Há uma Coreia do Norte incrustada no Estado Brasileiro. Chama-se Ministério Público Federal.

Publicado em 02/09/2017 00:23
De joelhos! Que a holding “JJ&F” — Janot, Joesley e Fachin — governe o Brasil e a imprensa. E pronto! (REINALDO AZEVEDO)

Há uma Coreia do Norte incrustada no Estado Brasileiro.

Chama-se Ministério Público Federal.

Já não interessa mais a esse órgão agir de acordo com a lei. A exemplo do estado-pária, mas com bomba, governado por Kim Jong-un, também as extensões sob o domínio de Kim Janot-un não estão nem aí para a moralidade, a verdade, a racionalidade, a segurança, o bom senso. Impõe a sua vontade e pronto. O papel de ambas é testar as instituições e jogar bombas. Os outros que se virem.

Vamos lá. Quando penso no caso Joesley Batista, constato que, muito mais porco do que o trabalho feito pela Procuradoria Geral da República, liderado por Rodrigo Janot, é, infelizmente, o trabalho de boa parte da imprensa. Por que digo isso? Porque se deixou sequestrar pelo moralismo estúpido e de ambição punitiva e abandonou, sem nenhuma solenidade, as regras do estado de direito.

Nunca se viu nada igual no Brasil. Nunca se verá. Com as exceções de sempre em todas as faixas etárias, não há idade para o jornalista se abraçar ao equívoco, mandar a lei à merda e cair de boca no discurso populista mais rasteiro. “Mas esses jornalistas têm alternativas, Reinaldo?” Tem, sim! Pedir que se cumpram as regras. Com elas, podem-se punir os larápios. Sem elas, fabricam-se vigaristas novos.

Vamos ver. Joesley fez um acordo de delação premiada que, como não cansou de cantar em verso e prosa o estupefaciente Kim Janot-un, tinha como pressuposto a impunidade. Sem nenhum pudor, sem nenhuma vergonha, sem nenhum constrangimento, o procurador-geral revelou: o açougueiro de casaca teria deixado claro — permitindo o suposto acesso a nesgas de evidências — que tinha coisas supostamente graves contra o presidente da República e contra a maior liderança do principal partido de oposição. E o que o bandido queria em troca? Impunidade!

E a obteve. Mesmo aqueles que, como eu, consideraram a negociação asquerosa, davam de barato que, vá lá, o homem havia entregado ao menos tudo o que dizia ter, por mais que dados de sua delação parecessem ser, como são, fantasiosos. Ora, Aécio Neves e Michel Temer vivem em calvário em razão da urdidura feita pela holding “JJ&F”: Joesley, Janot e Fachin.  A primeira bomba já foi disparada. Não deu em nada. Agora vem a outra, a que tem Lúcio Funaro na ogiva, também sob os cuidados de Kim Janot-un.

Até aqui, vá lá. Todos já sabíamos que o procurador-geral da República percorreria esse caminho. Era evidente que buscava o segundo tempo e estava à procura de pretextos novos. Diga-se qualquer coisa de Kim Janot-un, menos que seja uma pessoa pudorosa. Não é. Como líder da Coreia do Norte Mental em que se transformou o MPF — a PGR em particular —, resta evidente que ele pode fazer qualquer coisa.

Eis que, no dia em que vence o prazo para que entregue anexos, elementos de prova etc — e nunca novidades não contempladas naquela delação já homologada —, Joesley vai muito além e, na prática, comparece com uma nova delação, deixando claro, então, que violou os termos do seu acordo. A Alínea “e” do Artigo 26 do dito-cujo torna sem efeito um acordo que tenha, por exemplo, omitido dados.

Vale dizer: o sr. Joesley Batista fez a primeira acusação, mediu os efeitos, modulou os seus negócios segundo as consequências experimentadas, viajou, voltou, concedeu entrevistas, posou de moralista, ameaçou processar todo mundo que o chame de bandido — não fica claro se ele remunera quem o trata como vítima, a exemplo do que fazem alguns bucaneiros da Internet — e agora tem o segundo tempo.

Não por acaso, um dos palcos de falcatruas dessa segunda fase das denúncias é nada menos do que o BNDES, que queria os Batistas fora da direção executiva da JBS. Joesley diz que, em 2010, contou com o apoio de Guido Mantega, Antonio Palocci, Luciano Coutinho e José Serra para obter financiamento para a construção de uma fábrica de celulose da Eldorado, no Mato Grosso do Sul.

Pagou propina? Segundo ele, sim: para Mantega (4% sobre o empréstimo); para João Vaccari Neto, tesoureiro do PT; para Wagner Pinheiro, ex-presidente da Petros, fundo de pensão da Petrobras; e Guilherme Lacerda, ex-presidente da Funcef, fundo de pensão da Caixa, para esses todos, 1%. Ainda segundo Joesley, Palocci e Serra apoiaram o pleito, mas não receberam o capilé ilegal. O tucano nega qualquer interferência e pergunta o óbvio: por que o candidato da oposição à Presidência teria interferência na liberação de financiamento do BNDES?

O que interessa
Bem, meus caros, o que vocês querem que eu diga? Obviamente, não vou asseverar a culpa ou a inocência das pessoas envolvidas nessa nova leva de denúncias. Isso é o que tem menos importância. E lamento, sim, que a imprensa se torne, queira ou não, mero joguete dos negócios dos bilionários Batistas. A minha questão é esta: por que só agora?

Que outras surpresas Joesley nos reserva? Até quando o país continuará a ser governado, em razão das escolhas feitas por Kim Janot-un, por tipos como ele e como Lúcio Funaro? Em que país do mundo uma delação premiada concede a impunidade absoluta a um bandido, que continua à frente de um dos maiores conglomerados empresariais do país, manipulando imprensa, opinião pública, Ministério Público, Supremo e quem mais lhe der na telha?

Ah, sim: entre uma falcatrua e outra, Joesley emite uma nota oficial com impropérios contra o presidente da República.

Bem, estamos vendo que a reforma política está mesmo emperrada, as eleições de 2018 se afiguram, por enquanto um grande escuro, e o Brasil não pode ir para o abismo.

Bem, vamos entregar o Brasil aos cuidados da holding JJ&F Janot, Joesley e Fachin. Kim Janot-Un cuida de cortar as cabeças; Joesley pendura as peças de carne no gancho, e Fachin dá a bênção jurídica ao festim diabólico.

Com Kim Janot-un, direito penal brasileiro se resume a pantomima de arapongas e alcaguetes

A verdade é que a investigação, hoje, no país, e isto deveria preocupar a consciência democrática, se limita a delações e escutas telefônicas

Entre tantas outras, o país vive sob duas imposturas principais, e ambas trazem a chancela deste impressionante Rodrigo Janot, que passo a chamar, enquanto ele estiver por aí, de “Kim Janot-Un”, dada a sua incrível irresponsabilidade. Refiro-me, claro, ao sei lá como chamar, “novo capítulo” do romance de Joesley Batista — pelo visto, ele pode ir atualizando sem prazo a sua obra aberta — e à delação de Lúcio Funaro, que venceu a licitação que disputou com Eduardo Cunha. Kim Janot-Un havia deixado muito claro: o preço dos benefícios era acusar o presidente Michel Temer. E, claro, ele acusou.

Notem: não há moralidade possível que justifique o procedimento. Funaro não é neófito nem nas artes de celebrar acordo. Ele já havia fechado um durante o mensalão. O que se está a dizer aqui é que estamos diante de uma personalidade que não se deixou intimidar por aquele que era, então, um dos mais ruidosos processos do país a alvejar a classe política e seus “operadores” nas franjas do mercado sujo. Nada disso! Funaro só cresceu na hierarquia criminosa.

Ora, a Lava Jato não apareceu ontem, certo? Se este senhor tinha o que dizer — e tudo indica ser isso verdade, dado o meio em que transita —, que o dissesse, então, quando caiu na rede. Mas não. Ele preferiu se calar. Em um dos processos, diga-se, ele aparece como aquele que faz ameaças a parceiros de crimes, não como o que está disposto a fazer acordo. Teve múltiplas chances de escolher o caminho da delação, mas preferiu caminhar para um julgamento sem nenhuma proteção especial. Em um dos processos, por duas imputações, pegou mais de 15 anos de cadeia.

E é essa figura, um profissional do crime de outros carnavais, que é pinçado por Kim Janot-Un para a segunda etapa de sanha vingativa contra o presidente da República? “Ora, ora, Reinaldo? Mas não se devem negociar acordos justamente com bandidos? Não são os bandidos que têm algo a dizer?” Pois é… Segundo o juiz Sérgio Moro, em despacho oficial, esse negócio de dar trela a bandido não é certo… É bem verdade que ele falava para proteger um amigo…

É claro que estou fazendo uma ironia, que abandono já. É claro que, em regra, fazem delação os criminosos e os que cometem irregularidades — ou, ao menos, os que silenciaram diante delas. O ponto não é esse. A questão é saber se essa colaboração pode e deve mesmo ser aceita a qualquer momento e sob quaisquer condições. A impunidade, por exemplo, parece-me coisa inaceitável.

Há outros aspectos que precisam ser pensados. Exceção feita às delações, será que existe investigação digna desse nome? Sérgio Machado acusou Romero Jucá, Renan Calheiros e José Sarney de obstrução da investigação. A PF não encontrou uma vírgula a respeito. Delcídio do Amaral disse que Lula lhe dera instrução para comprar o silêncio de Nestor Cerveró. O Ministério Público Federal pede simplesmente o fim da investigação. O mesmo Delcídio acusou Dilma de ter nomeado ministros do STJ para soltar empreiteiro. A PF chegou à conclusão de que isso não aconteceu. E que fim vocês acham que terá a acusação ridícula de que Aécio Neves tentou obstruir a investigação quando  debateu com seus pares um texto que muda a lei que pune abuso de autoridade? Ora, essa é sua função.

Faço a pergunta, mas, de fato, o espírito do meu texto é afirmativo. A verdade é que a investigação, hoje, no país, e isto deveria preocupar a consciência democrática, se limita a delações e escutas telefônicas. Nada mais. E é preciso que se digam as coisas com todas as letras. E só pode fazê-lo os que não têm medo.

O direito penal brasileiro corre o risco de se tornar refém de arapongas e alcaguetes! Eis o mundo de Kim Janot-Un. Ele transformou o direito brasileiro na sua Coreia do Norte particular.

Se Joesley existe, Deus está morto, e, então, tudo será lícito aos bandidos de Janot e Fachin (REINALDO AZEVEDO)

Num país em que Ministério Público e Justiça se impusessem sobre Joesley Batista com a força da lei, do Estado de Direito, ele até poderia estar solto, à espera da sentença. Mas saberia ter alguns anos de cadeia pela frente. Bem menos, infinitamente menos (literalmente), do que os mais de três mil anos de pena. Afinal, nessa democracia hipotética, ele fez um acordo de delação.

Mas estamos na República de Banânia, não é? E o procurador-geral de Banânia é Rodrigo Janot. O relator do caso no Supremo em Banânia é Edson Fachin. Se é assim, é possível que Deus esteja morto e, pois, tudo seja permitido, como naquela frase que a personagem “Mitia”, de Irmãos Karamazov (Dostoievski), nunca disse. E, com efeito, nem Mitia nem o autor afirmaram “Se Deus não existe, tudo é permitido”.

O que há no livro, note-se, é um momento de perplexidade de Mitia com a concepção expressa pela personagem Rakitini, segundo quem Deus é uma ideia construída pelo homem. Perde-se, desse modo, o sentido do absoluto, no valor insuperável, que reunifica os fragmentos da tragédia de existir e lhe confere um sentido. Então vêm ecos de São Paulo, o Apóstolo: tudo me é permitido, mas nem tudo me é lícito. E a interdição existe porque há um Deus. Porque, se não há, vem a perplexidade em forma de indagação: então “tudo é permitido e, consequentemente, tudo é licito”?

No direito, esse Deus da contenção, do limite, do “onde aceitável”, são as leis. Sem elas, sem o seu triunfo, sem a solenidade que necessariamente ensejam — e, em todo o mundo, os juízes vestem um hábito para lembrar aos demais que encarnam uma espécie de poder transcendente, que vai além as vontades particulares e das vicissitudes —, aí, sim, caíamos na desordem. Aí, então, tudo passa a ser permitido e tudo passa a ser lícito. O crime desaparece. Falando por metáfora: no direito, o “ateísmo” corresponde à morte da norma. Então só restam as milícias e a outra lei, alternativa aos códigos escritos e democraticamente pactuados: a lei do mais forte, tornado Deus de suas próprias vontades.

Viajei um pouco, mas volto ao ponto. A trinca Joesley-Janot-Fachin quase derruba o presidente da República. Aí se descobre que Joesley havia apagado trechos de gravação, ora recuperados. Esgotava-se ontem o prazo para que o homem entregasse o que tinha. Fachin resolveu lhe dar mais 60 dias. Não temos mais uma delação, para um “work in progress”, que vai progredindo à medida da necessidade. Joesley se tornou também o senhor do tempo.

Se Joesley existe, então tudo é permitido.

Parece pouca coisa, mais não é. Se o acordo de delação que ele assinou for válido, então tem de ser anulado, a menos que não haja nada de relevante no material deliberadamente apagado. Se há, está caracterizada a omissão e a tentativa de distorcer o sentido das provas, de trata a Alínea “e” do Artigo 26 do acordo. Mas também isso não será aplicado.

Existe a Constituição, existem as leis, existem os acordos de delação, existem os tribunais, existem as regras. E existe Joesley.

E, se Joesley existe, então tudo é permitido porque o resto entra em falência.

Caso Delcídio é vital para o futuro das delações (por JOSIAS DE SOUZA, no UOL)

O procurador da República Ivan Marx, que atua em Brasília, acusou o ex-senador petista Delcídio Amaral de mentir nos depoimentos que prestou como colaborador da Justiça. Pediu a absolvição dos delatados Lula e André Esteves, isentando-os de culpa no caso da tentativa de comprar o silêncio do ex-diretor da Petrobas Nestor Cerveró. E recomendou a anulação dos benefícios judiciais concedidos a Delcídio. A resolução deste caso é vital para o futuro do instituto da delação premiada.

As delações têm papel central na apuração do maior surto de corrupção já detectado na história do país. O sucesso da Lava Jato assenta-se em três novidades: 1) a roubalheira passou a dar cadeia; 2) o medo de ser preso soltou a língua dos criminosos; 3) e a deduragem impulsionou as investigações. Para que esta engrenagem continue funcionando, é preciso assegurar que delatores mentirosos recebam punição exemplar.

A delação de Delcídio foi negociada pelo procurador-geral da República Rodrigo Janot, cujo mandato expira no próximo dia 17 de setembro. Há dois meses, Janot pegou em lanças para defender no Supremo Tribunal Federal os termos do acordo que firmou com a turma da JBS, premiada com a imunidade penal.

Por decisão da maioria dos ministros do Supremo, ficou entendido que acordos de delação não podem ser revistos pelo Judiciário senão na fase de julgamento dos processos. Ainda assim, a eventual revisão do prêmio concedido a um delator está condicionada ao descumprimento das cláusulas do acordo. Nessa equação, a mentira dissolve qualquer acerto.

Rodrigo Janot trava uma corrida contra o relógio. Num esforço para esvaziar suas gavetas antes de repassar o cargo à sucessora Raquel Dodge, ele solta uma flecha atrás da outra. O doutor fará um bem enorme à sua biografia se desperdiçar um naco do seu tempo para verificar o que se passa com Delcídio. Constatada a mentira, o delator precisa sentir rapidamente o peso da mão do Estado. A alternativa é a desmoralização.

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Fonte: Blog do Reinaldo Azevedo + UOL

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