, ao lado de adversários do petista — nos autos, há uma foto sua conversando com o senador Aécio Neves (PSDB-MG);
– um vídeo que circula nas redes sociais em que o juiz aparece ao lado de membros do MPF, que é órgão acusador;
– tratamento inadequado dispensado ao acusado, que estava ausente, em audiência no dia 16 de dezembro do ano passado:
– provocações feitas por Moro ao advogado de defesa Cristiano Zanin.
Sobre esse último item, há um diálogo que é, quando menos, heterodoxo entre Zanin e Moro, e foi o juiz quem deu início à altercação, optando pela ironia. Uma das testemunhas contra Lula, José Afonso Pinheiro, ex-zelador do edifício em que fica o tríplex, diz aos defensores do petista que eles eram “um bando de lixo”. Travou-se o seguinte diálogo:
MORO (para Zanin): Vamos ver se não vai sofrer queixa-crime, ação de indenização, a testemunha, né, por parte da defesa.
ZANIN: Quando as pessoas praticam atos ilícitos, elas respondem por seus atos. Eu acho que é isso o que diz a lei.
MORO: Não sei… A defesa entra [com ação] contra todo mundo, com queixa-crime, indenização.
ZANIN: Eu acho que ninguém está acima da lei. Da mesma forma como as pessoas estão sujeitas a determinadas ações, as autoridades também devem estar.
MORO (com visível ironia): Tá bom, doutor. Uma linha de advocacia muito boa.
ZANIN: Faço o registro de Vossa Excelência e recebo como um elogio.
Quando a testemunha chamou os defensores de “bando de lixo”, deveria ter sido repreendida por Moro. Em vez disso, o juiz preferiu provocar a defesa porque, afinal, ele próprio já tinha sido acionado na Justiça pelos advogados que eram ali agredidos verbalmente. Não custa lembrar que o magistrado se referiu a tal fato na sentença em que condenou o petista. Disse que a ação contra ele (Moro) poderia ser considerada uma forma de obstrução da justiça, o que justificaria até a prisão preventiva de Lula, que, no entanto, afirmou, ele preferia não decretar…
No que a coisa vai dar? Vamos ver. É a primeira vez que um representante do MPF assume essa posição. Agora caberá ao ministro Felix Fisher analisar o recurso e o parecer do MPF. Ele pode decidir monocraticamente ou levar a questão para a turma.
E se a suspeição for declarada?
E se o juiz for considerado suspeito? Duas coisas acontecem: ele tem de deixar o caso, que passará para outro magistrado, e todas as suas decisões, a partir do marco temporal em que se teria evidenciado a suspeição, são consideradas nulas.
Supremo se omite e permite tramitação de denúncia (contra Temer) oriunda de crimes, que fere a Constituição
O Parágrafo 4º do Artigo 86 da Constituição é explícito, sem chance para interpretação alternativa: “O Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções”
A presidente do Supremo, Cármen Lúcia, suspendeu nesta quarta o julgamento, que será retomado nesta quinta, que decide, na verdade, duas questões em uma só votação, a saber: 1) a tramitação da segunda denúncia contra o presidente Michel Temer deve ou não ser suspensa até que se apurem os crimes óbvios cometidos no processo de delação da JBS?; 2) a segunda denúncia, que elenca supostos atos ilícitos de Temer antes de ele ser presidente, deve ou não ser devolvida à Procuradoria-Geral da República?
A defesa de Temer apresentou as duas petições. O ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato, tomou uma decisão exótica: subordinou a segunda questão à primeira e declarou-a prejudicada. Quando a sessão foi encerrada, o placar era de 7 a 1 contra a suspensão da tramitação. O único ministro a dissentir de Fachin foi Gilmar Mendes. Também foi ele o único a observar que se misturavam alhos com bugalhos. Clique aqui para ler o voto de Mendes.
Os seis ministros que seguiram o relator — Alexandre de Moraes, Roberto Barroso, Rosa Weber, Dias Toffoli, Luiz Fux e Ricardo Lewandowski — se posicionaram, de fato, apenas contra a suspensão. Deram de barato que nada havia a fazer quanto à segunda questão: a devolução da denúncia à PGR. O argumento vencedor, que deve ser endossado ainda por Marco Aurélio, Celso de Mello e Carmen Lúcia é este: nessa fase, não cabe ao STF fazer juízo de admissibilidade do processo. O tribunal só poderia se posicionar depois que a Câmara deliberasse a respeito.
Atenção! O Supremo enfrenta ambas as questões pela primeira vez. E está tomando uma decisão escandalosamente covarde, omissa, que contribui para o vale-tudo. Além de pisotear a Constituição. Deixo por último a suspensão da ação. Trato antes da segunda petição, ignorada, até agora, por sete ministros, com boa chance de tal número chegar a 10.
O Parágrafo 4º do Artigo 86 da Constituição é explícito, sem chance para interpretação alternativa: “O Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções.” A denúncia mambembe de Rodrigo Janot, o prolífico cadáver, traz uma penca de supostos ilícitos que teriam sido cometidos pelo presidente antes do exercício do seu mandato. Logo, não poderiam integrar a denúncia. E, no entanto, lá estão, sob o silêncio cúmplice, até agora, de sete ministros, tendendo a 10,
Nota à margem: a denúncia contra Dilma — no caso, por crime de responsabilidade — ateve-se às pedaladas fiscais cometidas por aquela senhora no segundo mandato; as do primeiro foram ignoradas. Adiante.
Ainda que os senhores ministros quisessem vir com essa história de que não cabe ao STF, nesta fase, fazer juízo de admissibilidade (e ninguém cobrou isso deles, registre-se), pergunta-se: então os doutores estão concedendo à PGR mais uma licença, a saber: rasgar a Constituição e apresentar uma denúncia que fere explicitamente o que está na Carta? É uma vergonha!
Observem: fosse uma denúncia por crime de responsabilidade, o presidente da Câmara teria autonomia para mandar arquivar o troço porque inconstitucional. Como se trata de acusação de crime comum, não poderá fazê-lo. Tão logo a denúncia chegue à Casa, Rodrigo Maia vai enviá-la à CCJ, que terá de produzir um relatório e votar. Qualquer que seja o resultado, o caso segue para plenário. Se dois terços dos deputados se alinharem contra o presidente, o troço vai para o Supremo, que, então, fará o tal juízo de admissibilidade. Caso acate a denúncia, o presidente tem de ser afastado por até 180 dias. Se metade mais um dos ministros entenderem que é culpado, perde o mandato.
Perceberam o tamanho do despropósito? Segundo o que se decidiu no Supremo nesta quarta, pode-se até cassar um presidente com uma denúncia que, desde a origem, traz o vício da inconstitucionalidade. Mas, segundo sete ministros, que podem ser 10, deve-se tolerar mais esse abuso do Ministério Público Federal.
Confesso ter sentido vergonha do Supremo nesta quarta, dia em que, note-se, o Estadão publicou um editorial exemplar contra os abusos do MPF. Eu mesmo, como sabem, tenho me dedicado a apontá-los faz tempo. Fico me perguntando por que ministros de nossa corte maior têm de ser menos corajosos do que um veículo de comunicação e um jornalista.
Desafio os senhores ministros, exceção feita a Mendes, que votou de acordo com a Constituição, a que demonstrem, por escrito, que não estão a permitir a tramitação de uma denúncia inconstitucional. Meu desafio vai mais longe: demonstrem que não estão a permitir que tal inconstitucionalidade, potencialmente ao menos, derrube um presidente da República.
Ora, a partir de tal decisão, está revogado, na prática, o parágrafo 4º do Artigo 86 da Constituição. Assim, o Supremo, com seu ato de covardia, aproveita também para se comportar como legislador, reformando a nossa Lei Maior sem o concurso do Congresso.
Quanto à primeira petição, a que pedia a suspensão da tramitação, independentemente da inconstitucionalidade óbvia, observo: a defesa de Temer não estava a pedir que o STF fizesse juízo prévio de admissibilidade. Essa leitura é uma barbeiragem. Até porque a bobajada de Janot nem havia sido ainda apresentada quando se entrou com a petição. O que se alegava ali — coisa, insisto, inédita — é que também esta segunda denúncia, a exemplo do que restou evidente sobre a primeira, tinha origem em atos criminosos.
Dada a decisão desta quarta, o Supremo está a dizer duas coisas:
a: denúncias apresentadas contra o presidente, ainda que notoriamente criminosas, devem ter curso normal; não serão nem sequer suspensas até que se apure a extensão dos tais crimes que estão na sua raiz;
b: faculta-se, doravante, ao MPF jogar a Constituição no lixo para fazer a denúncia. Se depender dos doutores, o STF só entrará em campo, se necessário, depois que a Câmara, por dois terços, admitir a denúncia inconstitucional…
Ora, ora… Se e quando isso acontecesse, o presidente já teria caído. E o Supremo teria sido, então, apenas espectador de um golpe.
Os doutores estão convidados a demonstrar que estou errado.
A reforma política no brejo! Fim de coligações proporcionais só em 2020. E o mistério da grana
Mais uma vez, a exemplo do que se viu quando o Supremo caminhava para proibir as doações privadas, todos sabiam da iminência do desastre, viam o dito-cujo se desenhando, e nada se fez
A reforma política foi reduzida, em 2018, a pó de traque. Acabou. Tudo indica que caminharemos para a disputa com a legislação que aí está, exceção feita a um Item. Alguns que estão a reclamar pelos cantos contribuíram de forma definitiva para esse resultado. A única modernização garantida já para o ano que vem é a cláusula de barreira, aprovada em segunda votação no começo da madrugada desta quinta. Todo o resto, até agora, deu com os burros n’água. Ontem, foi a vez de votar o fim das coligações em eleições proporcionais, que constava do texto-base. Ocorre que um destaque adiou a mudança para 2020.
Assim, amiguinhos, caminhamos para a disputa do ano que vem ainda sob a égide do pavoroso voto proporcional, no formato em que existe por aqui, por intermédio do qual um deputado muito votado pode ajudar a levar para a Câmara um sujeito que não se elegeria vereador em Xiririca do Norte.
Para lembrar: o buliçoso Jean Wyllys (PSOl-RJ) chegou à Câmara em 2010 com pouco mais de 13 mil votos. Quem o elegeu? O deputado Chico Alencar, que obteve 240 mil. Nota: na Câmara, o ex-BBB recorreu a métodos aprendidos no reality show: arrumou um adversário do coração, Jair Bolsonaro, que não se fez de rogado e também o escolheu como alvo. Em 2014, reelegeu-se com 144 mil votos. Faço tal lembrança em nome do combate ao preconceito: o dito “Efeito Tiririca” também pode ser chamado de “efeito Jean Wyllys”.
Como já se disse aqui, a manutenção do sistema proporcional vem a reboque da rejeição a dois outros sistemas: o voto em lista e o distritão. No primeiro, o eleitor votaria numa sigla, e os eleitos, de acordo com o desempenho de cada legenda, seriam os primeiros de uma lista pré-ordenada e pública. No caso do distritão, ganhariam a cadeira na Câmara os mais votados, sem levar em conta o peso dos partidos. Pelo distrital misto, que era a boa novidade de 2022, metade dos deputados teria origem no voto em lista, e a outra, nos vitoriosos em cada distrito, que seriam subdivisões dos Estados.
Os críticos do voto em lista e do distritão — qualquer que fosse a escolha, valeria só para 2018 — ignoraram o benefício que dali decorreria: o distrital misto para 2022. E o berreiro começou. A crítica principal era esta: o modelo vai beneficiar os deputados mais influentes, muitos deles ligados a falcatruas, e isso vai impedir a renovação… Então ficamos com o voto proporcional, que beneficia os mais influentes, muitos deles ligados a falcatruas, impedindo a renovação. E se mantém a possibilidade de eleger os sem-voto. Que opção fabulosa, não é mesmo?
O outro desastre da reforma política está se consumando: a questão da grana. O financiamento púbico, com recursos do Orçamento, não tem chance de prosperar. O Senado agora busca uma saída. Fala-se em constituir um fundo público com parte das emendas parlamentares — talvez metade dos R$ 4,4 bilhões previstos — e mais alguma coisa oriunda da renúncia fiscal das emissoras privadas de rádio e televisão, que deixariam de apresentar o horário político obrigatório — pensou-se até no fim do horário eleitoral… A fórmula ainda é confusa. E é grande o risco de que nada aconteça também aí.
Mais uma vez, a exemplo do que se viu quando o Supremo caminhava para proibir as doações privadas, todos sabiam da iminência do desastre, viam o dito-cujo se desenhando, e nada se fez. Nesta quarta, dia em que a reforma naufragava de vez, Rodrigo Maia, o presidente da Câmara, dava uma entrevista para atacar o presidente da República e reclamar que o PMDB estava cortejando parlamentares do PSB que, por qualquer razão mística, Maia acha que têm de ir para o DEM…
Com os líderes que estão aí, convenham!, o Brasil, mesmo sendo como é, ainda assim, é um milagre inexplicável.