"É como o triplex que não é do Lula, que tem 171 m². Vale a pena lutar por isso?"

Publicado em 27/11/2016 06:30
por CARLOS BRICKMANN, no blog de Augusto Nunes (de veja.com)

Publicado na coluna de Carlos Brickmann

País estranho, esse nosso. Num caso o apartamento com vista para o mar existe, mas todo mundo nega ser seu dono. Em outro caso, o dono existe; o que não existe é o apartamento. Nos dois casos a briga é brava: num dos casos, o dono que não é dono foi colocado em cheque e enfrenta o juiz Sérgio Moro; no outro, o apartamento que não existe acaba de derrubar um ministro e de colocar em xeque o presidente da República.

Temer demorou a agir, Geddel demorou a sair. Com isso, ficou claro que aquele Temer determinado, assertivo, que foi secretário da Segurança em São Paulo, transformou-se num Temer que tem medo de tomar posição. E agora tem bons motivos para temer o futuro. Há quem queira derrubá-lo, mas isso não é preciso. Mesmo ficando, presidir é que não vai.

Um peemedebista, citado pelo repórter Maurício Lima, do Radar on-line , tem a seguinte leitura da situação: o pedido de impeachment que o PSOL tenta formalizar, o próximo presidente da Câmara terá superpoderes. A decisão de dar prosseguimento ao processo será dele, que terá interesse no caso: afastado Temer, ele será seu substituto na Presidência. Embora interino, é tentador.

Cá entre nós, é o que dá escolher para o Ministério gente com telhado de vidro. Briga de R$ 2,5 milhões? No país do Petrolão, mixaria. É como o triplex que não é do Lula, que tem 171 m². Vale a pena lutar por isso?

Baixaria

Quem achava que Delcídio do Amaral revelou seu caráter ao procurar amigos e gravar as conversas para implicá-los, e obter o máximo por sua delação premiada, tinha razão. Mas a demissão de Marcelo Calero foi do mesmo quilate. Gravar as pressões de Geddel para que fosse liberada a construção de seu apartamento, vá lá. Mas ir ao presidente só para gravá-lo, o presidente que o tirou do anonimato e o transformou em ministro, aí já é meio muito. Bem feito para Temer, que tinha extinto o Ministério da Cultura e voltou atrás, buscando o aplauso de quem, por motivos ideológicos, jamais o aplaudiria, mesmo que fosse um grande presidente.

Complicou

Este é um momento-chave para Temer, com votações importantes no Congresso, em que ele mais precisa de sua articulação política. Perdeu o ministro que cuidava disso. E deixou parlamentares importantes, que assinaram manifesto em favor de Geddel, pendurados na brocha.

Palavra de amigo

Fernando Henrique, em conversa com repórteres, disse que, diante das circunstâncias brasileiras depois do impeachment, o que temos de fazer é atravessar o rio. “Isso é uma ponte. Pode ser uma ponte frágil, uma pinguela. Mas é o que tem. Se você não tiver uma ponte, cai no rio”.

Isso mostra a força atual do Governo Temer: Fernando Henrique, que diz essas coisas, é um de seus maiores aliados.

O burro falante

Conta-se que na antiga Arábia um camponês foi preso por roubar um burro e condenado a uma longa pena. Apelou e disse ao vizir que mandava na região que tinha roubado o burro para ensiná-lo a falar. O vizir se interessou e o camponês prometeu que, se o vizir lhe desse um burro, em dez anos ele estaria falando. O vizir lhe deu o burro mas esclareceu que, se o burro não falasse direitinho, o camponês seria condenado à morte.

Ao saber da história, a mulher do camponês se desesperou: “Você assinou sua sentença de morte!” O camponês explicou: “Fique tranquila, mulher. Daqui a dez anos, morreu o vizir, morri eu ou morreu o burro”.

Os vivíssimos votantes

É por isso que o Congresso deve (não há certeza, mas é a atitude mais provável) aprovar a anistia a quem doou ou recebeu dinheiro para caixa 2, apesar das pressões da sociedade civil, apesar de eventuais manifestações de rua, apesar da possibilidade de que a Justiça intervenha, apesar de prejuízos eleitorais. Se a Justiça intervier, começa uma daquelas batalhas demoradas – com um pouco de sorte, dois anos, quando terminam os mandatos parlamentares. Prejuízos eleitorais? As eleições serão daqui a dois anos, quando, esperam Suas Excelências, o caso já esteja esquecido. Se a anistia não for aprovada, muitas Excelências enfrentarão em breve a Lava Jato, ou outras forças-tarefas, e em pouco tempo estarão sendo interrogados pelo juiz Sérgio Moro. Qual alternativa deverão escolher?

A voz do trono

O presidente Michel Temer não deu sua opinião sobre a anistia. Ou melhor, deu: disse que sancionará aquilo que for decidido pelo Congresso.

A crise e a história

A lendária Karmann-Ghia, que produziu um primeiro carro esporte do Brasil, modelo belíssimo, foi à falência. Mais 700 operários sem emprego.

Na FOLHA: Anistia a caixa dois é inconstitucional, afirma ex-ministro do STF

  Jales Valquer 24.out.2016/Fotoarena/Folhapress  
 

Para o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Carlos Ayres Britto, a proposta de anistiar o caixa dois é um "jabuti e inconstitucional".

O jurista reagiu com indignação à tentativa, em curso na Câmara, de incluir o perdão ao uso de dinheiro de campanhas sem declaração à Justiça na proposta das Dez Medidas, apresentada pelo Ministério Público Federal.

Em entrevista por telefone à Folha, na sexta (25), Ayres Britto, 74, disse que Constituição não prevê a possibilidade de autoanistia de membros de um dos Três Poderes.

Folha - Como o senhor vê essa sucessão de crises nos mais altos cargos dos Poderes?

Carlos Ayres Britto - A história brasileira é permeada de relações de compadrio, alianças pessoais, relações narcísicas, fisiológicas, populistas. E isso continua, em certa medida. Só que o povo não aceita mais. O povo tirou a venda dos olhos. E o rei está nu. O rei é o poder, de uma maneira geral, especialmente o poder político.

Não tem motivo para desalento. Apenas registro esse divisionismo, impasse entre consciência coletiva mais clara e consciência político-partidária nem tanto. Mas quem vai sucumbir nessa queda de braço não é a cidadania.

Por quê não?

Você teve uma prova disso ontem [quinta-feira (24)], como aquele projeto fisiológico teve que recuar, a toque de caixa, por efeito da consciência coletiva em torno do fisiologismo da proposta e até a meu juízo da contrariedade constitucional da proposta.

Qual é a contrariedade?

O projeto é uma parafernália. É mistura de figuras penais e crimes eleitorais com uma serventia, autoanistiar membros do Legislativo. E a Constituição não admite isso em se tratando de membros de Poder. A anistia foi versada pela Constituição como perdão legal de infrações, mesmo no campo penal, protagonizadas por particulares.

Pelo que mais?

O que é feito por lei só pode ser desfeito por lei, ainda que temporariamente. Mas quando certos bens jurídicos são de regime centralmente constitucional, como a anistia, eles não estão entregues aos cuidados do legislador, se não for para serem robustecidos, e não desidratados.

É como quando a Constituição fala de ação de impugnação de mandato eletivo, instruída com provas de abuso de poder econômico, corrupção ou fraude.

Por esse entendimento, o Supremo barraria o projeto?

Se for aprovado, o projeto já nascerá vocacionado para o seu desvantajoso questionamento em juízo. Esse tema é uma pecinha de cristal, nuançado. É imbricado com outras figuras delituosas. O caixa dois pode ser produto de corrupção, de propina, meio de lavar dinheiro.

A origem dos recursos deve ser considerada na análise penal do caixa dois?

Pelo artigo 350 do Código Eleitoral, o caixa dois é falsidade ideológica. A meu juízo, esse tipo de lei é insuscetível de marcha ré, há proibição de retrocesso. O conteúdo dessa proposta não pode ser objeto de análise superficial e de votação a toque de caixa. Há muitas implicações.

Quando a Constituição cuida de anistia, pela gravidade do tema que é você anistiar alguém pelo cometimento de crime ou infração, só pode ser por lei monotemática, que cuide só disso. Não pode ser por emenda a projeto de lei, como é o caso das Dez Medidas. Aí você encaixa esse jabuti, que é a anistia.

O projeto é inconstitucional?

Em juízo preliminar, por múltiplos aspectos, eu considero o projeto inconstitucional.

Me sinto animado a concluir pela possibilidade de ilicitude dessa anistia. Seria a maior barafunda, a maior contradição no âmbito do ordenamento jurídico que o Estado perdoasse a si mesmo.

O Estado é o conjunto de seus Poderes. E não há Poder sem membros, deputados, senadores, presidente. E não existe a figura da autoanistia.

É por esse raciocínio sistêmico, holístico em cima da Constituição que eu só não encontro razões para pensar assim quando não procuro. Se for procurar mesmo só vou encontrar razões constitucionais para me contrapor à validade jurídica desse projeto.

O sr. avaliou as dez medidas?

Esse projeto é contrário a todo o espírito, todo o sentido do documento.

SEM ANISTIA  – A correta criminalização do caixa 2, com suas implicações, e as mentiras contadas para inflamar as ruas (por REINALDO AZEVEDO)

Se caixa dois passar a ser crime, é bom lembrar: ninguém poderá ser acusado deste novo tipo penal por atos passados; nada muda em relação aos demais crimes

 

A criminalização do caixa dois, se aprovada na Câmara, não poderá recuar, NOS TERMOS DA NOVA LEI, para punir aqueles que a praticaram até aqui. Chamar isso de “anistia”, como se faz por aí, é de uma burrice espantosa (ou de uma má-fé espetacular), já que a Constituição veda a retroação da lei penal para punir.

REITERE-SE: A PRIMEIRA GRITA CONTRA A SUPOSTA ANISTIA SE DEU, NA VERDADE, CONTRA UM MANDAMENTO CONSTITUCIONAL.

Só aí começou a surgir a história de que aquilo a que se chamava “anistia” era outra coisa. Os senhores parlamentares estariam tentando aproveitar o ensejo para anistiar quaisquer outros crimes que estivessem associados ao caixa dois. Assim, ninguém seria acusado nem de caixa dois nem de coisa nenhuma por atos passados. E, segundo o Apocalipse inventado pelo procurador Carlos Fernando, todos os acusados da Lava-Jato estariam absolvidos.

Um ova!

A emenda apócrifa contendo a suposta emenda pretendida pela turma da anistia é este:
“Não será punível nas esferas penal, civil (SIC) e eleitoral, doação contabilizada, não contabilizada ou não declarada, omitida ou ocultada de bens, valores ou serviços, para financiamento de atividade político-partidária ou eleitoral realizada até a data da publicação desta lei”.

Bem, o texto é tosco até para os padrões de determinados bolsões do Congresso. Mas que se note: mesmo que, com essa redação absurda e ampla, fosse aprovado, é mentira que todos os crimes seriam anistiados e que as portas da cadeia se abririam.

Carlos Fernando só falou aquilo porque o MPF quer, de forma declarada, incendiar as ruas. E porque o procurador já revelou o desejo de lutar boxe com parlamentares.

Releiam a suposta emenda. Ali está explícito que a DOAÇÃO NÃO CONTABILIZADA E A CONTABILIZADA não serão puníveis. Bem, a contabilizada já não seria mesmo. A não-contabilizada não poderia sê-lo porque lei não retroage contra o acusado ou réu. Cadê a anistia às corrupções ativa e passiva, ao peculato, à associação criminosa etc.?

Com boa-vontade, poder-se-ia dizer que essa estrovenga anistiaria, no máximo, a lavagem de dinheiro e  a falsidade ideológica (Artigo 350 do Código Eleitoral). Isso se entrasse em vigor. Mas não entraria.

Afinal, não nos esqueçamos: ainda haveria no meio do caminho o Senado e o presidente da República.

Janot de novo!
Rodrigo Janot, procurador-geral da República, colaborou com a confusão. Lembrou que lei pode retroagir para beneficiar o réu. Assim, se a tal anistia fosse aprovada e sancionada, os acusados da Lava-Jato se aproveitariam (ainda que parcialmente, destaco).

É certo que alguém recorreria ao Supremo contra o absurdo. Pergunta-se: até a decisão de mérito, far-se-ia o quê? Ora, recorrer-se-ia ao tribunal com um mandado de segurança com pedido de liminar. E seria concedido. Até que o pleno examinasse a matéria, a tal anistia não teria efeito nenhum. Depois de examinada, aí continuaria inócua porque certamente seria considerada inconstitucional.

Isso, note-se, na hipótese de que a coisa chegasse tão longe. Mas não chegaria. E, ainda que chegasse, os senhores procuradores mentiram quando disseram que todos os acusados da Lava-Jato estariam absolvidos e que todos os presos seriam soltos.

Falaram isso porque estavam e estão empenhados em fazer da Força-Tarefa o único Poder da República.

Afinal, eles caçam corruptos. Se caçam corruptos, então podem até dar aula até de física quântica porque ninguém na República tem mais moral do que eles, certo?

Ora…

É feio enganar as pessoas, especialmente aquelas que, com razão, veem na Lava-Jato a chance de moralização da atividade pública.

Mas isso tem de se dar nos limites da lei, sem mentira e sem demagogia barata.

Janot
Sobre o procurador-geral da República, escrevi:
“É patente que membros de destaque do Ministério Público Federal reivindicam hoje a tutela da atividade legislativa. Mas não só: também pedem a tutela da atividade executiva. E não é raro que façam juízos muito pouco lisonjeiros de decisões tomadas no Supremo — o que indica a sua aspiração à onipotência. Tome-se o caso do projeto que muda a lei de combate ao abuso de autoridade. Pespegou-se no texto a pecha de ‘anti-Lava Jato’, o que é de uma mentira fabulosa. Chega!”

Vamos ver qual vai ser a reação do MPF ao pronunciamento deste domingo. Que procuradores vão cantar vitória, embora soubessem ser inviável, impossível mesmo!, a anistia, bem, isso é inequívoco.

A questão agora é saber se continuarão a se comportar como bedéis do Congresso. Darão ao correto e bom projeto que muda a lei que pune abuso de autoridade o mesmo tratamento que deram à anistia que nunca houve nem haverá?

Insistirão numa espécie de método plebiscitário — e publicitário — para constranger o Congresso?

“Ah, mas o Congresso não pode fazer tudo o que lhe dá na telha”. É verdade. Por isso existe uma sociedade vigilante. Por isso existe um Supremo Tribunal Federal.

O que não pode, porque é um caminho certo para a crise e para o impasse, é o Ministério Público Federal arvorar-se em controlador prévio da atividade legislativa, da atividade executiva e da atividade judicial.

Um ente com esses poderes seria, sem favor nenhum, um ditador. Ainda que bem-intencionado. Como a história ensina, toda ditadura começa com boas intenções.

Agora é Janot quem tem de fazer a sua parte. A menos que o clima de bagunça institucional seja do seu interesse.

 

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Fonte: veja.com

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